Papo com Ed Piskor, o autor de Hip Hop Genealogia: “Quanto mais me envolvia nesse projeto mais proximidade eu via entre o Hip Hop e os quadrinhos”

Já comentei por aqui da minha matéria pra Rolling Stone sobre o lançamento de Hip Hop Genealogia no Brasil. A edição da Veneta é um dos grandes quadrinhos publicados no país em 2016. Corri atrás do Ed Piskor assim que soube dessa edição nacional e conversamos por email. Republico o meu texto presente na edição de setembro da Rolling Stone e logo em seguida a íntegra da minha conversa com o quadrinista. Ó:

“Meus irmãos quadrinistas estão tão na seca por leitores e compradores que não querem ofender ninguém”

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Retrato de família

HQ Hip Hop Family Tree, que conta a história da cultura rapper, ganha edição em português

Para o quadrinista norte-americano Ed Piskor sempre foi explícita a relação entre os gibis que ele lia na infância e as canções de Rap que escutava enquanto crescia. “Tanto revistas de quadrinhos quanto a cultura hip hop nasceram nos Estados Unidos, em Nova York para ser mais específico. São filhos bastardos da indústria cultural que ganharam respeitabilidade com o passar dos anos. Rappers e super-heróis sabiam falar melhor sobre o que acontecia ao meu redor do que os meus pais”, explica o artista no primeiro volume da série ‘Hip Hop Genealogia’ (R$94,90). Recém-publicado no Brasil pela editora Veneta, o álbum conta as origens da cultura Hip Hop nos Estados Unidos entre 1970 e 1981.

Publicadas originalmente no site Boing Boing em 2013, as 118 páginas do quadrinho documentam o surgimento de lendas do universo Hip Hop, como o DJ Kool Herc, o grupo Grandmaster Flash and the Furious Five, o célebre Afrika Bambaataa e as primeiras apresentações dos músicos que viriam a se tornar o trio Run – D.M.C. A cantora Debbie Harry, o artista Keith Haring e a banda The Clash também fazem pontas na obra. Os traços caricatos e as cores chapadas de Piskor refletem o mesmo estilo predominante nas HQs de super-heróis da época.

Nascido na cidade de Pittsburgh no ano de 1982, Piskor está trabalhando atualmente no quinto volume do projeto. A quarta edição focou nos anos de 1984 e 1985. De acordo com os editores nacionais da série, o segundo volume da coleção deverá sair no Brasil no primeiro semestre de 2017.

Para o autor, a cada página produzida por ele fica mais evidente o elo entre os super-heróis dos quadrinhos e os protagonistas de ‘Hip Hop Genealogia’. As roupas coloridas e descoladas, os alter-egos e os vários embates entre seus grandes nomes são outras das semelhanças listadas por Piskor entre seus ídolos rappers e os personagens de suas revistinhas da juventude.

“Não havia muitas pessoas falando sobre quadrinhos enquanto eu crescia. Acho que já tinha uns 20 anos quando conheci alguém com quem pude conversar sobre HQs”, conta o quadrinista em entrevista à Rolling Stone.

“Já o Rap sempre foi o estilo musical mais popular do lugar de onde vim, mas era completamente uncool escutar músicas das antigas, era preciso estar atualizado. Desde o começo eu sempre soube que os meus interesses eram diferentes daqueles da maioria, daí essa minha leitura desses dois mundos como crianças bastardas da nossa cultura. Quanto mais me envolvia nesse projeto mais proximidade eu via entre o Hip Hop e os quadrinhos, fosse por capas de álbuns, grafites ou trabalhos paralelos de alguns desses artistas”, explica.

Acostumado a projetos biográficos e baseados em fatos cotidianos, Piskor considera ‘Hip Hop Genealogia’ seu empreendimento mais ousado: “Eu tive a ideia da série dia 1º de janeiro de 2012, comecei a trabalhar imediatamente naquele mesmo dia e decidi me ocupar da criação de uma história cronológica do Hip Hop e do Rap”.

Ainda no começo de sua carreira, o quadrinista teve como mentor o lendário escritor Harvey Pekar (1939-2010), criador da série ‘American Splendor’ e um dos principais cronistas e das grandes referências das HQs underground e biográficas dos Estados Unidos. Juntos eles trabalharam no quadrinho ‘The Beats’ – sobre a geração de escritores capitaneada por Jack Keuroack, Allan Ginsberg e William S. Burroughs – e também nos últimos roteiros de autoria de Pekar no seu título mais famoso. Segundo Piskor, além de temáticas parecidas, ele herdou muito do estilo realista de seu mestre:

“O Harvey era ótimo em perceber o instante perfeito para falar sobre um assunto antes de todo mundo. E ele tinha uma predisposição para correr atrás que acredito também possuir. Sei por exemplo que sempre estarei de boa em termos de trabalho, enquanto existir papel eu estarei fazendo quadrinhos e vendendo por conta própria caso seja necessário. Aliás, você nunca vai me ouvir reclamando sobre trabalhar com HQs. É a coisa mais legal que posso fazer com as minhas roupas no corpo”.

