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Entrevistas / HQ

Lobo Ramirez fala sobre os cinco anos da Escória Comix: “Uma editora de HQs podres, gerenciada por um desenhista preguiçoso, prestes a se pagar e ainda gerar grana é um feito e tanto”

A editora Escória Comix completou cinco anos em junho de 2021. Criado e editado pelo quadrinista Lobo Ramirez, o selo tem entre seus títulos mais célebres publicações como Úlcera Vórtex e O Alpinista, de Victor Bello; Esgoto Carcerário, de Emilly Bonna; Nóia – Uma História de Vingança, de Diego Gerlach (em parceria com a Vibe Tronxa Comix); e O Deplorável Caso do Dr. Milton e 400 Morcegos, ambos de Fabio Vermelho. Como já comentei em outras oportunidades, considero um dos catálogos mais consistentes do mercado brasileiro de HQs.

Lobo Ramirez celebrou o aniversário de cinco anos de sua editora com o anúncio da revista El Perro Feo, coletânea com chamada aberta para HQs girando em torno da temática “TOSCO, PODRE & RADICAL!” – você encontra outras informações sobre as incrições clicando aqui.

Conversei como o criador e responsável pela Escória Comix sobre esses cinco primeiros anos da editora. Ele me falou sobre as origens da El Perro Feo, refletiu sobre a história de sua editora, comentou algumas das HQs publicadas por ele, adiantou lançamentos de um futuro próximo (trabalhos novos de Victor Bello e Fábio Vermelho) e revelou alguns planos para um futuro mais a longo prazo. Papo bem bom. Compartilho a seguir, posts publicados aqui no blog sobre os títulos da Escória Comix e, em seguida, a íntegra da minha conversa com Lobo Ramirez. Saca só:

*Papo com Lobo Ramirez, editor do selo Escória Comix: “O que realmente importa é a essência de ir contra qualquer pensamento ignorante, falsos moralismos e fanatismos”;
*Papo com Lobo Ramirez, autor de Supermercadinho Brasil: “Tentei me aventurar na dimensão das palavras”;
*Escória Comix e Pé-de-Cabra: respostas das HQs brasileiras a tempos sombrios;
*Papo com Victor Bello, autor de O Alpinista e Úlcera Vórtex: “Quando começo a desenhar eu nunca sei no que vai dar”;
*Papo com Emilly Bonna, a autora de Esgoto Carcerário: “É o resultado de um aglomerado de coisas que consumo desde a infância, de Castelo Rá-Tim-Bum a John Waters”;
*Papo com Riotsistah, autora da Máquina Assassina: “Se for para recomendar um álbum para ouvir enquanto você lê a HQ, seria o Maggot Brain, do Funkadelic”;
*Papo com os autores da coletânea Porta do Inferno: “A gente vê o diabo diariamente e faz de conta que não”;
*Papo com Fábio Vermelho, autor de Eu Fui um Garoto Gorila e 400 Morcegos: “Represento a violência de forma gráfica porque é assim que ela é”;
*Papo com Fabio Vermelho, autor da revista Weird Comix: “Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena”;

“Eu já teria desistido se as coisas não viessem progredindo”

A arte da quadrinista Emilly Bonna para a capa da revista El Perro Feo, publicação do selo Escória Comix (Divulgação)

Por que lançar agora a revista El Perro Feo? Por que esse nome? Você teve alguma inspiração em particular para esse projeto?

Deu vontade  de comemorar os cinco anos da firma com alguma coisa nova, saca? O nome veio de uma pintura daquelas de cartaz de filmes de Gana, que os caras fazem umas versão foda de filmes ruins e/ou bons. Eu vi uma pintura dessas de algum filme de cachorro e era um puta cachorro feio pra porra, sei lá, achei engraçado na época e ficou na cabeça, CACHORRO FEIO. Aí uns anos atrás eu fiz um quadrinho de uma página só chamado LOS DEFENSORES DEL PERRO FEO, que era um monte de doido com bigode protegendo um pobre cão horrível. A idéia era ser uma série com vários autores fazendo a continuação, com um página apenas, mas só rolou uma página minha e uma do Victor Bello. Beleza, o nome ficou na cabeça e eu decidi usar só o EL PERRO FEO pra revista, porque é um nome que acho engraçado. Mas outro motivo é que o nome em espanhol simboliza a união latino-americana contra os imperialistas estadunidenses.

E por que TOSCO, PODRE & RADICAL! como tema? Quais são as suas expectativas para essa publicação? 

Parece uma boa trindade mística para o primeiro volume da revista, resume bastante toda a essência da Escória Comix. Se não me engano, quem deu a ideia desse slogan aí foi o Diego Gerlach, não pra revista especificamente, mas no geral são três palavras que uso faz tempo pra divulgar os trabalhos, me pareceu ornar bem.

Grandes expectativas para a REVISTA  EL PERRO FEO. A ideia é não ser apenas uma antologia de quadrinhos nacionais e dessa vez ter até material de gringo (se eles mandarem e estiverem à altura, pensarei com carinho se aceito), textos elucidantes sobre o futuro da humanidade, dicas culinárias para sobreviver numa ilha remota, resenhas de bandas, filmes e etc. Então vai ser uma mistura de vários quadrinhos e umas coisas que teria em alguma revista doida. A princípio  vai ser uma por ano, sempre com algum tema novo, e, possivelmente, um dia virar um programa de variedades de domingo, em algum canal aberto na TV. O apresentador vai ser Carlos Panhoca, mas ele não sabe disso ainda. Bom, espero que o perro feo seja divulgado para o mundo todo e alcance sucesso intergaláctico bem maior que a própria Escória .

Queria saber mais sobre as origens da Escória Comix. Quando você teve a ideia de criar a editora? Qual era o seu objetivo com ela? Você tinha algum artista em mente para publicar?

Cara, vou começar bem na gênese da podreira, se liga, tudo começou num verão caliente muito tempo atrás, numa era em que a coxinha na padaria ainda custava um real. Minha versão jovem, sem bigode, mas com cabelos longos de metaleiro punheteiro, decidiu parar de procrastinar e terminar de desenhar um quadrinho. Até então eu só tinha feito um monte de rabisco imbecil. Monstrinhos e pirocas voadoras. Minha ideia genial pra não pensar muito foi pegar uma folha sulfite, desenhar seis quadros iguais e xerocar uma porrada de cópia, assim era só ir preenchendo os quadros com a história e pronto, deu certo. Enfim, terminei incríveis oito páginas de uma história chamada Escrotum – Vaginal Vortex, mas ficou por isso mesmo, até que no ano seguinte, 2014, conheci a criatura horrível Luiz Berger. Realmente não consigo lembrar como foi que tive esse azar, mas fato é que ele me concedeu a oportunidade de lançar um gibi pelo selo dele, Gordo Seboso. Decidi usar o Escrotum como base para um zine de mesmo nome, desenhei mais umas páginas e pronto, meu primeiro gibizinho estava em mãos. E daí pra uma mesinha em uma feira de quadrinhos independentes foi um peido. 

Nas feiras fui conhecendo a mística CENA DE GIBI “BRASILEIRA”, claro que como estava em São Paulo talvez o correto fosse ”cena de gibi paulistana, meo”, mas ainda assim vinha muita gente de outros estados, então acho que dava pra ter uma visão geral. A questão é que, com o tempo, percebi que tinha pouca coisa nova que eu realmente gostava e me incomodava muito a quantidade enorme de trabalhos ditos artísticos (sabe aqueles zines em formato de triângulo conceituais, feitos por um hipster universitário que se acha um gênio e vende aquela merda por 100 reais?!). Passei muito  tempo reclamando e ficando pistola com qualquer quadrinho metido a besta de algum designer de 17 anos fazendo autobiografia sentimental. Essa raiva toda e a frustração de não ter ficado milionário vendendo zine tosco me fizeram repensar toda a minha existência, eu estava cansado de só reclamar e decidi fazer alguma coisa. Foi quando  me veio na cabeça a ideia de criar um selo/editora que juntasse vários autores de quadrinhos mais podres, imbecis, toscos, sujos, drogados, retardados, engraçados e etc. O objetivo era divulgar essa gloriosa produção que eu sabia que era vasta e com ótimos quadrinistas. O primeiro deles que quis publicar foi ninguém menos que o próprio Victor Bello.

Nessa origem da Escória, o quanto você já tinha resolvido sobre a linha editorial com a qual você queria trabalhar? Você tinha algum filtro específico em mente?

Veja bem, meu caro mastodonte do jornalismo, nunca pensei em linha editorial ou nada nesses termos. Apenas segui o lema “se eu gosto disso aqui deve ter outro doido que nem eu que gosta também”. Claro que eu gosto de muita coisa que não se encaixaria na Escória, mas sempre foi muito simples seguir o filtro do “É divertido? Desenho tá massa? Não se leva muito a sério? Se permite ser idiota, mas sem deixar de ser sexy?” .

“O divisor de águas para o selo foi Úlcera Vortex, do Victor Bello”

Página de Úlcera Vórtex, obra do quadrinista Victor Bello publicada pela Escória Comix (Divulgação)

E nesse começo da Escória, o que mais te surpreendeu? Aliás, qual era a sua experiência com edição e publicação antes da Escória? Qual era a sua bagagem em relação a lidar com autores e lojas de quadrinhos antes de começar a editora?

Claro que o mais surpreendente é ainda não ter largado tudo e ir viver da minha dança sensual e da venda de fotos eróticas para amantes de mullets.  Mas, na real mesmo, o que sempre me surpreende são os quadrinhos que os autores me entregam para publicar, sempre uma coisa mais animal que a outra. Fico muito feliz de poder publicar tanta gente foda.

Minha experiência anterior veio de ter lançado o zine Escrotum, pelo selo Gordo Seboso. Então, pra mim, edição é saber mandar o arquivo certo pra gráfica, imprimir e não vir com páginas na ordem errada. O resto é só propaganda e papo de vendedor que fui aprendendo com tentativa e erro. 

