Papo com Simon Hanselmann, autor de Zona de Crise: “Não aguento mais quadrinho-poesia e punhetas de vanguarda tediosas”

Conversei com o quadrinista australiano Simon Hanselmann sobre Zona de Crise (Veneta), obra com lançamento em português previsto para janeiro de 2022, com tradução de Diego Gerlach. Transformei esse papo com o autor em matéria publicada aqui no blog, no dia 21 de dezembro, na qual falo sobre a trama e o desenvolvimento da HQ. Compartilho agora a íntegra da minha conversa com Hanselmann (também traduzida por Diego Gerlach). Ele me falou sobre a produção de Zona de Crise, a repercussão da série, as temáticas políticas do quadrinho e o futuro planejado por ele para Megg, Mogg, Coruja e Lobisomem Jones.

Deixo aqui o link para a minha crítica de Mau Caminho (trabalho prévio de Hanselmann publicado no Brasil), o link para minha primeira entrevista com Hanselmann e também o link para a minha matéria sobre Zona de Crise. A seguir, papo com Simon Hanselmann:

“É a minha comédia política alucinada, uma explosão de insanidade”

Zona de Crise é centrado principalmente no impacto da pandemia na vida dos seus personagens, mas gostaria de saber: como a pandemia afetou a sua vida? 

Odeio soar cuzão, mas 2020 foi o melhor ano da minha vida. Ninguém aparecia na minha casa pra me distrair do meu trabalho! Simplesmente trabalhei sem parar… Eu estava preocupado no começo da pandemia com a ideia de que todo o mercado de quadrinhos entraria em colapso, mas vendi mais livros do que em qualquer outro ano. 2020 foi incrível pra caralho. As pessoas estavam trancadas em casa e acabaram ficando sem ter o que ver na Netflix, se viram forçadas a comprar livros!

Acho que os posts de Zona de Crise no Instagram seguiram a mesma periodicidade do início ao fim da série. Você manteve alguma rotina de trabalho durante a produção dessa série? 

Eu trabalhava sem parar desde que acordava até terminar a tira do dia. Às vezes trabalhava até meia-noite, mas às vezes terminava mais cedo e ficava só grelhando carne com minha esposa, ou então deitava no pufe e jogava vídeo game. Eu me divertia também dando um scroll apocalíptico no Twitter, observando todo mundo simplesmente endoidecendo, e me sentindo vastamente superior a todos.

Acredito que Zona de Crise tenha sido seu trabalho mais longo e com maior impacto na vida dos seus personagens. O quanto você tinha elaborado dessa história quando começou a publicá-la? Quando você deu início a Zona de Crise já tinha em mente o final da história e o desfecho para cada um de seus personagens?

Eu não fazia ideia de como seria, quando comecei Zona de Crise. Eu imaginei que seria um troço de 30 páginas, mas o lance foi ficando cada vez mais louco. Foi basicamente no improviso. Ainda não tive tempo de ler o livro como uma ‘coisa’ grande desde que terminei ele, espero que não seja uma leitura de merda como livro!

“Eu deveria na real ter ganho o prêmio Nobel de literatura”

Página de Zona de Crise, obra de Simon Hanselmann (Divulgação)

Ainda sobre Zona de Crise ter sido seu trabalho mais longo e impactante para a história dos seus personagens, o que essa arco de histórias sobre a pandemia representa para você? 

É a minha comédia política alucinada, uma explosão de insanidade. Eu mal tive tempo de processar tudo. Geralmente penso em ternos de negócios: é meu trabalho mais ‘popular’ até hoje, minha narrativa mais longa, e o melhor webcomic de todos os tempos. Eu deixei no chinelo qualquer outro artista do planeta. Eu deveria na real ter ganho o prêmio Nobel de literatura, mas acho que todo aquele sexo anal assustou eles. Ao menos ganhou um prêmio Eisner. Me sacanearam no prêmio Harvey.

Após cada post seu no Instagram com um novo trecho de Zona de Crise eu gostava de ler os comentários e ver a repercussão da história entre os seus seguidores. Você também acompanhava essa repercussão? Se sim, esse retorno dos leitores afetou a história em algum momento? 

Sim, e algumas vezes peguei coisas dos comentários que fizeram a história tomar um determinado rumo, mas na maioria das vezes eu mudava de direção para não ir por onde as pessoas imaginavam que iria, eu estava tentando criar o máximo de suspense. A coisa mais engraçada eram os comentários raivosos de todos os babaquinhas políticos, doidos direitóides e os imbecis de extrema-esquerda, crianças ‘lacradoras’ e arrogantes. Eu fiz com que todos eles me odiassem. Zona de Crise foi criada para entreter pessoas com senso de humor e para enfurecer e confundir todos os babacas ultrapolitizados. Foi divertido.

