Papo com Dan Berry

Acho que antes de conhecer o trabalho do Dan Berry como quadrinista, conheci o projeto de podcast dele com entrevistas com autores de histórias em quadrinhos no Make it Then Tell Everybody (Faça e Depois Conte pra Todo Mundo). As entrevistas dele inspiraram muitas das conversas que tenho por aqui com desenhistas e escritores. Além de quadrinista e um tremendo entrevistador, ele também é professor de quadrinhos na North Wales School of Art & Design, da Universidade de Glyndwr, no País de Gales.

Conheci o Dan Berry pessoalmente no Elcaf, o Festival de Quadrinhos e Arte do Leste de Londres. Trocamos alguns emails e agora ele me deu uma entrevista bem legal falando sobre seu podcast, suas experiência como artista independente e novos nomes dos quadrinhos britânicos. Recomendo fortemente dois quadrinhos dele, ambos curtos, com menos de 50 páginas: Carry Me e The End. O primeiro foi lançado com o selo do Great Beast Comics, um coletivo de quadrinistas britânicos responsável por alguns dos trabalhos mais interessantes que vi em Londres. Segue o nosso papo e fica de olho no trabalho do Dan Berry – no site dele, no Make it Then Tell Everybody e no twitter. Ó:

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O seu site de entrevistas chama Make it Then Tell Everybody (Faça e Depois Conte pra Todo Mundo). Essa é a lógica do mundo editorial hoje em dia? Como se o princípio fosse: não pense muito, faça e as coisas acontecerão?

Não tenho certeza se essa é a lógica de todo o mundo de publicações independentes no momento, mas é bastante apropiado para o que tenho tentado fazer com o meu trabalho. Por um lado, quero que o meu trabalho seja bom, então preciso ter um determinado controle de qualidade, mas por outro, se eu for esperar estar perfeito para mostrar para alguém, jamais publicaria qualquer coisa. Essa é a parte “Faça” da ideia. Eu acho que estou tentando encontrar um meio termo entre as duas coisas. Acho que costumo esquecer que apenas metade do trabalho de um artista de quadrinho é planejar, escrever e desenhar o quadrinho, o resto é você se promover, fazer seu próprio marketing, viajar para festivais e fazer as pessoas estarem conscientes do que você faz, que é quando surge a parte “Depois Conte pra Todo Mundo”. São praticamente dois trabalhos distintos que exigem um conjunto de habilidades que definitivamente não são naturais para mim.

Existe uma cena de quadrinhos no Reino Unido? Você vê algum padrão nos quadrinhos sendo lançados ou na forma como as pessoas estão produzindo e vendendo histórias em quadrinhos aí?

Sim, há bastante coisa rolando no Reino Unido no momento. Há algumas ótimas editoras trabalhando com alguns artistas incríveis e publicando livros incríveis, como a Self Made Hero, Nobrow, Jonathan Cape, Myriad e um monte de outras editoras. Também parece haver muita gente buscando sites de financiamento coletivo para bancar seus livros, como o Kickstarter e o IndieGoGo.

Eu vejo muitas semelhanças nas opiniões dos artistas que você entrevista com os autores brasileiros com quem converso. A maior preocupação de todo mundo parece ser ter uma história completa e um livro pronto e só então procurar editoras ou formas de lançar. Você acha que essa é uma realidade universal?

Acredito que sim. No entanto, eu entendo ambos os lados. Eu ficaria hesitante de investir em qualquer projeto sem poder julgar se há potencial para ele ser um sucesso ou não. Editoras não são fundações de caridade e precisam ganhar dinheiro para continuar funcionando. E os artistas e escritores também não vivem de caridade e precisam de dinheiro para continuar trabalhando. Também entendo a quantidade trabalho necessária para completar uma história antes de vendê-la. A fórmula que parece funcionar é a dos editores optando por menos riscos e trabalhando com artistas já estabelecidos e conhecidos pela qualidade de seus trabalhos ou dos artistas trabalhando dentro de um universo mais limitado, que limita o fator de risco desconhecido para os editores. Financiamentos coletivos parecem estar mudando isso, mas a fórmula básica é a mesma, você ainda precisa de ter projetos bem sucedidos e uma quantidade mínima de fãs disposta a ajudar no sucesso da campanha ou então ter o projeto completo até o ponto que as pessoas possam decidir se querem investir nele. Ainda é difícil. Eu me preocupo se as pessoas estão começando a ter uma fadiga de financiamento coletivo.