Em relação a lidar com autores, acho que por eu mesmo ser um autor e saber como é ficar meses desenhando um treco que não vai vender o suficiente pra pagar as horas perdidas da minha vida, ajudou e ajuda bastante. Com as lojas de quadrinhos tive que sacar como funcionam as coisas. Eu nunca tinha lidado com lojas antes, mas tive sorte de conhecer o Douglas [Utescher] e a Dani [Utescher], da Ugra, que sempre me ajudaram muito e deram os toques todos.

Qual balanço você faz entre as suas expectativas quando deu início às atividades da Escória e o que o selo é hoje? E quais você considera as principais lições dessa empreitada? Quais são os seus principais aprendizados nesses cinco anos?

O plano inicial sempre foi insistir por cinco anos e se, depois desse tempo, a editora fosse autossustentável, então sucesso puro. Essa era minha expectativa e, pra ser sincero, ela não se realizou, a Escória não é autossustentável, porém eu teria desistido já se as coisas não viessem progredindo. Sinto que aos poucos consegui construir algo relativamente sólido, sabe? A Escória é coerente com sua proposta e alcançou uma certa consistência, mas acho muito importante que ela se torne autossustentável e talvez falte muito pouco pra isso. Enquanto enxergar essa possibilidade, vou lutar. E só pra deixar claro, a importância disso é poder ter uma base forte para se manter a longo prazo e realmente entregar os frutos maduros (ou podres mesmo) dessa árvore mutante. 

Mas é isso aí, a Escória começou desconhecida e agora até que tem uma certa visibilidade. A principal lição disso tudo é se manter verdadeiro com o objetivo inicial: divulgar o quadrinho tosco, podre e radical. 

Rapaz, acho que o principal aprendizado nesses cinco anos foi encontrar o meu “papo furado interior de vendedor” e pôr em prática essa arte da mentira. Afinal, é tudo uma questão de saber entreter o cliente o tempo suficiente para que meus comparsas possam roubar suas carteiras. 

Suspeito que a primeira vez que conversamos pessoalmente foi em alguma feira de quadrinhos. Para mim, a Escória é um desses selos muito associados a eventos de HQs e publicações independentes. Como está sendo para a editora esse quase um ano e meio sem eventos por conta da pandemia?

Com certeza foi em um ambiente insalubre desses que tivemos nosso encontro cósmico. Ter uma editora é só uma desculpa para ir nas feiras e eventos e dar rolê, conhecer lugares novos, se embebedar com novas bebidas e ainda conseguir pagar uma parte dos custos dessa mini-férias vendendo gibi podre. Ou seja, está sendo uma merda essa vida sem fazer o que realmente importa que é diversão e curtição.

Agora, em relação à editora, as feiras e os eventos são muito importantes para o ecossistema da produção independente. Porém, nunca quis depender delas para encontrar meu público, então sempre mantive uma divulgação constante nas redes sociais. As vendas no site aumentaram um pouco na pandemia e foi o suficiente para manter a editora rodando e lançando material novo, que também é o que importa. 

“Sempre fui ativo nas redes sociais, não queria depender somente das feiras”

A capa de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pela Escória Comix (Divulgação)

E apesar dessa presença constante da Escória em feiras, você também sempre foi muito ativo em redes sociais, divulgando as suas publicações. Imagino que esse trabalho nas redes ganhou um outro peso desde o início da pandemia, certo?

Exatamente, sempre fui ativo nas redes sociais porque não queria depender somente das feiras. Mas é engraçado porque no começo eu tinha a ideia de também procurar outros meios de divulgação para não depender apenas das redes sociais também, isso foi por água abaixo. O que antes era uma parte importante, mas não exatamente o principal foco, acabou se tornando o principal foco durante a pandemia. Resta apenas gerar conteúdo infinito para o deus algoritmo do Instagram, rezando para que as novidades da editora continuem chegando aos fiéis leitores.  

E qual é a situação da Escória hoje? O selo é autossustentável?

QUASE. Como disse anteriormente, falta bem pouco pra que isso aconteça. Pode não parecer grande coisa, mas, cara, esse lance é significativo demais. Uma editora de quadrinhos podres nacionais, gerenciada por um desenhista preguiçoso e desorganizado, estar prestes a se pagar e ainda gerar grana suficiente pra rodar sozinha é um feito e tanto. Eu mereço o Nobel da Paz ou o Lobo de Ouro, no mínimo, não acha? Sei que muita gente ainda acha piada tudo que eu faço ou não da valor, mas foda-se, porque fatos são fatos e a realidade é que a situação da Escória hoje é QUASE boa e isso ninguém me tira. 

Quantos títulos a Escória publicou até hoje? Tem algum título do catálogo da Escória que tem algum significado especial para você? Alguma obra que tenha um peso mais marcante para a história do selo?

Porra bixo, eu queria contar certinho pra saber mas vou arredondar, por volta de uns 30 títulos. E com certeza, o quadrinho divisor de águas para a história do selo foi o Úlcera Vortex – Volume I, do Victor Bello. 

Acho que a obra que realmente chamou minha atenção para o seu trabalho foi a primeira edição de Úlcera Vórtex. O que esse título representa para a história da Escória? O que você vê de mais especial no trabalho do Victor Bello (e não me refiro apenas ao Úlcera, no geral mesmo)?

Olha aí, não disse? Úlcera Vortex, do Victor Bello, é foda. Eu não sei o que seria da Escória sem esse lançamento, devo tudo ao Bello. Cara, ele é o melhor quadrinista dessa porra toda e ponto final. Não tem chororô, o jogo acabô!!! É isso mano, Quintanilha meu cu, Victor Bello que é o rolê.

Veja bem, o dia que tu me mostrar um quadrinista que consegue juntar todo aquele caldo de referências nostálgicas de filmes trash, videogames e desenhos animados, sem parecer um nerd bosta que fala easter egg, e misturar tudo com personagens memoráveis e carismáticos, saídos diretamente da realidade brasileira, sem parecer uma novela da Globo, ainda assim adicionar uma pitada  de ficção científica retardada, num roteiro frenético e alucinante criado coerentemente, com lindos desenhos preto e branco abarrotados de detalhes obsessivos, mas ao mesmo tempo com uma simplicidade acessível e expressiva, inserindo imagens vindas diretamente de um quadro de Grant Wood, com a naturalidade de quem entendeu tudo, e conseguir contar histórias extremamente divertidas, aí sim eu posso pensar duas vezes. Mas, mesmo assim, vai ter que ser um quadrinista que tem uma frequência na produção e que vive uma vida honesta, longe das drogas, cuidando de suas queridas galinhas e que quando menos você esperar lance um videojogo de texto chamado 5 DIAS COM TONY BUMBUM!!! 

“Precisei encontrar um jeito de  fazer a máquina funcionar, com muita tralha e zoeira” 

Página de Nóia – Uma História de Vingança, HQ de Diego Gerlach publicada pelos selos Escória Comix e Vibe Tronxa Comix (Divulgação)

E acho que publicar um quadrinho do Diego Gerlach, Nóia, também teve algum peso, porque era você investindo em um autor já conhecido das HQs nacionais. O que significou para você publicar o Nóia? O que esse título representa para o catálogo da Escória?

Eis aí a outra pedra fundamental da história da editora, o icônico NÓIA, do Gerlach, lançado em conjunto com a editora dele, Vibe Tronxa Comix. Significou credibilidade para a Escória, afinal se o cultuado, nos círculos internos, Diego Gerlach, estava sendo publicado por essa nova editora, alguma coisa ela deve ter, talvez milhões para investir nas contas offshore do magnânimo.

Certamente a editora foi posta à vista naquele momento, aos olhos de alguns figurões reptilianos da indústria dos gibis nacionais. Eu, particularmente, gosto muito do NÓIA porque é um gibi divertido, com um ritmo acelerado, que entrega justamente uma história de vingança e é isso, simples. E é um puta quadrinho. Claro que tem toda aquela história de usar a imagem do Cebolinha com cabelo de maconha ,mas é tudo parte do apelo sensacionalista de marketing agressivo, o que importa mesmo é que, com NÓIA, a Escória Comix conseguiu pôr na prateleira da locadora aquele VHS que pode ser alugado todo fim de semana e ainda vai ser diversão para a família toda.

Uma autora que você publicou e eu queria ler mais trabalhos dela é a Emilly Bonna. Como você chegou nela? O que você vê de mais especial no trabalho dela?

Eu também queria. Acredite, sempre que posso encho o saco dela pra fazer mais quadrinhos. 

Foi o Luiz Berger que me mostrou o instagram dela, na época de nome NECROSE. Continha alguns desenhos podres bem lindos e foi paixão à primeira vista pelo trabalho dela. Mandei mensagem perguntando se ela tinha interesse em fazer um  quadrinho pra Escória, acho que na época ela tava sem ideia, mas depois de um tempo acabou rolando o maravilhoso ESGOTO CARCERÁRIO. Caramba, que gibi divertido né? Um dos meus preferidos.

Bixo, ela tem aquele senso de humor particular que envolve uma dose grande de nojeira e perebas, com um existencialismo singelo que é como uma flor de lótus carnívora que desabrocha num aterro sanitário atrás da sua casa. Dá vontade de abraçar todas aquelas criaturas gosmentas que ela desenha e sentir o fedor de pertinho, até ele corroer suas narinas. E tudo isso com um estilo autêntico de desenho que é claramente de alguém que se diverte e curte o que está fazendo. 

Queria saber mais também sobre a sua relação com o Fabio Vermelho. Eu já conhecia os trabalhos dele pela Weird Comix, mas acho que foi o lançamento do Dr. Milton que chamou atenção para a produção dele – e 400 Morcegos, depois, foi um dos meus títulos preferidos do ano passado. Enfim, como você conheceu o trabalho dele? O que você vê de mais especial nos quadrinhos dele?

Eu acho que tinha visto alguma coisa  dele numa Revista Prego ou até mesmo depois, na Revista Pé-de-Cabra, mas estava tudo em inglês. E apesar de ter gostado do desenho com mil hachurinhas eu tinha preguiça de ler, mas foi o Panhoca [editor da Pé-de-Cabra], que disse que valia à pena trocar uma ideia com o doido e eu mandei mensagem pelo instagram mesmo, perguntando pra ele se tinha interesse em lançar algo em PORTUGUÊS pela Escória e o Fábio topou. Porra, o puto ia ficar só fazendo revista pra gringo? Tinha que lançar alguma coisa pra gente ler também e o maldito é daqueles maníacos que tem tesão em desenhar, saca? Depois que mandei umas ideias pra ele desenvolver e fechamos a ideia geral do Dr.Milton ele desandou a desenhar, sem saber onde ia parar, e deu no que deu, um belo romance gráfico, também conhecido como gibi de putaria, com 150 páginas.