Você começou a publicar seus trabalhos no Tumblr, hoje cada vez mais ignorado por artistas. Qual avaliação você faz do Instagram como plataforma para publicações de histórias em quadrinhos?

Estou começando a odiar o Instagram, é muito censurante. Já tomei alguns ganchos e posso perder minha conta se fizer merda de novo, o que seria um desastre para minhas finanças. Comecei a ter que censurar um monte de merda que posto lá. Não tenho planos de serializar trabalho inédito por lá de novo, atualmente procuro por plataformas alternativas. Instagram é pros covardes!

“Vou voltar a escrever sobre junkies, depressão e piadas de piroca”

Página de Zona de Crise, obra de Simon Hanselmann (Divulgação)

Apesar de nascido na Austrália você está muito ligado à cena de quadrinhos underground dos Estados Unidos. O quanto essa cena norte-americana foi referência para você e continua a influenciar os seus trabalhos? 

A cena atual na América do Norte é predominantemente composta por maricas chorões. Gosto mais da cena na Europa, da cena do México, da cena britânica. Mas tem babacas chatos em tudo que é canto. Eu só meio que ignoro todo mundo, hoje em dia, vivo na minha ilha deserta, não tenho vontade de estar conectado a nenhuma cena. Minhas influências vêm de toda parte. Espero que a cena norte-americana se torne um pouco mais divertida nos próximos anos, com menos ostentação política e resmungos, e mais diversão… Veremos… Tenho curtido Nate Garcia, ele tem 19 anos e é muito engraçado, faz quadrinhos cretinos e divertidos. Mais coisas assim, por favor. Não aguento mais quadrinho-poesia e punhetas de vanguarda tediosas.

 Até quando você se vê produzindo histórias da Megg e da turma dela? Você tem vontade de criar outras histórias com outros personagens?

Eu sigo a todo vapor com Megg e Mogg. Estou trabalhando num livro que sai no verão que vem, e aí vou entrar com tudo em Megg’s Coven e mais outro projeto secreto. Eu adoro Megg e Mogg me sinto muito confortável com eles e tenho muitas, muitas histórias para contar com eles. Nas poucas vezes na última década que me aventurei fora do universo de Megg, Mogg e Coruja, tive péssimas experiências.

Quando te entrevistei pela primeira vez você falou que seus trabalhos com a Megg eram, de certa forma, ‘removidos de questões políticas’, sendo sobre ‘pessoas egoístas que odeiam política e estão ás voltas com seu próprio tumulto emocional’. No entanto, Zona de Crise, de certa forma, é um quadrinho muito político, principalmente em relação ao impacto da pandemia em em párias sociais, você concorda?

Sim, Zona de Crise foi super política, foi propositalmente meu ‘quadrinho político’. Mas pra mim chega disso, política é num negócio vergonhoso pra caralho. As pessoas que se deixam consumir por isso são chatas pra caralho. Eu vou voltar a escrever sobre junkies, depressão e piadas de piroca.

“Eu amo pra caralho fazer quadrinhos

Página de Zona de Crise, obra de Simon Hanselmann (Divulgação)

Também nessa nossa entrevista prévia você falou que sua ‘missão principal é apenas de frisar o absurdo’. Como foi administrar essa missão pessoal quando a realidade parece se propor a essa mesma missão ao longo dos últimos anos?

Tornou tudo muito mais fácil. O que não faltava eram coisas imbecis e loucas vindas de todos os lados. As pessoas realmente piraram ano passado…

Eu meio que queria poder continuar Zona de Crise, para poder tirar onda com essas coisas, colocar elas em perspectiva, mas como eu disse, política é algo vergonhoso. É patético e triste ver comediantes e artistas que um dia respeitei se deixarem consumir por política pura, abandonarem quase completamente a comédia em si. Todos eles parecem exaustos e deprimidos. Enquanto eu estou o mais feliz que já estive em toda minha vida.

E você ainda me falou que na maior parte do tempo, enquanto está produzindo seus quadrinhos, está ‘apenas tentando se divertir’. O quanto você se divertiu fazendo Zona de Crise?

Eu me diverti o tempo todo. Minha esposa entrava no estúdio e me via rindo das minhas próprias piadas. Minha declaração de intento com ZC era divertir todo o povo apavorado e trancado em casa, mas principalmente para, de modo egoísta, me divertir, como sempre. Foi realmente divertido. Eu amo pra caralho fazer quadrinhos.

Você pode recomendar algo que esteja lendo/assistindo/ouvindo no momento?

Tenho assistido principalmente DVDs de comédia dos anos 90, um bocado de Alan Partridge. Eu me tornei pai seis meses atrás, então não tenho tido muito tempo pra ler ultimamente. Eu assisto DVDs durante o dia, enquanto trabalho, e de noite só passo tempo com meu moleque e lavo a mamadeira. Agora só escuto música para bebês…

A capa da edição brasileira de Zona de Crise, obra de Simon Hanselmann (Divulgação)

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