Diego Gerlach e a produção do quinto número da Série Postal 2018

Antes do encerramento do segundo ano da Série Postal ainda rola o lançamento oficial do quinto e último quadrinho dessa segunda leva de publicações do projeto. Enquanto isso, reúno por aqui os depoimentos do quadrinista e editor do selo Vibe Tronxa Comix Diego Gerlach sobre a produção de Eu Espio Você, Você Me Espia, trabalho assinado por ele para a Série Postal 2018. Nas as aspas a seguir, o autor fala sobre a concepção da HQ, as cores e os personagens que aparecem na obra e a distribuição e o alcance de publicações independentes. Papo bom. Saca só:

“A primeira coisa que chama atenção é ver uma coisa minha em cores. Isso é raro. Esse trabalho aqui, especificamente, é só cor, sem traço, uma coisa quase meio termo entre pintura digital e desenho que eu nunca tinha feito com esse grau de complexidade. São vários personagens, passei algumas semanas mexendo, vai e volta e tal”.

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“A primeira coisa que me veio foi: eu posso usar cor. No meu caso, como eu falei, usar cor é algo bem raro. Eu tinha feito alguns desenhos, há um tempo, direto no Photoshop com aquela ferramenta de laço pra criar formas. O que eu fiz dessa vez foi criar as formas e depois preencher com cor. Creio que essa versão final já foi a primeiríssima ideia mesmo: uma cena complexa, com vários detalhes pro leitor absorver”.

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“Normalmente não sou muito conciso. Então pensei em fazer uma imagem com muitos detalhes. Logo de cara, quando comecei a fazer, surgiu a ideia de criar algo que eu já dominasse e me desse norte, que foi desenhar o Gilso com cores. Foi o primeiro personagem que eu desenhei ali na arte do postal e a partir daí eu tive a ideia de botar outros personagens que viessem do universo dele”.

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“Eu não tinha na minha cabeça que ia ficar essa coisa que não tem, digamos, um sentido de leitura bem definido. Normalmente a coisa no quadrinho é pensada de forma bem simples, né? Estão lá o quadro e a cena de ação se movendo da esquerda pra direita, normalmente é isso. Aqui não, as setas indicam várias direções possíveis em um momento estático. Os personagens são pegos no meio de uma cena aparentemente banal, mas aí tem alguns detalhes mais sinistros…”.

“O Gilso apareceu pela primeira vez no Know-Haole #2, um zine de 2013. Apesar dele ter poucas histórias, são só umas duas protagonizadas apenas pelo personagem, ele é mais usado em material de divulgação da Vibe Tronxa Comix. Mesmo quem não leu acaba conhecendo alguma coisa da personalidade dele”.

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“Aí você vê ali no postal uma pessoa no bueiro, um monstro lá no fundo – o mesmo que aparece na história de origem do Gilso… Inclusive, vários dos personagens que aparecem nesse postal já estão mortos na cronologia dos personagens da Vibe Tronxa Comix. Se eu tivesse que definir, isso aqui se passaria em algum momento já distante desse universo. Pelo menos três personagens aqui nesse postal já morreram”.

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“Foi tudo no Photoshop. Fui criando personagens, olhando as áreas dos desenhos que estavam vazias e, sempre que possível, colocando mais um personagem e tal. Aí essa coisas deles estarem olhando uns para os outros… Essa ideia de ‘Eu espio você, você me espia’, apesar de ser uma cena na rua, a inspiração veio de posts no Facebook, de pensar na internet como um reflexo de como vivemos em uma sociedade real mais condensada com essas características mais evidentes, das pessoas observando umas às outras”.