Eu vejo de especial essa insanidade pelo desenho que ele tem e também como ele consegue fazer um novelão banal com finais péssimos, mas mesmo assim você curte a viagem, esperando aparecer alguma putaria doida ou desmembramento. 

Entre as suas publicações de 2021 estão o Máquina Assassina, da Riotsistah, e o Jimmy Pizza, do Atópico. São artistas que nunca tinham publicado nada impresso de quadrinhos. Como você chegou nesses dois autores?

Duas grandes surpresas e ótimas pessoas. No caso da Riotsistah, eu não conheço ela pessoalmente, conheci o trabalho dela pelo Instagram. Ela é leitora da escória já faz um tempo e estava sempre lá nas redes sociais, curtindo os gibis da firma. Vi que ela desenhava e, principalmente, curtia umas coisas locas (filmes trash no geral), então faltava apenas um incentivo para se criar o monstro (quadrinista), mandei mensagem perguntando se ela faria um quadrinho. Acho que na época ela tava sem ideia, mas se interessou e, felizmente, um tempo depois, ela conseguiu fazer seu primeiro quadrinho, MÁQUINA ASSASSINA, um gibi divertido que entrega o sexo com lagartos que promete na capa. Já o Atópico também é leitor da Escória faz tempo, mas esse caba eu conheci pessoalmente em alguma feira ou lançamento de quadrinhos. Depois de trocar ideia, ver que ele tinha os parafusos a menos necessários e desenhava, soube que poderia ser um futuro autor de quadrinhos. Ele tinha interesse em fazer algum gibi e eu sempre disse ‘faz aí e depois nois vê!’ e para a nossa alegria ele fez um puta gibi loco, fritado, com uma história maluca de gangue de pizza e magia retardada, então lancei a braba.

Acho que os dois são exemplos de autores que tiveram uma influência direta da Escória e o fato de nunca terem publicado nada antes não faz diferença nenhuma. O que importa é que eles fizeram bons quadrinhos e entenderam a proposta da editora. E espero que continuem fazendo muitos outros quadrinhos, sejam publicados pela Escória ou não. 

“Um sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa. Quem sabe?” 

A capa de 400 Morcegos, obra de Fábio Vermelho publicada pela Escória Comix (Divulgação)

É bem evidente esse seu olhar para novos artistas, para autores com pouca experiência e que muitas vezes nunca publicaram nada. Como você equaciona o risco de investir em alguém que nunca foi publicado? Emendo outra sobre o tema: é importante para você investir nesses artistas sem histórico de publicações?

Vejo principalmente se a pessoa tem o potencial e a vontade para continuar crescendo e desenvolver o próprio trabalho. O primeiro quadrinho não tem que ser perfeito ou excelente, mas se tiver qualidade e potencial as pessoas vão ficar de olho nos próximos lançamentos daquele autor, que com o tempo vai  amadurecendo e aí teremos ótimos quadrinhos para ler.

É extremamente importante investir em novos autores, assim a gente mantém a produção de quadrinhos variada, possibilitamos ótimos quadrinhos, novas surpresas aparecem por aí e com o tempo geramos novos quadrinhos fodas. E também penso nos milhões que vou ganhar quando emprestar o autor da categoria de base pra jogar no Barcelona. 

Eu compreendo o seu humor e acho divertidos os brindes e o material de divulgação que você produz – e acredito que isso tudo contribuiu muito para a manutenção da Escória ao longo desses cinco anos. Mas acho que isso tudo só funciona e só faz sentido porque você publica bons quadrinhos. Enfim, o que quero saber: é difícil administrar a imagem da Escória? Como você concilia o combo zoeira+podreira com o seu trabalho editorial?

Pra variar, é tudo misturado na minha cabeça, mas eu nunca pensei em administrar a imagem de nada, simplesmente tento me manter na linha do que eu curto e me divirto. E acredito que a consequência disso é a Escória permanecer coesa. O foco é nos quadrinhos e todo o resto é ferramenta para divulgar e conseguir grana para as publicações. Beleza, você pode comprar um bonézinho engraçadinho no site, e eu quero mais que você faça isso mesmo, mas, por favor, tente ler os quadrinhos também, são eles que importam. Mas é isso, né? Precisei encontrar um jeito de  fazer essa máquina funcionar e é com muita tralha e zoeira, mas pode analisar friamente aí o trabalho editorial e você vai ver que a editora permanece na ativa, lançando um material de qualidade, 100% independente e nacional. É o puro creme do milho, não deixe as piadinhas ofuscarem todo esse ouro da sétima arte. 

Como você vê o futuro da Escória Comix? Você administra a editora pensando o quanto à frente? Quais são seus planos para os próximos anos? Você pode adiantar algum título que planeja publicar ou autor com quem pretende trabalhar?

Tenho várias ideias e caminhos que posso seguir daqui para frente e vai depender de como as coisas andam. Por exemplo, existe o sonho de criar uma loja física em algum momento. Ou transformar a Escória num buteco, só lançar um título por ano e olhe lá. Ou talvez virar uma produtora de filmes B semi-eróticos e vender os direitos para Bollywood. Outro grande sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa, mas não fui atrás disso ainda com o devido afinco. Quem sabe? Veremos, mas por enquanto tento pensar apenas no ano seguinte, afinal muitos quadrinhos demoram pra ficar prontos. Então pra ter algum lançamento parrudo no ano que vem eu preciso já negociar agora.

Falando especificamente de 2022, tenho um grande lançamento aí do Victor Bello, não vou dizer nada sobre ele por enquanto, e gostaria de tentar desenhar alguma coisa pro ano que vem também.  Existem sim alguns autores que eu gostaria muito de lançar e já conversei com eles, mas é uma vida corrida, de muito trabalho, e nem sempre rola definir datas, mas eles sabem que tenho o interesse e quando tiverem a idéia é só chegar chegando que a gente vai fazer um puta lançamento foda. Por enquanto só  posso adiantar o Bebês Maníacos da Lagoinha, que sai ainda esse ano, e é do Fábio Vermelho, a criatura já está trabalhando nessa obra horrível.  

Você poderia recomendar algo que esteja lendo, ouvindo ou assistindo no momento?

Leiam As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Recomendo a banda Sakuran Zensen e assistam Wet City no YouTube.

Arte de divulgação de Úlcera Vórtex, obra de Victor Bello publicada pelo selo Escória Comix (Divulgação)

Entrevistas / HQ

Papo com Riotsistah, autora da Máquina Assassina: “Se for para recomendar um álbum para ouvir enquanto você lê a HQ, seria o Maggot Brain, do Funkadelic”

A jovem Priscila S. foi vítima dos experimentos de um cientista a serviço do governo militar-reptiliano. No lugar de seu braço direito foi implantada uma arma e seu olho esquerdo foi trocado por um visor cibernético. A intenção do projeto era criar agentes secretos ciborgues para a captura de anarquistas, mas Priscila foge, passa a perseguir seus captores e também vira alvo das autoridades locais. 

As 32 páginas em preto e branco de Máquina Assassina (Escória Comix), álbum de estreia da quadrinista Riotsistah, apresentam as aventuras de Priscila como caça e caçadora dos militares a serviço do presidente réptil que transformaram seu corpo. Entre uma ida e outra a uma boate para espairecer, ela aniquila os milicos em seu encalço. 

“Eu só sabia que tinha que misturar política, mas sem ser um negócio sério, sabe?”, me diz a autora quando pergunto sobre o ponto de partida da HQ. 

Também apresentadora de um programa de soul-funk chamado Rádio Raheem na Vírus Rádio Comunitária, Riotsistah desenvolveu a trama de seu trabalho em torno de seu gênero preferido, blaxploitation; sua musa maior, a atriz Pam Grier; e clássicos como Cleópatra Jones (1973). 

“Uma das coisas que mais me atrai no gênero é definitivamente o figurino, sou definitivamente apaixonada pela moda dos anos 70”,  conta a artista. “E também pelas trilhas sonoras dos fimes, que são sempre ótimas. E obviamente o protagonismo negro”. 

Na entrevista a seguir, Riotsistah fala sobre sua relação com histórias em quadrinhos, sua paixão por filmes de blaxploitation, suas técnicas e rotinas de trabalho e suas músicas preferidas. Papo massa, saca só: 

“Sou apaixonada pela moda dos anos 70”

Página de Máquina Assassina (Escória Comix), de Riotsistah (Divulgação)

Vou começar com uma pergunta que faço para todo mundo com quem conversei nos últimos meses: como estão as coisas aí? Como você está lidando com a pandemia? Ela afetou de alguma forma a sua produção e a sua rotina diária?

Estão bem na medida do possível, né. Eu tô desempregada e achar um emprego nessa crise não tá fácil, mas pelo menos me dá bastante tempo pra desenhar e fazer colagens.

Máquina Assassina é a sua primeira HQ publicada, certo? Você pode me falar um pouco, por favor, sobre a sua relação com histórias em quadrinhos?

Isso, a primeira. Bom, eu fui uma adolescente muito nerd então lia tudo quanto é quadrinho de super-herói e fantasia. Mas aí fui ficando mais velha e conhecendo o cenário alternativo dos Estados Unidos e do Brasil e foi mais ou menos nessa época que eu conheci a Escória Comix e me apaixonei.

“Eu só sabia que eu tinha que misturar política, mas sem ser um negócio sério”

Página de Máquina Assassina (Escória Comix), de Riotsistah (Divulgação)

Queria saber também sobre a sua relação com com o gênero blaxploitation. Você lembra do seu primeiro contato com obras do gênero? O que mais te atrai em trabalhos desse gênero? Quais são as suas principais referências de blaxploitation?