Dois dos seus trabalhos, Carry Me e The End, são praticamente sem palavras. Vejo muitos autores brasileiros fazendo o mesmo, mas me parece uma estratégia para chegarem a outros mercados, principalmente o de língua inglesa. Por que você escolheu narrar essas histórias dessa forma?

No começo, o Carry Me teria uma forma muito simples de narração, mas todas as alternativas que pensava nesse sentido, adicionar texto parecia limitar a história, ela se tornava menos efetiva. Eu queria que o leitor se colocasse no lugar dos personagens e como o enredo é bastante ambíguo, achei que colocar texto afastaria o leitor da história. The End também tem muito pouco texto. Inicialmente eu escrevi uma história muito maior para esse livro, mas decidi remover tudo que não acrescentasse ao enredo principal ou levasse a história pra frente. Gosto da ideia do texto e da imagem contarem versões ligeiramente diferentes de uma mesma história.

Carry Me foi publicado pela Great Beast. No site do coletivo consta que “a Great Beast é um grupo de quadrinistas independentes publicando seus próprios trabalhos de forma profissional”. Como um autor independente, qual a vantagem de publicar em grupo? Seria muito diferente caso você publicasse sozinho?

Se é para eu ser sincero, não tenho certeza. A ideia é ter um coletivo que apresente para fãs de outras pessoas o seu trabalho e vice-versa. Apesar de eu querer que funcione como um modelo, não tenho inteira certeza se funciona de maneira muito diferente de quando publicamos sozinhos.

É possível viver apenas como um quadrinista independente no Reino Unido?

Sim, mas não é uma vida fácil de se levar.

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Um dos grandes nomes do Elcaf em 2014 era o Chris Ware, muito conhecido por suas experiências com a linguagem dos quadrinhos. No entanto, ele não era o único artista presente com produções experimentais em relação a formatos e narrativa. Você notou o mesmo?

Sim, fico bastante impressionado por pessoas capazes de explorar formatos únicos e fazer coisas diferentes nesse meio. Também gosto bastante das possibilidades dos quadrinhos digitais – o Daniel Merlin Goodbrey está fazendo um trabalho bastante interessante nesse meio e a Karrie Fransman também está fazendo alguns trabalhos muito legais misturando quadrinhos com esculturas.

Eu li que você fez uma palestra com o Scott McCloud recentemente. É muito popular a definição dele para quadrinhos como “imagens pictóricas justapostas em sequência deliberada”. Com todas essas experiências sendo feitas em termos de linguagem, você vê alguma possibilidade desse conceito estar mudando ou sendo expandido?

Eu acho que essa definição já poderia ser questionada no dia que ele escreveu! Ele até comenta como essa definição vai por água a baixo quando você começa a levar em conta quadrinhos de apenas um painel. Não tenho qualquer interesse em como definimos quadrinhos como um meio. Ter uma definição do que são quadrinhos não faz qualquer diferença no meu trabalho. Qualquer definição de uma mídia terá exceções, e sinto que assim que acertarmos em cheio uma definição que se aplique a todas as facetas do vasto mundo dos quadrinhos, algo novo vai surgir e provar que estávamos errados.

Você poderia listar alguns novos nomes dos quadrinistas britânicos que nós brasileiros deveríamos prestar atenção?

Claro! Fiquem de olho em Isabel Greenberg, John Allison, Joe List, Luke Pearson, Joe Decie, Lizz Lunney, Kristyna Baczynski, Alex Norris, Isaac Lenkiewicz, Jack Teagle, Donya Todd, Warwick Johnson Cadwell, Stephen Collins, Kate Brown e Emma Vieceli, só pra começar e se você fizer a mesma pergunta amanhã eu vou te dar uma lista completamente diferente de nomes!

E há alguma possibilidade de vermos seu trabalho sendo lançado no Brasil?

É possível! Se alguém quiser publicar meu trabalho em qualquer língua que não seja inglês, é só entrar em contato!

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