Papo com Craig Thompson

No início do ano entrevistei o Craig Thompson pro Caderno 2 do Estadão. O papo foi sobre o lançamento de Habibi, primeiro trabalho dele em um intervalo de sete anos. No final da conversa ele falou que ainda não sabia qual seria seu próximo lançamento, mas estava investindo em três livros ao mesmo tempo: um erótico, um de ensaios e um infantil. Um tempo depois ele contou no blog dele que o primeiro a sair seria o infantil e hoje ele revelou o nome e a editora da hq: Space Dumplins, pela Scholastic. Segundo Thompson, a ideia é que o quadrinho tenha dinâmica semelhante a um filme da Pixar. Ó a primeira arte de Space Dumplins:

E segue a minha matéria com o Craig Thompson:

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Habibi é uma reação à islamofobia

O premiado quadrinista norte-americano Craig Thompson fala sobre os oito anos de criação de Habibi, a produção de uma obra ambientada no mundo islâmico e a oportunidade de viver de quadrinhos pela primeira vez na carreira

A mais elogiada graphic novel lançada nos Estados Unidos em 2011 é um conto de fadas ambientado no mundo islâmico, de autoria de um artista criado por uma família fundamentalista cristã, numa cidade do interior do Estado rural de Wisconsin.

Habibi chegou às livrarias norte-americanas com a pompa de ser o primeiro trabalho do quadrinista Craig Thompson em um intervalo de sete anos e apenas o quarto livro do autor – dono dos principais prêmios da indústria de quadrinhos norte americana em 2004 por Retalhos (Companhia das Letras).

Com previsão de lançamento para o fim do primeiro semestre de 2012 no Brasil, também pela Companhia das Letras, Habibi tem 672 páginas em preto e branco e foi editado no Estados Unidos pela gigante Pantheon Books – pouco habituada a publicações de quadrinhos, mas responsável pelo lançamento de coletânea de Maus em 1991, única HQ dona de um Prêmio Pulitzer.

“Ao mudar para uma grande editora, passei a viver de quadrinhos. Antes era apenas um hobby que eu tinha no meu tempo livre”, contou Thompson em entrevista por e-mail ao Estado.

Em 2004, aos 28 anos, Thompson contou em Retalhos seus anos de criação em uma família católica extremamente conservadora que resultaram em seu afastamento da Igreja. O retorno às livrarias, aos 37 anos, é com uma obra sobre a cultura islâmica: “Interagindo com amigos muçulmanos, vi que a vida deles não era tão diferente do ambiente cristão em que eu cresci”.

Fã dos trabalhos publicados pela editora francesa especializada em quadrinhos L’Association, Thompson assume seus esforços para ser uma voz destoante no milionário mercado de quadrinhos dos Estados Unidos, capitaneado por revistas de super-heróis. Amigo e admirador das publicações dos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá, ele diz estar de olho no trabalho de outro brasileiro: Rafael Grampá. “Há muitos fãs secos por mais trabalhos dele nos Estados Unidos”, conta.

Você lançou Retalhos em 2003 e, um ano depois, Carnet de Voyage (inédito no Brasil). Só voltou a publicar algo novo agora, em 2011, com Habibi. Sete anos é um longo período…
Pode apostar. Comecei a escrever Habibi no início de 2004, após retornar de uma turnê de lançamento de seis meses de Retalhos – que incluiu a produção de Carnet de Voyage. No verão de 2005 já tinha uma primeira versão, mas o final não funcionava. Entre o outono de 2005 e 2006 revisei o rascunho e redesenhei centenas de páginas. Já estava desesperado, sempre chegando a becos sem saída. Em outubro de 2006, resolvi começar a desenhar as páginas finais na esperança de que o livro se revelasse enquanto produzia. Em julho de 2009 ainda não sabia como encerrar. Durante cinco meses me concentrei exclusivamente nos últimos capítulos. Ilustrei as últimas três páginas em agosto de 2010. O ano anterior ao lançamento foi todo por conta de edição, e promoção.

Ao longo desses sete anos, durante a produção de Habibi, você trabalhou a partir de alguma rotina?
Gastei dois anos somente escrevendo o livro. Escrevo texto e imagens juntos. Tendo a me deixar levar fazendo os rascunhos com muitos detalhes – em parte por trabalhar já com a composição das cenas no rascunho, mas principalmente por depender de amigos que leem os rascunhos e contribuem no processo editorial.