“Eu acho que as histórias reais, sobre pessoas de verdade que fizeram coisas extraordinárias, são realmente inspiradoras e mais interessantes de serem contadas do que enredos de ficção”

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Você lembra do instante em que teve a ideia de criar Hip Hop Genealogia?

Eu tive a ideia no dia 1º de janeiro de 2012 e comecei a trabalhar imediatamente naquele mesmo dia. Eu queria fazer algo relacionado ao imaginário do universo Hip Hop há anos e anos. Eu acordei nas primeiras horas do ano novo e decidi me ocupar na criação de uma história cronológica do Hip Hop e do Rap.

Suas referências e citações são muito precisas. Quanto tempo você passou pesquisando para a criação da série?

A cada semana eu finalizava cerca de duas páginas. A maior parte do tempo eu gastei na fase de criação do texto, o que também inclui as minhas pesquisas. Eu determinava quais momentos eu queria cobrir, depois gastava um tempão pesquisando cada um desses momentos, fosse em registros textuais ou gravações de rádio e, ocasionalmente, conversando com algumas pessoas.

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O lançamento do primeiro volume mudou de alguma forma a dinâmica do seu relacionamento com os artistas presentes na obra?

Eu fui procurando por vários músicos que gostaram dos livros e quiseram ajudar nas edições seguintes. As reações foram extremamente legais ao redor do mundo.

Um outro livro seu que foi publicado aqui foi o The Beats, também uma obra de não-ficção com elementos biográficos. Você tem um gosto particular pelo gênero?

Eu acho que as histórias reais, sobre pessoas de verdade que fizeram coisas extraordinárias, são realmente inspiradoras e mais interessantes de serem contadas do que enredos de ficção.

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Um dos aspectos mais interessantes de Hip Hop Genealogia é a adaptação do seu estilo pessoal às características do período sobre o qual está narrando. Foi muito difícil estabelecer a ambientação de cada um desses contextos?

É com certeza desafiador. Mas colocando as coisas em perspectiva é muito mais difícil viver construindo um telhado ou subindo paredes, então você nunca vai me ouvir reclamando do meu trabalho com quadrinhos. É a coisa mais legal que posso fazer com as minhas roupas no corpo.

Gosto muito das páginas finais do livro, quando você compara quadrinhos e Hip hop, chamando ambos de “produtos culturais bastardos que ganharam respeito crescente com o passar dos anos”. Você lembra do instante que fez essa constatação? Ainda vê muitas relações entre esses dois universos?

Não havia muitas pessoas falando sobre quadrinhos enquanto eu crescia. Acho que já tinha uns 20 anos quando conheci alguém com quem pude conversar sobre HQs. O Rap sempre foi o estilo musical mais popular do lugar de onde vim, mas era completamente ridículo escutar rap das antigas, era preciso estar sempre por dentro do que estava acontecendo. Desde o começo eu sempre soube que os meus interesses eram diferentes da maioria, daí essa leitura dos quadrinhos como crianças bastardas da indústria cultural. Quanto mais me envolvia nesse projeto mais relações eu via entre Hip hop e quadrinhos, fosse por capas de álbuns, grafites, projetos paralelos de alguns artistas e outras coisas do tipo.

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Ainda sobre essa relação entre quadrinhos e música. Vivemos em um mundo cada vez mais de nichos com alguns poucos blockbuster e sucessos dominando a cultura mainstream. Você costuma pensar na forma como artistas buscam sobreviver nesse contexto?

Na verdade não costumo pensar muito sobre isso. Eu sei que sempre estarei de boa por que estou sempre bastante disposto. Enquanto existir papel eu estarei fazendo quadrinhos – e vendendo por conta própria caso seja necessário.

E sei que o Havery Pekar foi muito importante para a sua carreira. Você pode falar um pouco sobre ele?

O Harvey tinha essa mesma predisposição que eu mencionei anteriormente. Ele também era ótimo em perceber o instante perfeito para falar sobre um assunto antes de todo mundo.

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Os EUA estão às vésperas de uma eleição presidencial com candidatos de extremos. Há algum quadrinho de teor político que chama sua atenção hoje em dia?

Na verdade nada chama muito a minha atenção, com exceção de alguns trabalhos específicos, como as coisas sendo publicadas no The Nib. Acho que meus irmãos quadrinistas estão tão na seca por leitores e compradores que não querem ofender ninguém.

E o que você tem lido/visto/escutado ultimamente? Tem alguma obra que você consumiu recentemente e recomenda?

Eu gostei bastante de Stranger Things no Netflix. O estilo da narrativa, algo que tem sido tão importante para mim ultimamente, me fez lembrar o Tintin do Hergé e o Príncipe Valente do Hal Foster.

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