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Posts por data agosto 2016

Entrevistas / HQ

Papo com Alcimar Frazão: “A nossa contranarrativa é determinante e precisamos nos engajar”

Escrevi pra revista Rolling Stone sobre o trabalho do quadrinista Alcimar Frazão no álbum O Diabo & Eu. Fiz uma longa entrevista com o autor antes de produzir meu texto. O foco do papo estava, principalmente, na origem da HQ, nas inspirações do gibi e em algumas leituras possíveis para a obra. No entanto, a conversa foi bem além. Frazão me falou sobre seu esforço em transformar em narrativa gráfica e sequencial diferentes elementos da linguagem musical e também abordou o diálogo entre a realidade do protagonista do quadrinho e o atual contexto político brasileiro. Em um dos momentos mais tristes da democracia brasileira, é encorajador ler/ouvir as palavras de esperança de Frazão. Reproduzo a seguir o texto publicado na revista e a íntegra da entrevista com o quadrinista. Ó:

Pacto sinistro

As 64 páginas em preto e branco de O Diabo & Eu (editora Mino) adaptam para os quadrinhos os 27 anos de vida do músico Robert Johnson (1911-1938). Diz a lenda que o artista teria dado a alma ao demônio em troca de seus dotes musicais, em pacto feito em uma encruzilhada no interior do Mississippi. A obra do quadrinista Alcimar Frazão, lançada em tiragem limitada em 2013, ganha edição com páginas extras. Nelas, nomes fortes dos quadrinhos nacionais propõem mais de uma interpretação à suposta relação entre o tinhoso e o maior bluesman de todos os tempos.

Sem qualquer fala ou onomatopeia, O Diabo & Eu conta com a força dos traços e dos contrastes para contar a versão de Frazão para diversos momentos da vida de Johnson. O objetivo, explica o autor, foi ressaltar os aspectos dramáticos da vida de seu personagem.

“Era importante para mim que o drama estivesse colocado a partir das imagens, de alguma forma fosse apenas o eco do que é narrado nas músicas dele”. A HQ aborda a morte do pai de Johnson, os abusos de seu padrasto e passagens de sua carreira como artista itinerante.

A obra também serviu como espaço de experimentação para o autor. Músico amador, Frazão diz ter investido em um elemento usualmente pouco explorado da linguagem dos quadrinhos. “O tempo é o princípio menos controlável das HQs, mesmo sendo fundamental. Fiquei pensando como o tempo de uma música poderia me influenciar. Utilizei a relação de proporção entre os quadros, as viradas e a composição das páginas e o tamanho de uma cena para tentar influenciar esse tempo de leitura”.

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Por que contar a história do Robert Johnson?

Sempre desenho ouvindo música, não é uma regra, mas é natural. Nunca fui músico profissional, mas é a arte que mais dialoga comigo. Uma música que eu gosto consegue me colocar pra cima muito rapidamente. Quando tá tocando uma música que eu não gosto, posso fico numa situação muito horrível (risos). Me toca. No processo de criação isso está muito presente. De alguma forma, fazer essa história do Robert Johnson parte, em um primeiro momento, de pagar um tributo pelas coisas que ele me deu. A outra é que acho uma história bonita de ser contada do ponto de vista do drama existencial, de olhar para um cara que virou um mito, dentro da cultura pop de uma forma geral, não só da música, mas talvez não pelas razões concretas do que está no trabalho dele.

Historicamente, tendemos a não entender o que a história do pacto com o diabo representa do ponto de vista de uma estrutura social bastante opressora e do Blues ser considerado uma “música do diabo”. A coisa do pacto, que surgiu com um blueseiro, amigo do Robert Johnson nos primeiros ano de carreira dos dois, dialoga com uma estrutura de classe e com uma sociedade extremamente preconceituosa. Eu queria resgatar o mito do Robert Johnson pro contexto da luta de classes, de uma disputa política onde existia a dominação dos brancos em relação à maioria negra, com uma estrutura machista e com problemas sociais estabelecidos em um país que havia abolido a escravidão sem muita convicção do que estava fazendo, que até a década de 50 ainda tinham separações raciais dentro de um ônibus.

Do Brasil, olhando os direitos que os negros conquistaram nos Estados Unidos, a gente tende a não entender o que isso representa. Primeiro, por não termos esses avanços e, segundo, por não termos uma estrutura de segregação tão explícita. A nossa segregação existe, mas não nunca foi uma política de estado assumida, como foi nos Estados Unidos. Então eu tinha o desejo de trazer esse universo pra discussão, contar uma história dentro desse cenário. Não sei se consigo, mas a minha intenção inicial era essa. Até por isso, a história não tem texto: era importante para mim que o drama estivesse colocado a partir das imagens, de alguma forma fosse eco do que está na música.

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HQ

Já viu a programação de palestras, debates e oficinas da Bienal de Quadrinhos de Curitiba?