Entre a sua primeira graphic novel, Good-Bye Chunky Rice, e Retalhos houve quatro anos de intervalo. Esse intervalo tão grande influencia no resultado final de suas obras?
Quatro anos é um bom intervalo quando levo em conta que não fui pago para fazer esses projetos. Enquanto produzia Chunky Rice, era designer gráfico em tempo integral e, na época da Retalhos, eu ganhava a vida como ilustrador. Fazer quadrinhos nessa época era um hobby. Com Habibi eu finalmente tive o privilégio de ganhar dinheiro com quadrinhos e, mesmo assim, ainda levou mais tempo de produção do que os trabalhos anteriores! O trabalho final tira benefício desse tempo investido.

Como consta em Retalhos, você cresceu em um ambiente cristão. Como foi escrever sobre o mundo islâmico em Habibi tendo a formação cristã conservadora que teve?
Esse foi o elemento que tornou mais acessível a escrita sobre o Islã. Interagindo com amigos muçulmanos, vi que a vida deles não era tão diferente do ambiente em que cresci. São os mesmos estilos de vida, as mesmas morais e, principalmente, as mesmas histórias como fundamentos de ambas as crenças. Foi o meu ponto de acesso. O Alcorão contém algumas das mesmas histórias da Bíblia, mas de forma menos linear e mais poética.

Desde 2001, com os atentados do 11 de Setembro, é muito fácil cair em clichês e estereótipos relacionados ao islamismo. Quais cuidados você tomou para que isso não acontecesse?
De certa forma, o livro é uma reação à “islamofobia”. Confiei em um grupo de amigos muçulmanos como consultor. Confiava nos instintos deles em relação a cenas e assuntos aparentemente delicados. Nunca houve desejo de evitar situações mais complicadas, como pode acontecer com autores preocupados além da conta com uma abordagem politicamente correta.

Você publicou três trabalhos pela Top Shelf e lançou Habibi pela Pantheon Books. Como foi essa transição?
Não vivia de quadrinhos até Habibi, até mudar para uma grande editora de livros. A Pantheon investe em ampla distribuição e promoção para que o livro alcance público além da ilhada comunidade de quadrinhos. Sempre senti que os quadrinhos têm potencial para alcançar uma audiência muito mais ampla da que existe.

Qual análise você faz desse investimento de editoras tradicionais no mercado de quadrinhos?
É provavelmente uma moda passageira. O meio editorial está sob tanta pressão que os editores estão apostando em qualquer artifício que atraia novos leitores. Talvez as graphic novels possam durar por mais tempo como suporte para impressão do que a prosa. A prosa impõe um distanciamento técnico do leitor: é facilmente adaptável para um e-reader. Já as graphic novels contêm o traço do autor – os textos e desenhos são feitos à mão, criando uma certa intimidade com o leitor.

Você fez o prefácio de Daytripper, dos brasileiros Fábio Moon e Gabriel Bá. O que acha do trabalho de ambos? Conhece algum outro artista vindo do Brasil além dos gêmeos?
Amo o trabalho do Moon e do Bá. Eles fazem livros sensíveis, sexy e com muita humanidade. Elementos que quadrinhos precisam desesperadamente. Um cartunista brasileiro que procuro estar de olho é o Rafael Grampá. Há muitos fãs secos por mais trabalhos dele nos Estados Unidos.

Você alcançou sucesso de público e crítica tanto no mercado europeu como no norte-americano, ambientes com percepções diferentes sobre quadrinhos. A que atribui esse sucesso?
O meu trabalho é influenciado por europeus – especialmente pelos autores franceses publicados pela editora L’Association nos anos 1990. Acho o sucesso de Retalhos uma anomalia. Produzi como uma reação ao quadrinho típico norte-americano. É uma história em quadrinho gigante em que, basicamente, nada acontece. Foi na hora certa. Na época, crescia o gosto pelas coletâneas em detrimento de publicações homeopáticas de poucas páginas.

No seu blog você deixa no ar a possibilidade da sua próxima obra ser um livro infantil, de ensaios ou um trabalho erótico. Já sabe qual será o escolhido?
Estou trabalhando nos três ao mesmo tempo. Há uma flexibilidade para pular entre os livros e evitar bloqueios criativos. Mas é possível que acabe o livro infantil primeiro.

O período de produção desses próximos trabalhos também vai levar quase uma década?
O livro de ensaios e o infantil devem ter 200 páginas cada um. O livro erótico deve ser menor, com 48. Pretendo terminar os três em quatro ou cinco anos. Vamos ver.


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