Bom, eu só tenho 22 anos então quando o movimento surgiu eu nem tava pensando em nascer. Meu primeiro contato foi a partir de Todo Mundo Odeia o Chris. Eu era (e ainda sou) obcecada pela série então eu buscava TODA referência que aparecia lá e ai eu conheci Superfly e entrei para esse mundo. Uma das coisas que mais me atrai no gênero é definitivamente o figurino, sou apaixonada pela moda dos anos 70. Mas também pelas trilhas sonoras dos filmes que são sempre ótimas. E obviamente o protagonismo negro. Minhas principais referências são todos os filmes da Pam Grier no gênero, Cleopatra Jones e Black Dynamite.

Você pode contar, por favor, um pouco sobre o ponto de partida de Máquina Assassina? Essa história teve alguma origem em particular?

Cara, pra ser bem sincera, não. No fim de 2019 o Lobo [Ramirez, editor da Escória Comix] perguntou se eu queria fazer um quadrinho pra Escória e eu topei, passei a noite pensando numa história meio por cima pra ver se ele gostava e essa foi a primeira ideia. Eu só sabia que eu tinha que misturar política, mas sem ser um negócio sério, sabe?

“Minhas principais referências são os filmes da Pam Grier

Página de Máquina Assassina (Escória Comix), de Riotsistah (Divulgação)

As trilhas sonoras de filmes de blaxploitation costumam ser muito marcantes. Você ouvia música enquanto produzia Máquina Assassina? Você consegue imaginar alguma canção ou artista que poderia servir de trilha para o seu quadrinho?

Nossa, eu ouvia muito. Me amarro muito em soul-funk (inclusive tenho um programa de soul-funk na Vírus Rádio Comunitária, chamado Radio Raheem) e era o ritual botar algum disco do gênero enquanto desenhava. No próprio quadrinho aparecem algumas músicas em determinadas situações que já servem meio como uma recomendação mas se fosse para eu recomendar um álbum pra ouvir enquanto você lê o quadrinho seria o Maggot Brain, do Funkadelic.

Como foram os seus métodos de trabalho durante o desenvolvimento dessa HQ? Como você trabalha? Você seguiu alguma rotina?

Olha, eu diria que eu fui meio descobrindo enquanto fazia. Mas eu percebi que fluía melhor no fim da tarde e a noite e sempre com música e uma cerveja do lado pra não ficar tensa.

Você pode recomendar algo que esteja lendo/assistindo/ouvindo no momento?

Pior que no momento eu terminei séries e livros e tô em busca de novos, mas tem uma série que saiu em 2019 e eu não superei até agora é a minissérie de Watchmen. Já vi, revi e recomendo compulsoriamente para as pessoas. Ah! E tem um pouquinho de blaxploitation nela! E eu tô ouvindo bastante uma rapper dos anos 90 chamada Heather B, a muié é muito braba!

A Capa de Máquina Assassina (Escória Comix), de Riotsistah (Divulgação)
Entrevistas / HQ

Papo com Lobo Ramirez, autor de Supermercadinho Brasil: “Tentei me aventurar na dimensão das palavras”

Uma criança foi assassinada em um mercado. Dez pessoas estavam no estabelecimento no instante do ocorrido, todas são suspeitas do crime. As 72 páginas em preto e branco de Supermercadinho Brasil, nova HQ Lobo Ramirez, são focadas na investigação da morte da criança e na interação entre os indivíduos presentes no local quando o corpo foi encontrado.

Entre os suspeitos constam um policial com impulsos assassinos, uma senhora extremamente religiosa, um segurança racista, um rapaz com trejeitos de incel e outros tipos representativos da sociedade brasileira.

Publicada pela Escória Comix, selo do próprio autor da obra, Supermercadinho Brasil é marcada pela arte limpa, ao contrário das muitas hachuras e retículas que caracterizam Asteroides – Estrelas em Fúria, trabalho prévio de Ramirez. Também chama atenção a alternância entre as longas cenas de diálogo e as sequências de perseguição e extrema violência.

“Tentei claramente uma experimentação com diálogos, criando tensão, clima e suspense apenas com os verbetes certos”, diz Ramirez. Na conversa com o blog ele também falou sobre seus métodos de trabalho, tratou do desenvolvimento dos personagens de sua nova obra e lamentou o impacto da pandemia nas operações de sua editora.

Além de grande editor, Ramirez mostra-se também um autor versátil, crítico e engraçado. Supermercadinho Brasil é dos lançamentos mais certeiros dos quadrinhos brasileiros nesse primeiro semestre de 2020. A seguir, minha conversa com o artista:

“A serena calma de um monge guerreiro

Quadro de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Queria começar sabendo como você tá lidando com a pandemia. Você tá conseguindo produzir durante esse período? Essa realidade de isolamento social afetou de alguma forma os seus trabalhos?

Putz, no começo disso tudo dei aquela travada, a cabeça despirocou e não consegui fazer nada, mas depois voltei ao normal, que já era o isolamento social mesmo, e agora estou produzindo normalmente. Se eu parar de desenhar aí que fico louco de vez. Foi o trabalho que me salvou.

E como seguem as operações da Escória Comix dentro desse mesmo contexto? Você já consegue dimensionar o impacto da pandemia para a editora?

Bom, justo esse ano, que eu tinha arranjado um calendário maneiro bem grandão e já tinha várias datas marcadas, com grandes estratégias de marketing, aconteceu essa pandemia. Eu quis rasgar tudo e jogar fora, mas mantive a serena calma de um monge guerreiro e tentei focar no que dava pra ser feito, assim sendo, as operações continuam enquanto os Correios funcionarem, mas vamos ir mais devagar nos lançamentos.  O impacto por enquanto é de apenas uma martelada bem forte no joelho, mas daquelas bem dada mesmo, que tu até cai no chão, mas ainda pode rastejar. 

“Se essa é a nova realidade, que assim seja”

Quadros de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Você chegou a fazer uma enquete nas redes sociais perguntando o que as pessoas achavam de lançar agora ou não o quadrinho novo. Por que você decidiu lançar apesar da pandemia, das lojas fechadas e dos eventos suspensos?

Normalmente eu não faria essa enquete, porém tempos desesperados exigem medidas desesperadas e, para o meu espanto, 99,9% das pessoas disseram para lançar o quadrinho novo apesar do fim do mundo. Sendo assim, me senti seguro para lançar, afinal a previsão é que vai demorar para ter qualquer evento ou loja aberta, então não tem motivo para ficar esperando o mundo melhorar, até porque a tendência é piorar. Se essa é a nova realidade, então que assim seja.

Quadros de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Agora sobre a Supermercadinho Brasil. Como e quando surgiu a ideia para essa HQ? Houve algum ponto de partida para esse trabalho?

Não estou conseguindo lembrar direito  quando surgiu a ideia, mas eu basicamente queria fazer um HQ que tivesse mais coisa da nossa gloriosa nação brasileira, uns cenários bonitos que a gente vê por aí e algo que mais gente pudesse se identificar. Cheguei a desenhar 20 páginas em março de 2019, porém era outra história que eu percebi que ia acabar se alongando muito até chegar na CENA DO MERCADINHO.  Então, depois de avaliar bem, minha vontade de fazer outra HQ “longa” (mais de 100 páginas) e perceber que eu não queria passar meses no mesmo projeto, decidi fazer uma HQ apenas com a cena do mercadinho. A ideia ficou entubada em meu crânio durante o ano todo de 2019 e eu já estava adquirindo experiências de laboratório cada vez que adentrava um mercado. Quando começou janeiro de 2020  eu já comecei a desenhar SUPERMERCADINHO BRASIL, que estava prevista para ser lançada no FIQ. 

“É a técnica da bunda quadrada, lápis, borracha, caneta nanquim e Chamequinho”

Quadro de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Quanto tempo você levou produzindo esse quadrinho? Quais técnicas utilizou?

Só a parte de desenhar mesmo, quando decidi sentar e começar pra valer, foram três meses e meio. E basicamente é a técnica da bunda quadrada, lápis, borracha, caneta nanquim e papel sulfite Chamequinho. Houve uma grande experimentação artística com pincel véio em umas páginas também.

Um dos pontos altos desse livro para mim são os personagens. Como você elencou os indivíduos que estariam presentes no cenário do quadrinho? Como você estabeleceu quais seriam as personalidades que estariam envolvidas com o mistério relatado no quadrinho?

Eu fui pensando em vários estereótipos que poderiam estar ali e no começo tinha muito mais personagens mas fui juntando alguns e no fim foram esses aí que ficaram, as personalidades tentei misturar um pouco de amigos e conhecidos, cada personagem é umas três ou quatro pessoas que eu conheço.

Quadros de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Ainda sobre esses personagens, acho que tá bem explícito que você se propôs a trabalhar com estereótipos de figuras marcantes da sociedade brasileira dentro de um mesmo cenário, lidando com a resolução de um crime. De todas essas figuras caricatas que compõem a sociedade brasileira hoje, tem alguma em particular que é mais repulsiva para você?

Cara, de todas ali acho que a figura que eu mais odeio mesmo, de verdade verdadeira, aquele ódio odiento, é a figura da religiosa.

Grande parte desse quadrinho é centrado em cenas de diálogos. Você chegou a finalizar o roteiro todo da HQ antes de começar a desenhar? A produção desse trabalho foi muito diferente, por exemplo, do desenvolvimento de Asteroides?

Tentei me aventurar na dimensão das palavras nessa HQ, claramente uma experimentação com diálogos, tentando criar tensão, clima e suspense apenas com os verbetes certos. Creio que consegui uma grande profundidade com uma pequena gama de palavrões e ofensas gratuitas. Mais uma vez eu não tinha um roteiro finalizado, apenas uma ideia geral do que ia acontecer e uns rascunhos de páginas. O texto eu nem tinha noção do que ia escrever e por isso mesmo fui desenhando os balões sem texto, apenas sabendo a intenção do personagem ali, saca? Depois eu poderia escolher as palavras certas e seria mais fácil modificar qualquer texto. No Asteroides, por exemplo, fui desenhando e escrevendo na hora, essa foi a maior diferença.

