Está aberta a convocatória da Feira Des.Gráfica: “Há muitas formas de se enxergar HQs, queremos descobrir até onde esse elástico criativo pode pender”

Está aberta a convocatória da Feira Des.Gráfica. Projeto do Museu da Imagem e do Som aqui de São Paulo com curadoria do quadrinista Rafael Coutinho e apoio do pessoal da Editora Antílope e da Ugra Press, o evento está marcado para rolar no MIS entre os dias 14 e 15 de novembro. A seleção aberta na última 6ª (2/9) segue a mesma linha editorial do evento, voltada para HQs experimentais, e propõe a escolha de cinco dos projetos inscritos para impressão às véspera da realização da Feira. Os vencedores serão selecionados por um júri composto pelos artistas plásticos Ralph Gehre e Jac Leirner, pelo jornalista e crítico Pedro Moura, pelo quadrinista Pedro Franz e pela editora da Bolha, Raquel Gontijo. A ficha de inscrição, assim como a convocatória completa, você encontra lá no site do MIS.

Quanto mais eventos de quadrinhos melhor e ter um com um perfil tão pouco habitual como a proposta da Des.Gráfica acrescenta pra caramba à cena brasileira de HQs. Um dos principais agitadores dos quadrinhos nacionais e responsável pela Feira Des.Gráfica, o Rafael Coutinho bateu um papo rápido comigo sobre a origem do evento, a escolha da linha editorial do projeto e as expectativas dele em relação ao encontro. Saca só:

Como surgiu a ideia da Feira Des.Gráfica?

O MIS me convidou pra criarmos algo voltado para o público e produtores de Quadrinhos, e já há algum tempo namorava essa ideia de algo mais direcionado para a experimentação. Mais do que isso, que existisse um espaço que fosse mais do que só as feiras, que se espalharam bem pelo país, mas que sofrem os efeitos da crise financeira e do próprio mercado independente brasileiro. As pessoas consomem menos, e cada vez menos livros – ficam nos posters e derivados. Aí passei a estudar os modelos que existem pelo mundo que de alguma forma ampliavam essa experiência, seja com produção plástica e produtos mais variados, como palestras, conversas, projeções, live drawings, exposições, etc. E o André Sturm [Diretor Executivo do MIS] se mostrou muito aberto e interessado, e topou basicamente todas as ideias que apresentei. O MIS vinha de uma história muito maravilhosa com publicações e eventos similares, então tinham esse acumulo de informação e know-how perfeito para algo desse porte.

O anúncio do evento diz que o foco da feira é em “trabalhos narrativos de experimentação gráfico-visual e artistas e livros com enfoque na autoralidade e no posicionamento alternativo”. Por que a escolha dessa linha editorial?

Por muitos motivos, o primeiro deles sendo meu interesse em entender e me aproximar disso. Criamos esse “experimental” no nome pra realmente dar conta de tudo que pudesse ser colocado nesse guarda-chuva, e não tenho intensão de fechar isso. Tenho na minha experiência produções que acredito serem experimentações narrativas, histórias que saem do tradicional, mas acho que tem a ver mais com uma postura do que propriamente com o produto. São aqueles artistas que em eventos maiores vão mal de vendas, precisam ficar desenhando pin ups de herói pra fechar a conta do stand, que estão no fundo, encostados nas margens, com seus livros e publicações de quadrinhos que parecem não fazer parte daquele lugar. E aí coloco um monte de gente que nem vai mais pra esses eventos, porque simplesmente não encontram seu público.

O que acontece é que essa produção que poderia contar com artistas plásticos, pintores, fotógrafos, desenhistas amadores, escritores que de alguma forma acharam uma expressão gráfica pra seus textos, e todo mundo que acha que não faz como devia ou que seu trabalho é mal acabado, ruim, abstrato, pitoresco, passa a não fazer. O público passa a não procurar também por algo fora da produção mais comercial e bem aceita pelo mercado. Sem a experimentação livre esse mesmo mercado mais popular começa e ficar repetitivo, e passamos a orientar a produção e concepção do que pode ou não pode ser feito pela venda (ou pelo que é feito fora daqui, estrangeiro). Há muitas formas de se enxergar quadrinhos, e queremos descobrir juntos com os artistas e público até onde esse elástico criativo pode pender.

E quais as suas expectativas em relação às inscrições e à presença de trabalhos dentro dessa proposta da feita? Você vê produção de volume dentro dessa linha de experimentação por aqui?

Não tenho, ou melhor, estou fazendo um esforço pra não pensar nisso. Espero que milhares de milhares de inscrições, mas estou focado em fazer dar certo a plataforma, o formato do evento junto ao MIS. Mas como sou muito envolvido no meio, conheço muita gente que quer muito que isso dê certo e quer contribuir. Tenho recebido muitas mensagens de gente pedindo pra saber mais, o que me deixou muito animado. É um evento coletivo, tem que ser. Será feito por muita gente que pensa parecido, sente e trabalha diariamente nessa contra-corrente. E no fim das contas queremos que seja um evento pop, gostoso de ir passear, de ver coisas lindas e se deliciar com animações enormes na parede, música e claro, muito quadrinho excelente.

Aliás, quais trabalhos e autores são sua referência quando você pensa em quadrinho experimental?

Prefiro não responder com nomes, porque pode parecer que queremos esses e não aqueles. Prefiro deixar pra cada artista entender isso da maneira que achar melhor, porque somos muitos estudando e se aprofundando em nossas experimentações. Como disse, acho que é mais uma postura do que um resultado gráfico. Se o sujeito se entender dessa forma no mundo, como um artista buscando saídas pouco convencionais e com livros de quadrinhos estranhos e que não vendem na banca, então a DES.GRÁFICA é o lugar certo pra ele.


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