Viu que tá no ar a programação de palestras, debates e oficinas da Bienal de Quadrinhos de Curitiba? Vale a investida no site do evento pra começar a se programar em relação ao que rola por lá. Participarei de dois debates: dia 10 de setembro, às 20h, vou mediar o papo Criador e Criatura – Bastidores da Criação das Personagens, com Marcello Quintanilha, Juscelino Neco e Wagner Willian; e dia 11, às 11h, vou compor a mesa Jornalismo, Quadrinhos e Redes Sociais, com mediação do Heitor Pitombro e presença de Mariamma Fonseca, Lielson Zeni e Vitor Marcello. E aí, vamos?

Séries

Stranger Things, por Butcher Billy

Dois belos trabalhos do Butcher Billy inspirados em Stanger Things. Gosto muito dessas conexões feitas por ele entre universos paralelos, como esse diálogo entre o enredo da série do Netflix e as tramas mirabolantes da Strange Tales da Marvel. Legal que ele foi numa mesma pegada da interpretação dada pelo Dan Hipp à obra. Ainda teve também essa bela sacada aqui embaixo. Será que esses dois trabalhos demoram pra aparece lá na loja do artista?

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HQ

A capa e uma prévia de quatro páginas de O Parricídio, a nova HQ de Beeau Goméz e Rodrigo Qohen

Acho bem legal o trabalho da dupla Beeau Goméz e Rodrigo Qohen no álbum Antologia Acid Jazz. Responsáveis pelo selo Baboon Comix, os dois entraram em contato pra me falar um pouco do próximo quadrinho deles. O Parricídio tem 56 páginas e começará a ser vendido na Bienal de Quadrinhos de Curitiba – os autores pediram pra avisar que estarão na mesa 23. Bati um papo rápido por email com a dupla e eles me falaram um pouco sobre as origens do projeto e as lições aprendidas por eles a partir da experiência com a publicação da Acid Jazz. Segue a sinopse do álbum novo, quatro páginas de preview da obra e a nossa conversa. [Atualizado!  Esqueci de comentar um detalhe gigante: o gibi ainda conta com um prefácio da Laerte]. Ó:

Remi vive em estado de desânimo desde que pode recordar. Nesse tempo, vem revisitando sonhos antigos dentro dos próprios devaneios, o que faz com que tornem-se ainda mais verdadeiros. Através de sua janela, Remi vê uma misteriosa figura feminina que traz a persona à tona para corrigir a maior incoerência de sua vida.

Preview - Cap1

Como surgiu a ideia de O Parricídio? Vocês lembram do instante que descobriram que essa história, esse álbum, seria o novo trabalho de vocês?

Qohen: Durante o FIQ 2015, onde lançamos o “Antologia Acid Jazz”, quando chegávamos cansados no nosso apartamento alugado, enchíamos um copo de uísque e íamos pra varanda papear e fumar um cigarro. Lá brotou semente d’O Parricídio. Era algo cru, provavelmente sobre um cara que ficava compulsivamente observando o movimento do mundo por sua janela enquanto fumava. Não era claro se o que puxava ele pra esse vício era o tabaco ou a curiosidade – ou os dois. Isso foi uma faísca num palheiro, que até acabou entrando no Parricídio como uma breve passagem. Percebemos então que um cigarro nem sempre é um cigarro.

Goméz: O apartamento que estávamos era no centro de BH, com uma varandinha voltada pros fundos de outros prédios. Nossa vista eram várias janelas encarando um estacionamento. Era uma coisa claustrofóbica, um beco sem saída. Pensamos em qual seria o desejo da personagem em ficar ali. O cigarro servia como uma boa desculpa pra passar horas observando as janelas, principalmente as fechadas. Então, procurando uma resposta, recorremos a autoanálise freudiana como metáfora da situação da personagem. O termo “parricídio” foi pescado no “Totem e Tabu”, do próprio Freud.

Preview - Cap2

Quais as principais lições que vocês tiraram da Antologia Acid Jazz e aplicaram na criação desse novo projeto? Não só no que diz respeito ao texto e à arte de vocês, mas também em relação a venda/distribuição/impressão/acabamento do projeto?

Qohen: A concepção de Antologia Acid Jazz foi feita em pouco mais de um mês – desde o roteiro até impressão. Não tivemos muito tempo para acabamentos muito refinados. Pro Parricídio houve tempo para desenvolvermos um conceito editorial mais aprimorado. Quando a gente passa por livrarias, nos divertimos destrinchando os projetos gráficos dos livros. A falecida Cosac Naif é talvez a editora que mais nos cativa.

Goméz: Uma coisa importante que queríamos n’O Parricídio, e não fizemos em Acid Jazz, era ir além de apenas contar uma história e que carregasse um pensamento que gere reflexão. Antologia Acid Jazz é muito mais raso. Outra coisa que mudou é a forma como lidamos com o nosso processo criativo. A gente começou a criar métodos de pesquisa, onde cada um pudesse trabalhar na sua respectiva da área – eu na arte e o Rodrigo com os textos. Todo o rastro desses estudos estão na nossa página do Facebook, numa série semanal que criamos chamada Verso e Figura.