“País horrível, deveria mudar o nome para Brasilquistão e usar logo um Rider como bandeira”

Quadro de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix

Aliás, comparando com o Asteroides, Supermercadinho apresenta uma arte muito mais limpa, sem as hachuras desse livro anterior, por exemplo. Você pensou em trabalhar algum estilo específico ou se propôs a fazer algo diferente em enquanto concebia esse quadrinho novo?

Sim, é bem mais limpinho o SUPERMERCADINHO BRASIL. A real é que eu curto muito as hachuras e as retículas que usei no ASTEROIDES, mas a ideia era que isso ia me poupar tempo e eu gastei o dobro do tempo para colocar tudo no computador depois, então dessa vez tentei resolver a arte sem as lindas e gostosas retículas e para isso busquei me inspirar nos trabalhos do Lawrence Hubbard, Elmano Silva e Benjamin Marra.

Qual é a sua leitura para o Brasil hoje, com Bolsonaro, coronavírus e tudo mais? Você tem algum otimismo em relação ao nosso futuro? 

País horrível, deveria mudar o nome para Brasilquistão e usar logo um chinelo Rider como bandeira. Não tenho nenhum otimismo em relação ao futuro mas também nunca tive muito otimismo. Talvez a gente consiga restabelecer o feudalismo e dar sorte dos senhores feudais locais serem alfabetizados. 

A capa de Supermercadinho Brasil, obra de Lobo Ramirez publicada pela Escória Comix
Entrevistas / HQ

Papo com Lobo Ramirez, editor do selo Escória Comix: “O que realmente importa é a essência de ir contra qualquer pensamento ignorante, falsos moralismos e fanatismos”



Escrevi na segunda edição da Sarjeta, minha coluna sobre quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural, sobre os trabalhos dos quadrinistas e editores Lobo Ramirez e Panhoca à frente dos selos Escória Comix e Pé-de-Cabra. Comentei algumas obras publicadas por eles e chamei atenção para a importância dos disparates lançados pelos dois em tempos de conservadorismo crescente como aqueles que estamos vivendo.

Compartilho aqui no blog as entrevistas que fiz com os dois autores antes de escrever a coluna, tratando da história de seus selos, de algumas das percepções deles em relação à cena de HQs na qual eles estão inseridos e sobre planos futuros de suas editoras.

No papo com Lobo Ramirez, ele ainda lembra de seu primeiro contato com alguns dos autores de obras que hoje compõem o catálogo da Escória Comix – como Arame Surtado (Ketacop – A Anticop), Emilly Bonna (Esgoto Carcerário) e Victor Bello (O Alpinista). Você lê a Sarjeta #2 clicando aqui, lê a entrevista com Panhoca clicando aqui e lê a seguir a minha conversa com Lobo Ramirez. Ó:

“Eu precisava de um nome que deixasse bem claro qual era a linha da editora…”

Quadro de Victor Bello presente em Úlcera Vórtex

Como surge a Escória Comix? Quando surge a Escória Comix?

Não lembro exatamente, mas acho que foi 2013 ou 2014 que comecei a lançar o zine ESCROTUM pelo selo Gordo Seboso. Era de forma despretensiosa, só pela diversão de fazer quadrinhos e por conta disso comecei a frequentar feiras de publicações independentes, como a Feira Plana e a Ugra Fest. Fui entendendo a maneira que as editoras funcionavam e como era publicar de forma independente. Depois de um tempo fui percebendo que a maioria das publicações eu não gostava, nenhum problema em ter uma esmagadora maioria de material que a gente não gosta sendo publicado, mas eu  sempre senti falta de ter o meu nicho também, então em 2016 decidi começar uma editora que agrupasse autores que seguissem uma linha editorial bem clara e específica, quadrinhos toscos, radicais, mal-educados, grosseiros, vulgares, despretensiosos e por último mas não menos importante com humor. 

Eu sabia que se mantivesse o foco todo dia, toda semana, todo mês, todo ano, uma hora ia dar certo, e se não desse, pelo menos eu tentei e poderia desistir sem peso na consciência.  Sigo focado na Escória Comix.

Por que o nome Escória Comix?

Eu precisava de um nome que deixasse bem claro qual era a linha da editora. Na época eu estava lendo Transmetropolitan, do Warren Ellis, e tinha um termo no quadrinho que era Nova Escória, achei interessante e tomei o ESCÓRIA como nome. A ideia é que tudo que é considerado marginal, desprezível, insignificante, tosco, estranho  pela sociedade é a escória. 

“Aos poucos a Escória Comix vem se tornando autossuficiente”

A capa de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Qual é o público dos quadrinhos da Escória Comix?

Existe o público que eu gostaria de estar atingindo, ou que eu acho que poderia atingir, e o público de fato. Vou me basear em parte numas estatísticas do Instagram e  Facebook pra responder essa pergunta. A maior parte é de São Paulo, depois vem as cidades de Rio de Janeiro, Curitiba, Brasília, Porto Alegre e Fortaleza. 48% do público é de pessoas entre 25 e 34 anos, 24% tem entre 18 e 24 anos e 20% de pessoas entre 35 e 44 anos, sendo 79% de homens. A maior parte, eu percebo, é de pessoas que estão acostumadas a consumir material independente e alternativo. No geral o público da Escória Comix é bem variado mas não tanto como eu gostaria. Existe uma parte que compra os quadrinhos e gosta e uma parte menor de leitores fiéis que SÃO a escória e tem a mesma paixão que eu com essa tosqueira. Sou eternamente grato a essa gangue. Quem é sabe. 

A Escória Comix é um negócio rentável? Você administra a editora dentro de algum plano de negócios?

Não é, mas aos poucos a Escória Comix vem se tornando autossuficiente. Administro tudo sozinho e sou desorganizado e nem tenho formação ou conhecimento na área. A verdade é que eu me baseio na tentativa e erro, algo deu certo, tento replicar, se deu errado, tento não repetir. Total intuição. Sempre penso o que gostaria publicar e depois o que preciso fazer para realizar, nessa entram os outros produtos, tipo bonés, meias, jaquetas, etc. Cada muamba comprada ajuda no custo dos quadrinhos, que ainda não vendem tanto para se tornarem rentáveis. 

A capa do segundo volume de Úlcera Vórtex, de Victor Bello

Você vive exclusivamente da Escória Comix?

Não. Eu trabalho com ilustração e desenho para tudo que alguém precisar, como rótulos de cerveja, camisetas, capa de álbuns, logomarcas, etc…

Qual o maior sucesso de vendas da Escória Comix?

Sem sombra de dúvidas, eu diria que é o Úlcerta Vortex – Volume I do Victor Bello, mas  não tenho exatamente os números em mãos, pode ser que o NÓIA- Uma História de Vingança, do Diego Gerlach, tenha vendido mais, ou o Asteróides, já que se encontra praticamente esgotado.  

Como foi o seu primeiro contato com o trabalho do Victor Bello? O que você vê de mais especial no trabalho dele?

Foi quando me indicaram o zine dele, Feto em Conserva. Foi uma explosão de frescor e diversão ler aquele zine A5, preto e branco, em sulfite, grampeado, simples, mas potente. O Victor Bello tem um traço próprio bem desenvolvido e claramente possui um estilo de narrativa com abordagem 

“Acho que a única influência que eu sempre tive nas obras é sobre a capa, de resto é totalmente com o autor, eu sou meio chato com a capa”

A capa de O Alpinista, de Victor Bello

Como foi o seu primeiro contato com o trabalho da Emilly Bonna? O que você vê de mais especial no trabalho dela?

O Luiz Berger me enviou uns perfis de Instagram de ilustradores que poderiam ser a cara da Escória e o mais foda era um que usava o nome de NECROSE , era a Emilly Bonna. Curti demais os desenhos nojentos de criaturas deformadas, sempre amei monstrinhos. Ela tem um traço próprio e, desde que conheci o trabalho dela, só a vejo melhorando .

Como foi o seu primeiro contato com o trabalho da Arame Surtado? O que você vê de mais especial no trabalho dela?

Mais uma vez eu acho que foi o Luiz Berger que me mostrou pelo Instagram e de cara já curti os desenhos dela, ela claramente tinha as mesmas referências que eu, ou bem parecidas: filmes trash dos anos 80 e muito heavy metal. 

Como foi o seu primeiro contato com o trabalho do Fabio Vermelho? O que você vê de mais especial no trabalho dele?

Foi em alguma Revista Prego e depois na Revista Pé-de-cabra.  Sem sombra de dúvidas, é o desenho dele, o uso de hachuras é um tesão, sempre gostei desse tipo de traço e o Fábio Vermelho realmente sabe usar.  Não tem uma pessoa que, mesmo não gostando, não diga que ele desenha bem.

“Estou fechando uma parte das publicações de 2020 e por enquanto tem umas sete, sendo três delas de autores que nunca foram publicados pela Escória”

Quadro de O Alpinista, de Victor Bello

Como foi o seu primeiro contato com o trabalho do Diego Gerlach? O que você vê de mais especial no trabalho dele?

Acho que foi com algum gibi que ele publicou pela Prego, talvez o Ano do Bumerangue, ou em alguma outra antologia, mas só fui conhecer mesmo o trabalho dele depois que a gente se conheceu pessoalmente numa Desgráfica (não lembro qual ano). O Gerlach chegou num nível de consciência do próprio trabalho que só alguém que produziu bastante e por um longo tempo chega. O domínio da linguagem e o uso dos símbolos do próprio quadrinho são os brinquedos dessa criatura abissal que, por algum motivo sinistro, não ascende ao alto escalão.

Como é a dinâmica do seu trabalho como editor com os autores da Escória?

A primeira vez que me falaram algo do tipo “bom trabalho de editor” eu fiquei sem entender, porque pra mim eu não estava fazendo nada. Eu perguntava se a pessoa queria fazer um quadrinho e o autor entregava, eu só precisava decidir junto com o autor a capa que seria mais legal e mandar pra gráfica, qual era o trabalho? Mas depois, principalmente nas últimas publicações, eu influenciei em grande parte, pedindo pro autor manter um certo número de páginas, mas também não deu certo porque eles não mantiveram – eu sempre digo que a prioridade era a história, se fosse ficar melhor, tudo bem. Acho que a única influência que eu sempre tive na obra é sobre a capa, de resto é totalmente com o autor, eu sou meio chato com a capa e acredito que ela tem que ser impactante, porque isso ajuda a própria divulgação e venda do quadrinho. 