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“Cheguei a fazer algumas versões com mais detalhes ainda, algumas camadas extras que acabei removendo. Fiquei um pouco temeroso que as pessoas não conseguissem ver tudo isso por causa da escala. Ficou com um aspecto muito parecido com o das minhas histórias, muito cartunesco, de linhas simples, mas com ranhuras e detalhes. Ficou com cara de gráfico de jogo de computador e de video-game antigo, com personagens com uma certa tridimensionalidade, mas que não são executados perfeitamente em todos os níveis. Algumas coisas parecem meio esboçadas, pertencentes a uma técnica de animação mais rudimentar. Uma coisa meio joguinho de computador antigo que eram massas de cor com até alguma sombra aludindo ao volume, mas não exatamente tridimensional”.

“Eu já fiz alguns pôsteres coloridos e desde que comecei a lidar com cor, desde que aprendi a colorir no Photoshop, eu gosto de usar esses degradês considerados bregas. É uma constante no meu trabalho: eu apresento as paradas e as pessoas perguntam ‘Isso é sério?’. Aí algum tempo depois eu vejo essas coisas se espalhando. Essa questão do degradê, eu lembro de algumas pessoas que chegaram a ficar ultrajadas. Falaram: ‘Porra meu, esse degradê é muito brega. Não se usa isso em colorização’ (risos)”.

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“Eu me lembro daquele movimento das companhias telefônicas substituindo os designs de seus logos e, invariavelmente, todos os novos eram com essa coisa do degradê. Era o mesmo princípio que eu tava usando. A mesma coisa com as fontes de pixo. Eu não fui o primeiro, estava copiando algumas poucas pessoas que já tinha visto fazendo e achava interessante. Hoje tudo que é comercial e quer afetar uma coisa mais arrojada recorre a essa tipografia inspirada nos tipos do pixo brasileiro”.

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“Eu já recebi alguns postais e uma vez me convidaram pra um projeto de postais com originais. O Sama, o Carlos Ferreira, o Rafael Sica e mais alguém estavam participando, eu cheguei a receber um aqui em casa… Mas depois eu esqueci, tava sem dinheiro e não tomei parte. Eu não tava podendo na hora e ficou por isso. Eu me lembro de ter estudado sobre Arte Postal na universidade. A Arte Postal me influenciou muito, mas ela tem um viés mais político, é arte conceitual e na época em que estudei sobre ela eu não via essa possível conexão entre postais e quadrinhos”.

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“O impulso é sempre criar uma coisa única. A maneira como eu faço os meus quadrinhos, eu não vejo muita gente fazendo. Até onde eu sei, não tem muito selo de quadrinhos com zines em xerox, isso é raro. É o tipo de coisa que as pessoas fazem entre projetos. Eu faço por uma questão de necessidade. Eu assumo o controle de fazer pequenas tiragens e tem o desafio, que se reveste como um reputação enviesada do que eu faço. Eu posso dizer que cada um dos zines que já fiz tem o meu DNA. Não de maneira figurativa. Se um dia eu for preso, podem extrair DNA dos grampos ou do papel. Absolutamente todos que chegam nas mãos dos meus leitores passaram pelas minhas mãos antes”.

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“Aos poucos as pessoas vão chegando na Vibe Tronxa Comix. Eu não invisto tanto em uma divulgação ou nada do tipo, vai tudo meio que no boca a boca. Acaba recebendo um elogio da crítica aqui e ali e aí as pessoas vem atrás. O tempo de um zine, que não se divulga de forma intensa como o livro de uma editora, acaba sendo mais longo. Às vezes, dois anos depois de um lançamento estão descobrindo o zine e pedindo. O Know-Haole #4, por exemplo, toda semana alguém manda uma mensagem pelo Instagram ou pelo Face perguntando se ele ainda existe. Outro dia alguém postou no Instagram, ‘Leituras de 2018′ e aí tava lá o Know-Haole #4, o cara elogiando. Acho que o princípio é esse: criar um negócio de qualidade consistente, no caso da Série Postal está na curadoria, escolher os artistas, com trabalhos que irão compor um catálogo. No meu caso, sou eu”.


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