Preview - Cap3

HQ

A capa de A Boca Quente – Parte #2

O Shiko acabou de divulgar no Facebook a capa do segundo volume de A Boca Quente. Gostei pra caramba do primeiro número da série e aguardo ansioso essa continuação. Pela descrição presente ali em cima, a promessa é de continuidade na investida sci-fi com ares pulp da edição de estreia, sobre um garota em busca de vingança numa trama que remete a uma mistura maluca de Drive com Kill Bill, algo de Luc Besson e um pouco da distopia de Blade Runner. Quero muito ler.

HQ

Traço: três noites de HQs, músicas e reflexões sobre produção e consumo de arte e cultura em Belo Horizonte

Acompanhei durante três noites em Belo Horizonte os quatros debates e sete shows da mais recente edição do festival Traço – Música e Desenhos ao Vivo*. Cerca de uma semana antes do evento começar, publiquei por aqui uma entrevista com o Jão, quadrinista e um dos organizadores do Traço junto com a jornalista Helen Murta. No meu texto, foquei no principal chamariz do festival, a reunião em um mesmo palco de músicos e quadrinistas/ilustradores nacionais. No término da minha primeira noite em BH ficou claro para mim que a proposta do evento é bem mais ampla: a reunião entre autores de HQs/desenhistas e músicos é a síntese de um encontro que se propõe a debater os rumos da forma como se vende, consome e pensa arte e cultura nos dias atuais.

Antes dos shows realizados no palco da casa A Autêntica entre os dias 4 e 6 de agosto, quadrinistas, músicos e produtores de diversas áreas de atuação debateram questões relacionadas ao mercado editorial, à receptividade do público a obras autorais e à busca por novas possilidades de fazer arte e viver de cultura.

Sara Não Tem Nome com Lovelove6 (Foto: Luiz Carlos Oliveira e Luiza Palhares)

Sara Não Tem Nome com Lovelove6 (Foto: Luiz Carlos Oliveira e Luiza Palhares)

Em seguida, as apresentações casadas entre ilustradores, bandas e cantores refletiam algumas dessas mesmas questões, colocavam artistas em ação fora de suas zonas de conforto e propunham novos cenários e perspectivas para o uso de suas respectivas linguagens. Ao longo dos três dias de evento, foram apresentadas parcerias entre Di Souza e Criola, Iconili e André Dahmer, Fadarobocoptubarão e Jão, O Lendário Chucrobillyman e Rafael Coutinho, Astigmatrio e Alves, Sara Não Tem Nome e Lovelove6 e Curumin e Karina Buhr. Variou de show para show a dinâmica entre quadrinistas/ilustradores e seus colegas de apresentação: enquanto alguns dos desenhistas pareciam ter elaborado seus trabalhos antes de cada show, outros pareciam ter subido ao palco dispostos a conceber ao vivo suas ilustrações.

Debate com Gabriela Carvalho, Ione de Medeiros, Jonnatha Horta Fortes, Leo Moraes, Rodrigo Cunha e Helen Murta (Foto: Luiz Carlos Oliveira)

Debate com Gabriela Carvalho, Ione de Medeiros, Jonnatha Horta Fortes, Leo Moraes, Rodrigo Cunha e Helen Murta
(Foto: Luiz Carlos Oliveira)

Após o meu retorno de Belo Horizonte, mandei um longo email com várias perguntas aos dois responsáveis pelo evento. Helen Murta e Jão fizeram um balanço sobre a mais recente realização do Traço, casada com uma edição da feira de publicações independentes Faísca – ambos eventos realizados pela Pulo Comunicação e Arte (produtora cultural de propriedade dos dois). Eles também comentaram alguns dos tópicos mais constantes debatidos durante as conversas entre seus convidados. Recomendo a leitura da minha entrevista curta com o Jão feita previamente ao evento e um assistida no vídeo a seguir, que lista a programação do Festival. Depois, tira um tempinho aí pra ler o nosso papo, conversa bem boa mesmo. Ó:

Eu queria que vocês falassem um pouco de cada performance durante os shows, tanto das bandas quando dos artistas. Em relação aos quadrinistas, foram dinâmicas muito diferentes. A maior parte delas parece ter sido freestyle, outras parecem ter sido pensadas previamente aos shows e outras em parceria com os músicos. Alguma apresentação específica chamou a atenção de vocês? Jão, em relação ao seu trabalho durante o show do Fadarobocoptubarão: o quanto você já tinha pensado da sua ilustração quando começou a criar?

Helen: Tenho bastante dificuldade em destacar uma apresentação. Escolhemos os trabalhos para estarem ali por realmente gostarmos de cada um deles, e pela vontade de vê-los em outros âmbitos, que não o da produção particular de cada desenhista ou de cada banda.

De qualquer forma, penso em um destaque como um todo. Depois que pensamos a junção das bandas e desenhistas, lá na fase de pré-produção do festival, mesmo já tendo em mente que cada performance será uma experimentação – que o trabalho de música e desenhos realmente vai surgir na hora, sendo ele planejado previamente ou não –, o que acontece ao vivo sempre me surpreende. Pra mim, é esta a melhor parte do Traço: as apresentações serem inusitadas, inesperadas, mesmo pra quem criou e organiza o festival.

Di Souza com Criola (Foto: Luiz Carlos Oliveira)

Di Souza com Criola (Foto: Luiz Carlos Oliveira)

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