Depois fui descobrir que editor é o cara chato que pede pro autor mudar coisas no PRÓPRIO trabalho. Eu até entendo que em muitos casos a visão de um editor pode melhorar a história, mas pra ser sincero sempre li as histórias dos autores da Escória e nunca tive vontade de mudar nada, meus comentários sempre foram de apoio e o quanto eu estava achando boa a história, mas aos poucos estou começando a propor algumas ideia, porém para isso o autor tem que estar aberto.  No geral, acho que total liberdade é o melhor caminho.

A capa de NÓIA – Uma História de Vingança, de Diego Gerlach

Qual balanço você faz das publicações da Escória em 2019?

Comecei esse ano com altas expectativas, pela primeira vez comprei um calendário daqueles que dá pra ver todos os meses de uma vez e anotei todas as minhas pretensões de lançamentos do ano, eram mais ou menos uns 12 ou 13 títulos e até agora acho que consegui publicar seis. Então o balanço é: pense alto, faça metade que já é muito. Estou feliz principalmente com a qualidade do material publicado em 2019, pra mim foi o melhor ano da Escória.  

Você tem alguma meta para os quadrinhos da Escória para 2020? Você tem em mente algum número de publicações para o próximo ano?

Acho que a meta é tentar manter o ritmo de publicações, ter uma certa frequência de material novo e fresquinho para nossos mutantes do esgoto.  Vou tentar arriscar umas coisas diferentes também em 2020 mas por enquanto não posso falar nada. Estou fechando uma parte das publicações de 2020 e por enquanto tem umas sete, sendo três delas de autores que nunca foram publicados pela Escória. 

“Os três pilares para a Escória continuar existindo são: vendas no site + não levar calote das lojas + feiras de publicação”

A capa de O Deplorável Caso do Dr. Milton, de Fabio Vermelho

O que você vê de mais interessante acontecendo hoje nos quadrinhos brasileiros?

Sinceramente, eu não sei. Quase não leio mais quadrinhos. Acho que talvez o surgimento de várias obras que são consideradas ‘graphic novels’?  Minha percepção é que a 10 anos atrás tinha mais antologias e agora parece que tem mais autores publicando quadrinhos fechados. Mas eu falo muito da cena independente, específica que eu vivo. Acho que também que a quantidade de mulheres fazendo quadrinhos, às vezes parece que tem um monte agora porque a percepção é de um lugar que não tinha quase nenhuma, mas na real ainda tem muito pouca mina, a tendência é só crescer, logo logo vai aparecer a próxima novela gráfica dos quadrinhos brasileiros que vai ser de uma autora. 

Vivemos tempos muito conservadores, qual você considera o papel de uma editora de quadrinhos underground como Escória dentro desse contexto?

Os “quadrinhos underground” fazem parte de uma contracultura que é totalmente oposta ao conservadorismo, mas já que você citou esse termo específico quero dizer que  não gosto de usar o termo underground comix ou quadrinhos underground, porque pode acabar virando apenas um rótulo estético de certas influências, que eu não nego que a Escória Comix tenha com certeza, a gente bebe da fonte, mas o que realmente importa é a essência de ir contra qualquer pensamento ignorante, falsos moralismos e fanatismos. Uma editora que se propõe a ser um caminho fora disso tudo precisa buscar sempre estar de acordo com essa essência dentro do que se propõe que é publicar quadrinhos.

Quadro de O Deplorável Caso do Dr. Milton, de Fabio Vermelho

Qual a importância de feiras e eventos de quadrinhos e publicações independentes para a manutenção das atividades da Escória? 

Importância VITAL, os três pilares para a Escória continuar existindo são: vendas no site + não levar calote das lojas + feiras de publicação.  Nenhuma dessas coisas por si só segura a bronca no fim do mês, mas todas elas juntas já dão um respiro e aquela injeção na parada toda. As feiras são pontos cruciais é quando a gente pode fazer lançamentos e ter aquela resposta instantânea, divulgar o trabalho direto no olho no olho, conversar com várias pessoas que estão no mesmo rolê e ver uma parte do que está sendo produzido no momento.   

A capa de Asteróides – Estrelas em Fúria, de Lobo Ramirez
Entrevistas / HQ

Papo com Fabio Vermelho, autor da revista Weird Comix: “Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena”

O meu primeiro contato com o trabalho do quadrinista Fabio Vermelho foi com uma HQ de duas páginas impressa no primeiro número da revista Pé de Cabra, editada pelo também quadrinista Panhoca e lançada em março de 2018. Fui atrás de outras publicações do autor e descobri a existência da revista Weird Comix, projeto solo e independente de Vermelho lançado desde 2014 e atualmente em sua nona edição.

As Weird Comix seguem alguns padrões: são impressas em preto e branco, suas tiragens não vão muito além de 100 exemplares e são escritas em inglês. As histórias giram em torno de crimes e depravações e contam com participações esporádicas de monstros saídos de filmes de terror B. Mesmo quando ambientadas no nosso presente, as tramas e os personagens são retratados como crias dos Estados Unidos da década de 50.

No momento Vermelho está trabalhando na décima edição da Weird Comix, com lançamento previsto para dezembro ou janeiro, e no álbum O Deplorável Caso do Dr. Milton, com a promessa de ser publicado pelo selo Escória Comix até o final de 2019. Um dos quadrinistas nacionais que mais tem chamado minha atenção, Vermelho topou um papo por email com o blog falando sobre sua influências, o início de sua carreira, o desenvolvimento de suas técnicas e o andamento de seus próximos projetos. Conversa bem boa, saca só:

“Lia coisas estilo One Piece, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z, Samurai X, Fullmetal Alchemist, era meio fissurado em mangá”

Quadros de uma HQ de Fabio Vermelho publicada na revista Weird Comix

Você pode contar um pouco sobre os seus primeiros contatos com histórias em quadrinhos? Qual a memória mais antiga de quadrinhos na sua vida?

A memória mais antiga mesmo que eu tenho sobre quadrinhos era ficar lendo uns gibis estilo Zé Carioca, Tio Patinhas, Turma da Mônica e coisas assim na casa de um tio, irmão do meu pai, quando íamos visitá-lo. Isso quando eu era bem criança, então faz muito tempo e nem lembro das histórias que lia. Mas foi meu primeiro contato. Na minha casa mesmo, nem meu pai nem minha mamãe são ligados no assunto. 

Quando eu comecei a ler mesmo, acompanhar algo, foi quando passei a comprar mangás nas bancas, enquanto eu estava na escola. Meu irmão comprava também. Lia coisas estilo One Piece, Cavaleiros do Zodíaco, Dragon Ball Z, Samurai X, Fullmetal Alchemist, era meio fissurado em mangá. Foi nessa época também que comecei a desenhar… Eu já era meio obsessivo na época, então ia fazendo vários e vários volumes. Eu comprava um desses caderninhos com pauta, pequenos, com umas 100 páginas, e ia preenchendo. Cada um era um volume e cheguei a fazer dois mangás diferentes, hahaha. Um deles com umas 10 edições e o outro com umas 20. Eu emprestava para o pessoal da minha sala de aula, cada um ficava por uma semana com o volume e depois emprestava para o próximo. Até hoje esses caderninhos estão na casa da minha mãe. 

Aí teve um hiato, entre os anos finais da escola até entrar na faculdade, onde parei de desenhar e também fui perdendo o interesse em mangás. Depois disso conheci coisas como [Robert] Crumb, [Gilbert] Shelton, [Milo] Manara, [Guido] Crepax, e fui começando a desenhar novamente, isso já bem mais recente… De 2010 pra cá. Foi quando comecei a desenhar algo mais parecido com o que faço hoje em dia.

Uma página do quadrinista Fabio Vermelho

Quando você começou a fazer quadrinhos? Qual foi a primeira HQ que você publicou?

Como disse antes, comecei a desenhar quadrinhos com esses mangás na escola, mas não acho que conta… O primeiro publicado foi lá por 2013, na época eu usava bastante o DeviantArt. Apareceu um cara com quem eu conversava às vezes, disse que tinha um roteiro e que precisava de alguém para desenhar e depois mandarmos para uma coletânea que rolava, não sei se sai até hoje, chamada Seqapunch Quaterly. O quadrinho era curto, tinha 16 páginas e se chamava Ennui Dreams. Era uma história muda de uns animais que se portavam como humanos, bem interessante. Meu traço era muito cru naquela epoca, mas até que gosto do quadrinho. Até saiu uma entrevista comigo no livro…

Depois disso, em 2014 comecei a desenhar as Weird Comix e, ao mesmo tempo, comecei a mandar trampos para revistas. Foi em 2014 também que desenhei uma história curta chamada O Contrato, que saiu na Prego #7, se não me engano, um tempo depois…

“Vendo as Weird Comix para leitores da Inglaterra, Espanha, França, Itália, Canadá, Austrália, e a maior parte para os Estados Unidos”

A capa da mais recente edição da revista Weird Comix, do quadrinista Fabio Vermelho

Me fala, por favor, sobre a origem da Weird Comix?

É bem simples, na real… Eu venho fazendo ilustrações pra mim mesmo, sem ser encomenda, desde 2012, mais ou menos. A maioria inspirada em coisas que eu gostava de ler e ouvir: ficção científica, pulp, terror, punk, rockabilly, psychobilly. Eu já tinha desenhado uns poucos quadrinhos curtos, até então, até que para o meu TCC em Design de Produtos, em 2013, resolvi desenhar uma história em quadrinhos um pouco maior. Ela se chamava What’s Inside a Girl? e era vagamente inspirada em uma música dos Cramps. Só desenhei a parte 1, era o que dava tempo, e pouquíssima gente viu. Fiz umas cinco cópias para a apresentação do trabalho, acho que duas ficaram comigo e as outras três estão por aí, não lembro se vendi, dei ou troquei. Nunca rolou a parte 2, mas pretendo aproveitar esse roteiro (que foi o único que escrevi inteiro na vida) e redesenhá-lo um dia. Esse quadrinho foi basicamente um protótipo de como seriam os quadrinhos que eu lançaria na Weird Comix daí pra frente… A diferença é que What’s Inside a Girl? continha apenas o quadrinho, e a Weird Comix é estilo revista, tem ilustrações, tiras, seções com histórias de leitores, e os quadrinhos, claro.

