Papo com Artur Fujita

Conheci o trabalho do Artur Fujita por publicações de outros artistas do selo Dead Hamster. Já havia lido gibis produzidos por Julia Bax, Davi Calil, Greg Tochini e Roger Cruz, mas apenas no final do ano passado comprei Ascensão e Queda de Big Mini. Em fevereiro Fujita publicou Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado (R$35). Também lançado pela Dead Hamster e produzido com verba do Programa de Ação Cultural do Estado de São Paulo (ProAC), o título é um dos primeiros grandes gibis independentes e autorais brasileiros de 2015. A obra conta a história de Atílio, um rapaz ingênuo do interior que chega a São Paulo com a aspiração de virar escritor de histórias em quadrinhos de super-heróis. Sem dinheiro, ele vai trabalhar em um bar da Rua Augusta, onde conhece jovens com opiniões sobre todo e qualquer assunto e descobre que a bebida é sua melhor fonte de inspiração. O título também é o primeiro grande trabalho de um ano promissor não só para Fujita: em algum momento do segundo semestre de 2015, ele, Roger Cruz e Davi Calil lançam a Graphic MSP estrelada pelos personagens da Turma da Mata. Conversei com o quadrinista sobre a produção de Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado, a dinâmica da Dead Hamster e um pouco da produção do blockbuster da Maurício de Sousa Produções. Ó:

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Tanto você quanto o Atílio nasceram fora de São Paulo e mudaram pra capital. Imagino que você, assim como ele, chegou aqui com a ambição também de viver de contar histórias em quadrinhos. As semelhanças param por aí? Imagino que já te perguntaram isso antes: o quão autobiográfica é Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado?

Na verdade ela é bem pouco autobiográfica. Talvez o único ponto em comum seja esse mesmo que você apontou, mas mesmo assim sou de São Bernardo do Campo que é uma cidade bem grande. Todos os personagens são uma mescla exagerada de várias pessoas que conheci. Não é ninguém e ao mesmo tempo é um monte de gente!

Quase todos os personagens do livro são repletos de contradições. Muitas das escolhas e decisões deles são extremamente questionáveis. Você hesitou em algum momento em relação a essa personalidade um pouco questionável do personagem principal? Digo isso por achar mais comum encontrar protagonistas que permitam alguma empatia por parte do leitor, concorda?

Não hesitei, pelo contrário, foi uma coisa que procurei trabalhar. Meu trabalho anterior, Ascensão e Queda de Big Mini era com um personagem que era essencialmente bom. Queria trabalhar dessa vez com um que fosse essencialmente canalha! Acho mais interessante trabalhar com personagens contraditórios. As vezes me parece que protagonistas muito certinhos, inteligentes e profundos, um pouco bidimensionais demais. Somos todos contraditórios em certo ponto, acho mais fácil ter empatia por personagens assim.

Certos diálogos, principalmente no bar onde trabalha o Atílio, são idênticos a alguns que vejo na minha timeline do Facebook, principalmente sobre política. O quanto essa tensão ideológica toda que vemos na internet inspirou os personagens e diálogos do livro? A sua timeline foi inspiração?

A timeline ajudou bastante, devo admitir! Mas eu frequentava bastante a Augusta na época em que estava escrevendo o álbum. É fácil participar de conversas parecidas ou ouvir isso das mesas vizinhas.

Você abre cada capítulo do livro com uma música, como se fosse uma trilha sonora pra obra. Você já tinha essas músicas em mente enquanto escrevia ou elas surgiram depois que você finalizou o quadrinho?

Essas músicas que aparecem no livro eu acabei escolhendo depois. Durante a produção, li um livro em que o autor colocava frases em cada abertura de capítulo, num capítulo era a letra de uma música. Curti tanto que copiei a ideia. Mas tinha algumas músicas em mente enquanto escrevia. Perfect Day do Lou Reed e Happy heart do Andy Williams por exemplo. Sou fã do Trainspotting e Cova Rasa, talvez quem tenha lido a hq e visto os filmes entenda a relação.

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Você já trabalhou com animação, ilustrações, colorização e em outras frentes e em vários lugares. Hoje, quando você pega o Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado, quais as principais mudanças que você vê no seu trabalho ao longo da sua carreira?

Meu desenho sempre foi bem cartoon, mais pro infantil. Já há algum tempo tenho tentado ser mais versátil, conseguir trabalhar temas para um público mais velho. Acho que todas as transformações tem sido nessa direção, tanto no texto quanto na arte.

Pelo Dead Hamster, o Escrevendo com o Lado Esquerdo do Fígado é seu segundo título, certo? Você vê algum padrão no estilo das pessoas que compõem o selo? Aliás, como vocês definem o Dead Hamster?

Sim, o segundo. O Dead Hamster é um “clubinho” de amigos! hahaha Grandes amigos que pensam de maneira muito parecida, o que eu acredito que define as amizades. Em termos de estilo de desenho somos completamente heterogêneos, então se existe algum padrão, ele deve estar no modo de pensar.

E qual a vantagem de trabalhar como um selo ou um coletivo? Existe alguma dinâmica de trabalho compartilhada entre vocês?

Dividir as responsabilidades. Pegar o que há de melhor em cada um e usar em benefício coletivo. Tem sempre alguém que é melhor em determinada área. A Julia Bax e a Bruna são ótimas em organização e toda a parte financeira. O Davi é o relações públicas, e por aí vai!

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Sei que vocês não podem revelar muito sobre a Graphic MSP em que estão trabalhando, mas dá pra dizer em que pé o projeto está?

Estamos no meio da produção. O Roger está arte-finalizando e o Davi colorindo. Logo mais deve sair do forno!

E você ficou exclusivamente com o roteiro da graphic novel da Turma da Mata, certo? Você já tinha trabalhado apenas com o texto de um quadrinho? Como é pra você escrever para um outro artista?

O que é legal nesse projeto é que ninguém fica exclusivamente em nada. Todo mundo participa ativamente de tudo, se não botando a mão diretamente, palpitando ao menos. Escrevi o roteiro e fiz os laytous das páginas, mas o Davi e o Greg anteriormente participaram incisivamente do argumento. Infelizmente só o Roger não participou tanto quanto eu gostaria do roteiro, porque quando ele entrou já estava praticamente aprovado. Já tinha feito coisas bem menores como roteirista. Ou em projetos que ainda não saíram do papel. Esse será o primeiro! É engraçado, porque quando a gente escreve já imagina a cena de um jeito e aí vem um outro desenhista e faz diferente. A minha sorte é que no caso o desenhista é o Roger, então tudo que ele mudou ficou milhões de vezes melhor!!!

Você já tem algo em mente para depois da Graphic da Turma da Mata? Algum projeto solo seguinte ao Escrevendo? Será pelo Dead Hamster e também pelo Proac?

Tenho ideia pra um outro projeto solo, também pelo Dead Hamster e que pretendo inscrever no ProAc desse ano. Vamos ver se rola!

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