A coleção Ugrito chegou em seu sétimo número. Publicada pela Ugra Press desde julho do ano passado, a série é uma das sacadas mais criativas e interessantes dos quadrinhos brasileiros nos últimos 12 meses. O autor da sétima edição é o quadrinista Ricardo Coimbra. Batizado de Fired, o gibi conta a história de um psicólogo organizacional de 23 anos com uma carreira promissora dentro de uma fábrica de parafusos, cinzeiros e próteses mecânicas. A HQ será lançada na tarde de sábado, a partir das 15h, com sessão de autógrafo, na loja da Ugra, aqui em São Paulo.
O quadrinho de Coimbra é o capítulo mais recente da batalha pessoal do autor contra indivíduos proativos e a cultura da alta performance do mundo moderno – ele falou bastante sobre o assunto na entrevista que me deu lá em abril de 2013. Assinada pelo também quadrinista Arnaldo Branco, a apresentação da HQ dá o tom da obra: “Finalmente alguém imortalizou aquele desabafo impotente sobre o filho da puta que veste a camisa da empresa que declamamos para ninguém mais além do nosso copo vazio no balcão do bar”. Bati um papo rápido com o Coimbra por email e ele falou um pouco sobre o tema da HQ:
Como o Arnaldo Branco diz no verso da HQ, o gibi é o mais recente capítulo de sua guerra pessoal contra pessoas proativas. Em que pé você acha que está essa batalha? Cá entre nós, me parece uma luta perdida.
Embora na divulgação deste gibi o pessoal da UGRA tenha se referido a mim como enfant terrible e que muitas pessoas confundam minha incompetência artística e imaturidade com frescor de iniciante (e minha síndrome de pônei com juventude), o fato é que já estou beijando a casinha dos quarenta e venho publicando já há algum tempo. Tenho dito pros meus amigos mais próximos que já passou da minha hora de parar de fazer quadrinho. E não por causa da coluna fodida, dos problemas de vista ou da já lendária incapacidade de se ganhar dinheiro com esta atividade, mas porque percebo que já disse tudo o que tinha pra dizer. E já disse umas três vezes. Quem acompanha meu trabalho sabe que eu giro em torno de uns três ou quatro temas, no máximo. E este mini-gibi não é diferente. Mas vou dizer uma coisa que pode parecer esquisita. Apesar das piadas obsessivas ao longo do tempo, eu não tenho raiva das pessoas proativas, que é a palavra que geralmente se usa pra designar gente prestativa e bem-intencionada, embora ingênua. O que sempre me incomodou era esta cultura artificial criada pelos departamentos de RH que se aproveita dessa boa-vontade das pessoas pra fazê-las trabalhar mais pelo mesmo salário. Mas nem chega a ser uma guerra pessoal, não. Sou bundão demais pra fazer guerra contra qualquer coisa. Na verdade, é só uma birrinha pra alimentar cartum mesmo. Agora, tenho que concordar com a provocação da sua pergunta: não resta a menor dúvida de que a mentalidade proativa é a que venceu.
Uma vez você falou comigo que o pior do culto à proatividade é quando ele se mistura à cultura da alta perfomance. Você continua empenhado em pregar o desencorajamento como um valor?
Continuo. Embora a melhor forma de lutar pelo desencorajamento seja não lutar, né? O tema desse gibi é justamente esse. O Lourenço reflete um pouco da minha admiração pelas pessoas que, mesmo no inóspito ambiente de trabalho e sob o assédio psicológico “fofo” do RH, se recusam a participar do teatrinho da empresa feliz. Pessoas que podem até entregar seu corpo e seu tempo livre à empresa mas não sua mente. Pessoas que estão dispostas a irem às últimas consequências para defenderem seu território psicológico e manterem suas personalidades íntegras. Uma das motivações, aliás, que me atraiu pro projeto UGRITOS foi a chance de criar um quadrinho que as pessoas pudessem carregar no bolso e ler como um refúgio, como eu lia as tirinhas do Dilbert naquelas edições da L&PM Pocket disfarçadamente durante as palestras ridículas que era obrigado a assistir quando trabalhava no ambiente corporativo.
Há alguma possibilidade do protagonista da HQ ser você em um passado distante? O Ricardo Coimbra de antes de começar a fazer quadrinhos? Que todo o trauma narrado na HQ tenha sido o despertar de sua carreira como um dos mais bem-sucedidos representantes da milionária indústria nacional de quadrinhos?
Hahahahahahah Não. Mas certamente eu gostaria de ter sido a pessoa que lhe causou o trauma. Infelizmente, como falei lá em cima, sou muito bundão pra isso. Quanto aos motivos do “despertar da minha carreira como um dos mais bem-sucedidos representantes da milionária indústria nacional de quadrinhos” revelarei em breve em uma palestra motivacional que estou preparando em parceria com os amigos Maurício de Sousa e Kleber Bambam.