O primeiro quadrinho que fiz para a Weird Comix foi o Wet Nightmare, em 2014, levemente inspirado também em uma música dos Cramps. Desenhei com a vaga ideia de já lançar algo por mim mesmo… Tinha bastante coisa fermentando na minha cabeça. Observei como outros quadrinhistas lançavam suas revistas e zines, e em 2015 resolvi juntar a Wet Nightmare com outra HQ curta que eu tinha, Resuscitate The Haze, mais tiras e ilustrações e fiz a primeira edição, com 32 páginas. Antes de vender a primeira eu já tava desenhando a segunda, com outra história curta, Drown at the Lake. A segunda Weird Comix saiu no mesmo ano, no segundo semestre. A partir da edição três comecei a desenhar I Was a Teenage Gorilla-Boy, que é uma história longa e se desenrola até a presente edição. A essa altura eu já tava aumentado cada vez mais o número de páginas do zine, porque eu tava desenhando muita coisa e já não tinha espaço. Hoje em dia o zine tem 48 páginas e tento manter a periodicidade de duas edições por ano, e além das sempre presentes HQs curtas, serializo I Was a Teenage Gorilla-Boy e The Rise and Fall of George Pills no momento. 

Eu assisti uma entrevista na qual você diz ter decidido escrever a Weird Comix em inglês para ampliar o alcance potencial do seu público. Você conseguiu chegar em um público além do Brasil escrevendo em inglês?

Sim! Vendo as Weird Comix para leitores da Inglaterra, Espanha, França, Itália, Canadá, Austrália, e a maior parte para os Estados Unidos, para vários estados, mas principalmente para a Califórnia e Nova York.

“Muita gente tem uma visão meio que inocente dos anos 50, acho legal subverter esse negócio todo”

Página de The Rise and Fall of George Pills, trabalho de Fabio Vermelho publicado na revista Weird Comix

Aliás, quem são os seus leitores? As tiragens da Weird Comix são pequenas, então imagino que você tenha um contato próximo com o seu público. É isso mesmo?

Meus leitores são bem diversos, na verdade. Eu imaginava, quando comecei, que seria um tipo específico de leitor, mas na real tem todo o tipo de pessoa, e uma quantidade quase igual de homens e mulheres. 

E sim, tenho uma relação relativamente próxima com eles, especialmente aqueles que compram desde a primeira ou segunda edição e estão até hoje comprando. Conheci a maior parte pelo Instagram e outros pelo Facebook, e alguns se tornaram até colegas virtuais, de conversar sobre coisas sem ser o meu zine e etc, ainda mais porque as pessoas que lêem Weird Comix tendem a ter um gosto parecido com o meu em relação a música e filmes, por exemplo. 

Tem algum ponto de partida o seu interesse na estética dos Estados Unidos dos anos 50? O que te interessa mais no imaginário visual dessa época?

Começou pela música, na verdade. Ouvindo bandas de rockabilly revival dos anos 80, como Stray Cats e Polecats, por exemplo. Daí comecei a ouvir o rock ‘n’ roll dos anos 50 e o rockabilly, comecei a me interessar pelo assunto, por essa década, fui pesquisando… Assistindo filmes e ouvindo música, aquilo foi crescendo em mim. Os filmes dessa época, por exemplo, tem muita coisa de monstros e ficção científica… Aquilo me atraiu bastante, as histórias dos filmes geralmente são bem simples, sem muita explicação, os monstros são criativos… Coisas como Teenage Werewolf, Teenage Frankenstein, Wasp Woman, Creature from the Black Lagoon, isso me atraiu bastante, gosto de pensar que alguns dos quadrinhos que faço são meio nonsense nesse sentido, tento passar essa atmosfera de filme antigo. Mas no meu caso eu gosto de dar um twist em tudo isso e fazer as coisas mais extremas, mais rebeldes… Como eu acho que deviam ser. Você não vai ver nesses filmes o monstro desmembrar a pessoa, fazer sexo com ela, porque nessa época os filmes não era tão gráficos, vamos dizer assim, haha. Mas eu posso fazer isso com os quadrinhos! Nos filmes de gangue e delinquência juvenil, como, sei lá, Blackboard Jungle, Rebel Without a Cause, você não vê os adolescentes usando drogas, roubando, espancando os outros, fazendo sexo, mas eles faziam isso, essas coisas existem desde o início dos tempos e eu desenho nos meus quadrinhos. Foi a época em que os jovens começaram a ter mais autonomia, gosto de explorar isso. Muita gente tem uma visão meio que inocente dos anos 50, acho legal subverter esse negócio todo.

“Quase tudo nas Weird Comix é relacionado à música, acredito que essa seja minha maior fonte de inspiração”

Ilustração do quadrinista Fabio Vermelho

O que você mais gosta de ler, ouvir e assistir? Quais são as suas principais referências? Quais os quadrinhos que mais te influenciam?

A lista do que eu mais gosto de escutar é bem longa, inclui desde o rockabilly, country, blues, psychobilly até o garage, punk, post-punk, new wave, e por aí vai… Mas do que escuto e mais me influencia na hora de desenhar seria o rockabilly, o country e o blues. Para quem acompanha as Weird Comix já deve ter percebido quantas músicas eu já transformei em quadrinhos curtos, como Riot in Cellblock #9, He’s in the Jailhouse Now e Undertaker’s Blues, fora os que já imaginei mas ainda não tive tempo de desenhar. Todas essas histórias vem na minha mente enquanto estou escutando as músicas, muitas delas têm letras muito boas e me inspiram bastante. Quando não viram quadrinhos viram ilustração… Quase tudo nas Weird Comix é relacionado à música, acredito que essa seja minha maior fonte de inspiração. 

Quanto a leitura, o que mais gosto de ler é ficção científica e terror. Meus escritores preferidos são Isaac Asimov, Philip K. Dick e Edgar Allan Poe. Esse tipo de leitura me influencia bastante na hora de criar minhas histórias também, ainda mais misturando com as músicas… É daí que sai um monte de quadrinhos de alien com rockers dos anos 60, caras que se transformam em gorila e saem matando gente nos anos 50, cientistas que arruinam suas vidas, essa mistureba toda. Gosto muito de ler alguns autores da Beat Generation também, como o Jack Kerouac e o William Burroughs… Talvez daí venha a influência de mostrar o lado mais sujo dos anos 50, as drogas, a rebeldia, o vandalismo e a vagabundagem. Fora o modo como eles trabalhavam, escreviam… Acho que isso influenciou meu modo desorganizado de trabalhar com quadrinhos também, hahaha. Os últimos livros que andei lendo antes de começar a me atarefar com tanto desenho eram justamente Cidade Pequena, Cidade Grande e Queer.

O que mais gosto de assistir, sem dúvida, são filmes de terror. Tanto os antigos como os novos, sou viciado. Gosto também de suspense, comédia, podreiras e coisas assim… 

Quantos aos quadrinhos, a verdade é que não sou um ávido leitor. Já li várias coisas, mas não é meu passatempo preferido. Não tenho muitas graphic novels preferidas… Na verdade o que eu mais gosto de ler e que me influencia são revistas como a Eightball, do Daniel Clowes; a Weirdo, do Crumb; a Peepshow, do Joe Matt; Rip Off Comix, do Gilbert Shelton; Naughty Bits, da Roberta Gregory; Chiclete com Banana, do Angeli; e Tales from the Crypt. Gosto de ler várias seções diferentes, as cartas, os quadrinhos serializados, coisas assim. Mas até que tem quadrinhos longos que gosto, nada muito fora da curva ou diferente… Adoro Black Hole, acho o Charles Burns incrível. Adoro Watchmen também. Nova York, do Eisner. Hoje é o Último Dia do Resto da sua Vida da Uli Lust. Qualquer coisa do Crepax, como Valentina, Dracula, Vênus das Peles, A História de O… Todos os do Crumb que li até hoje… Sin City, Ranxerox, Tom of Finland, Moebius, Matthias Schultheiss, Junji Ito, Eric Stanton… Diomedes, do Mutarelli, acho muito foda também. Meu gosto por quadrinhos não tem nada a ver com nada, hahahaha.

“Posso ter a situação que quiser, o cenário que quiser, os personagens que quiser, as coisas mais absurdas! É só eu desenhar. As possibilidades são infinitas”

A capa da sétima edição da revista Weird Comix, do quadrinista Fabio Vermelho

O que mais te interessa em quadrinhos hoje? Por que usar essa linguagem para contar as histórias que você conta?

Hoje em dia não compro mais tanto quadrinho como antigamente… faz uns cinco anos que me mudei da casa dos meus pais e desde então a grana ficou curta. O que faço com mais frequência é trocar zines e gibis com outros artistas, sejam brasileiros ou gringos. Tenho vários zines desconhecidos, de artistas que conheço há bastante tempo pelo Instagram. Estou sempre acompanhando o trabalho deles. Acompanho e tenho também trabalhos do D’apremont, do Victor Bello, do Gerlach, entre outros…

Eu uso essa linguagem para contar minhas histórias por dois motivos: primeiro, porque é bem prática, digamos assim… Você só precisa de papel, caneta, e um pouco de habilidade. Não precisa de altas granas, como fazer um filme. É incrível! Posso ter a situação que quiser, o cenário que quiser, os personagens que quiser, as coisas mais absurdas! É só eu desenhar. As possibilidades são infinitas. E o segundo motivo é que adoro desenhar quadrinhos. Tem uma hora ou outra que o trabalho fica meio massante, mas 99% do tempo eu amo fazer isso. Desenhar, no geral. Quadrinhos, cartazes, capas de álbuns, seja o que for. Eu passo a maior parte do meu dia desenhando, é tipo um vício. Eu faço vários quadrinhos ao mesmo tempo, se eu não estiver desenhando um, estou desenhando outro, ou alguma encomenda. 

“Não curto muito a ideia de escrever a história inteira antes de desenhar”

A capa da quinta edição da revista Weird Comix, do quadrinista Fabio Vermelho

Eu queria saber um pouco mais sobre as suas técnicas. Você chega a trabalhar com um roteiro fechado antes de começar a desenhar? Você desenha tudo à mão? Qual material você usa?

Quanto ao roteiro, acho que tenho um problema com isso, porque não curto muito a ideia de escrever a história inteira antes de desenhar. Eu geralmente penso no início, no meio e no fim da história, sem pensar detalhe por detalhe em exatamente tudo que vai acontecer, mas tendo uma linha de raciocínio. Aí vou seguindo minha intuição. E sempre com o quadrinho em mente, vão sempre surgindo novas ideias. Ele vai ser formando de acordo com o andamento da coisa. Provavelmente esse processo soe extremamente desorganizado e caótico para alguns, mas tem funcionando pra mim, gosto dessa espontaneidade. 

Eu desenho tudo à mão mesmo, gosto de sentir a caneta no papel, aquele barulhinho dela arranhando a folha. Uso photoshop no processo, mas é mais para mexer nos níveis, deixando mais escuro, ou quando preciso colorir. Algumas vezes preciso fazer uma ou outra intervenção, mas é bem pouco. Geralmente colocar uma fonte, não sei. É raro. 

Uso canetas recarregáveis desegraph, papel canson e uma prancheta que vai fazer uns 10 anos de idade, por isso posso carregar meu material numa mochila para tudo que é lugar, é bem prático. 

Você está trabalhando em algum número novo da Weird Comix?

No meio do ano, após lançar a Weird Comix #9, eu estava. Comecei desenhando a nova série Unsung Rockabilly Heroes, que seria tipo uma segunda parte de A Brief Story About 1950s Teenagers and Rock ‘n’ Roll Music, que saiu na Weird Comix 2. Desenhei também umas ilustrações, mas aí meu prazo com os trabalhos que preciso terminar começaram a apertar e passei a me dedicar 100% à eles. Pretendo voltar à Weird Comix 10 em outubro e, se tudo der certo, terminá-la e lançá-la até dezembro. Caso não dê tempo, fica pra janeiro.

“Tem sangue, gente morrendo, suspense, depravação, assassinato… Só não tem monstros e não se passa nos anos 50”

Página de O Deplorável Caso do Dr. Milton, trabalho de Fabio Vermelho que será publicado pelo selo Escória Comix

Como está o andamento de O Deplorável Caso do Dr. Milton? O que você pode contar sobre esse trabalho?

Começou mais devagar, lá pelo final de janeiro até final de abril eu tava desenhando meia página por dia… Do final de abril ao final de julho já tava fazendo uma página por dia. Agora que estou na reta final e o desespero bate na porta, nem sei mais quantas páginas tô fazendo por semana, só tô desenhando o dia inteiro. 

A história de O Deplorável Caso do Dr. Milton é relativamente diferente das que serializo nas Weird Comix, mas tem todos os elementos que sempre tem nos meus quadrinhos. Tem sangue, gente morrendo, suspense, depravação, assassinato… Só não tem monstros e não se passa nos anos 50. São temas que passam bastante pela minha cabeça, acho difícil eu bolar um enredo que não tenha nada disso.

Não sei se consigo dizer muito sobre o quadrinho sem contar nenhuma supresa… Porque tem muita coisa nele que eu acho que o leitor não deveria saber antes de ler. Então eu espero que ninguém dê uma longa folheada por toooodo o quadrinho antes de começar, porque vai saber de antemão ou ver cenas que só deveria ler na hora. Digo isso porque eu sou esse tipo de leitor que pega o livro, abre na última página e sai folheando de trás pra frente, vendo tudo hahahahaha. Mas espero que não façam isso.

Quanto ao Milton, ele é um personagem esquisito, não tenho certeza do que as pessoas vão achar dele… o quadrinho é basicamente sobre ele, que é um cientista numa cidade pacata, e como as suas decisões afetaram a vida dele próprio e de muitos à sua volta, de maneira irremediável. Por causa de coisas que ele vai fazendo para consertar o problema, sua vida vai virando uma merda maior, cada vez mais. Eu queria que as pessoas se engajassem na história, que se colocassem no lugar dos personagens. E queria que lessem o gibi de uma vez só, outra coisa que não faço hahaha. Acho que fica melhor se a pessoa ler direto… Apesar de ter mais de 100 páginas, não acredito que seja uma leitura massante. Dei para uma amiga ler e pareceu que o texto flui bem. 

Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena. Ou que pelo menos pensem que foi uma doidera ler esse gibi, hahaha. Espero que curtam!

Teaser de O Deplorável Caso do Dr. Milton, trabalho de Fabio Vermelho que será publicado pelo selo Escória Comix
Entrevistas / HQ

Papo com Emilly Bonna, a autora de Esgoto Carcerário: “É o resultado de um aglomerado de coisas que consumo desde a infância, de Castelo Rá-Tim-Bum a John Waters”

As 40 páginas em preto e branco de Esgoto Carcerário narram a saga de um penico cansado de sua vida como receptáculo de urina e fezes e em busca de seu sonho de virar um vaso de flores. Para alcançar seus objetivos, Nico Penico dá início a uma caça pela criminosa Alzira Morcegona, tendo em vista a recompensa para quem detê-la. Responsável pelo sequestro de três pessoas, Alzira mantém suas vítimas dentro do esconderijo no esgoto no qual vive na companhia de seu comparsa e amigo, o rato Mariano.

A quadrinista Emilly Bonna começou em 2017 a produção de Esgoto Carcerário e a HQ se tornou o primeiro lançamento de 2019 do selo Escória Comix. No projeto original, o título era o mesmo e também tinha Nico Penico como personagem principal, mas a história era outra. “O roteiro era completamente diferente, ficou bastante tempo parada, e quando quis retomar já tinha perdido o fio da meada. Então decidi refazê-la, reaproveitando o título, um penico e a ideia inicial de acontecer dentro de um esgoto”, explica.

Meu primeiro contato com o trabalho de Bonna foi em Portas do Inferno, coletânea publicada no final de 2018 em uma parceria da Escória com o selo Gordo Seboso. Em seu primeiro projeto solo, a autora usa designs de páginas convencionais e um traço singular – fofo e “empelotado de perebinhas gosmentas”, segundo o editor Lobo Ramirez – para narrar uma história com personagens originais e carismáticos como pouco se vê por aí. Bati um papo rápido com a quadrinista e ela me falou sobre a origem do quadrinho, suas inspirações e a produção da belíssima capa do gibi. Saca só:

Quadros de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Você pode contar, por favor, um pouco sobre a origem desse quadrinho? Você lembra quando e como começou a elaborar a história que resultaria em Esgoto Carcerário?

No final de 2017 comecei uma outra história, anterior a essa, que também se chamava Esgoto Carcerário, acontecia em um esgoto e tinha o personagem Nico Penico. O roteiro era completamente diferente, ficou bastante tempo parada, e quando quis retomar já tinha perdido o fio da meada. Então decidi refazê-la, reaproveitando o título, um penico e a ideia inicial de acontecer dentro de um esgoto.

Quadros de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Quais técnicas você utilizou para esse quadrinho? Você está acostumada a trabalhar com algum material específico?

Utilizei a técnica que costumo usar muito nos meus desenhos, que é a de pontilhismo, e os materiais básicos, papel e caneta nanquim.

Aliás, ainda sobre técnica: eu acho a capa do quadrinho incrível. Você usa nela a mesma técnica presente no miolo da obra?

Obrigada! Na verdade essa capa seria pintada a lápis de cor e colorida, mas o resultado acabou ficando desastroso hahaha. Uma solução foi deixar a pintura em PB, e adicionei alguns traços a caneta. O material do miolo é diferente, nele uso somente nanquim.

Quadros de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Eu gosto principalmente dos personagens de Esgoto Carcerário. Quando você começou a desenvolver a HQ já sabia o destino e a história de cada um deles?

Cheguei a pensar no destino de alguns, mas os rumos da história mudaram bastante. O destino do Nico Penico foi o único que se manteve mais fiel no que eu tinha estipulado para ele inicialmente.

Quadros de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Você teve alguma influência maior durante a produção desse quadrinho? Digo, houve alguma obra – seja quadrinho, música, filme, livro ou o que for – que te inspirou durante o desenvolvimento da HQ?

Não consigo citar uma influência específica durante a produção dessa HQ, ela é mais um resultado de um aglomerado de coisas que consumo desde a infância até os dias atuais, de Castelo Rá-Tim-Bum, que eu adorava ver quando criança, até os filmes do John Waters e coisas mais extremas.

Quadros de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix

Aliás, o que você gosta de ver, ouvir e ler? Quais são as suas principais referências?

Gosto de ver conteúdos diversos, filmes de drama, terror, comédia, trash, desenhos do Cartoon Network de 2001/2008, gore dos anos 60/70, vídeos de brigas do programa A Fazenda entre o Theo Becker e o Dado Dolabella, bizarrices do site eFukt, como um homem enfiando um copo de vidro dentro do próprio ânus e quebrando, etc, etc. Sobre o que eu gosto de ouvir; meus hits do momento são as músicas da banda The Shaggs e as do Tiny Tim, inclusive coloquei no quadrinho uma música interpretada por ele, porque enquanto eu desenhava a cena ela ficava tocando na minha cabeça. A respeito do que leio, vou citar alguns que li recentemente; Confissões de um Crematório, da Caitlin Doughty; O Caso de Charles Dexter Ward, do H.P. Lovecraft, Asteroides: Estrelas em Fúria, do Lobo Ramirez; e Meu Amigo Dahmer, do Derf Backderf.

Eu conheci o seu trabalho por meio da coletânea Porta do Inferno. É muito diferente a experiência de desenvolver um projeto solo e outro com a presença de outros artistas?

Não é tão diferente, a experiência de fazer algo solo torna aquilo mais pessoal, principalmente porque eu posso explorar a temática que eu quiser. Em coletâneas geralmente o tema já está estabelecido, o que é legal também, pois a ideia sobre o que criar em cima dele flui mais rápido, na minha opinião.

A capa de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pelo selo Escória Comix