Dica rápida: o Seth produziu uma HQ pra um projeto concebido pelos editores do jornal canadense The Globe and Mail celebrando os 150 anos da independência do país. A série reúne várias obras lembrando a história do Canadá a partir de eventos reais acontecidas por lá. No caso do Seth, ele recorda a passagem do Furacão Hazel pelo país no de 1954, adaptando o depoimento de um cidadão de Toronto que testemunhou a catástrofe decorrente do ciclone. Vale a lida, viu?.
Posts por data julho 2017
Papo com Lauro Larsen e Carlos Junqueira, os editores de Os Morcegos-Cérebro de Vênus e Outras Histórias: “O Código mutilou a indústria no seu momento de maior explosão criativa”
O trabalho de Lauro Larsen e Carlos Junqueira na restauração e edição dos quadrinhos presentes na coletânea Os Morcegos-Cérebro de Vênus e Outras Histórias resultou em um dos projetos editoriais mais interessantes publicados no Brasil em 2017. Como expliquei na minha matéria sobre o álbum para o UOL, a obra é uma coletânea de HQs norte-americanas de ficção científica produzidas entre 1939 e 1954, quando foi instaurado o catastrófico Comics Code Authority – código de autocensura focado em prezar pelo bom mocismo e a civilidade do conteúdo publicado nas HQs da época.
A coletânea publicada pela Mino presta um serviço imenso resgatando clássicos e várias obras esquecidas, mas de um vanguardismo ímpar mesmo nos dias de hoje. Publico a seguir a íntegra da minha conversa com os dois idealizadores do álbum. Recomendo antes uma lida na minha matéria pra você sacar ainda mais sobre o projeto. Aí depois volta aqui pra ler o que os editores disseram da obra. Papo bem massa e instigante em relação ao futuro da Coleção Incendiária. Ó:
“Era um período de ebulição criativa, de busca selvagem por chocar e surpreender os leitores”
Como surgiu a ideia desse projeto?
Carlos Junqueira: Como colecionador fascinado pela Era de Ouro dos Quadrinhos, estou sempre procurando relançamentos desse tipo de material, principalmente no mercado norte-americano. Reparei que em muitas dessas edições as imagens pareciam simplesmente retiradas de páginas escaneadas da internet e impressas em papel. Por achar que conseguiria fazer algo melhor, comecei a desenvolver um meio de restaurar essas revistas e tentar deixar a arte com a melhor qualidade possível – e posso dizer que ficaram melhores do que as arte originalmente publicadas, por causa da qualidade de impressão daquela época. Assim que vi os primeiros resultados da restauração, pensei na hora que precisava lançar este material impresso! Como estaria apresentando artes com mais de 60 anos para um público novo, decidi pelo preto e branco. Devido à colorização utilizada na época, muitos dos desenhos foram prejudicados. Mostrei estas páginas para meu amigo e também colecionador Lauro Larsen e ele pensou a mesma coisa, precisávamos lançar esse material! A partir daí desenvolvemos a ideia de montar uma coletânea e tentar lançar via financiamento coletivo, mas assim que apresentamos o projeto para a Janaína de Luna, ela topou na hora lançar o livro pela Mino.
Lauro Larsen: O projeto partiu das experimentações do Carlos Junqueira com restauro de arquivos digitais. Assim que comecei a ver os resultados sabia que o destino natural seria montar uma antologia, o que eu não tinha previsto era a magnitude que o projeto iria tomar. Eu realmente não tinha dado conta do tanto de trabalho que envolveria a feitura. É bom salientar que o projeto do livro e totalmente nacional, não tínhamos um livro importado de base. Desde o recorte para a escolha das histórias, passando pela adaptação dos abres das HQs, tudo foi feito com o maior perfeccionismo.
Outro desafio inédito, pelo menos para mim, era como dar um destino editorial para o livro. Eu já não faço parte do conselho editorial da Mino, o que significou que quando começamos esse projeto eu ainda não sabia como ia conseguir publicar. A primeira ideia seria o Catarse, mas eu nunca fui um entusiasta deste tipo de financiamento e achava que sem o apoio de uma editora não conseguiria o patamar de excelência que eu via como única opção para o livro.
Qual vocês consideram ser a principal importância de resgatar esse material?
Carlos Junqueira: Acredito que a principal importância deste trabalho está no resgate de artistas desconhecidos ou mesmo famosos, mas em começo de carreira naquela época, que produziram uma quantidade enorme de histórias, que hoje em dia são raríssimas, e apresentá-los para uma nova geração de leitores.
Lauro Larsen: Esse material representa o ápice da Era de Ouro, quando imaginação e experimentação ainda eram a regra do jogo. É importante para todo leitor ou profissional de HQ conhecer essas histórias, elas ajudaram a fundar o quadrinho moderno.
Vocês estabeleceram dois recortes: pré-Comics Code e histórias do gênero de ficção científica. O que motivou esse filtro?
Carlos Junqueira: Acredito que antes do Comics Code os artistas tinham total liberdade de expressão sob o que estavam produzindo, isso caracterizou as artes e os enredos dessas histórias produzidas pré-Code e depois se perdeu. Além disso, é um material muito difícil de se encontrar por conta da grande quantidade de revistas que foram destruídas, literalmente queimadas, por serem apontadas como causa da ‘delinquência’ da juventude daquela época. Quase todos os relançamentos com material desta época gira em torno do tema terror, mas a quantidade de quadrinhos produzidos de ficção científica durante esse mesmo período foi muito marcante e vem sendo negligenciada pelas editoras até hoje. Juntando a isso tudo a nossa grande paixão pessoal pelo gênero, foi fácil chegar nesse filtro.
Lauro Larsen: Sabe, eu acho que aconteceu algo bem singular nesse período de 10 ou 15 anos que precede o Código. É uma mistura bem inusitada, em primeiro lugar existia o Macartismo, uma caça às bruxas promovida por pessoas e senhoras católicas com muito pouco a fazer. Em segundo lugar, existia um anseio desmedido dos donos das editoras e estúdios por produzir material em massa seguindo modismos de gênero e sem muita preocupação com o conteúdo desde que conseguisse atrair o máximo de leitores possível. No meio disso tudo, eu acredito que grande parte dos autores que produziam quadrinhos somente como um modo de sustento começou, a ver o real potencial de suas artes e importar suas ideias e seus desejos. Eles pouco se importavam se era uma aventura ambientada no espaço ou em uma cripta… Era um período de ebulição criativa, de afirmação das revistas em quadrinhos que se afastavam do seu primo rico, as tiras de jornais. Era uma fase de busca selvagem por chocar e surpreender os leitores e tudo isso é muito fascinante. São trabalhos que continuam a influenciar até hoje.
A escolha do tema de ficção científica é bem mais simples. Tínhamos que começar de algum lugar e, realmente, você não encontra tantas antologias de ficção como as de terror e até de romance. A ideia era trazer um material relevante, até mesmo para leitores acostumados a comprar essas antologias importadas.
Na apresentação do trabalho vocês falam como conseguiram os scans dessas obras em domínio público em sites focados em preservação da história dos quadrinhos. Em quais condições estavam esses scans? Eles eram feitos a partir das edições originais? Quanto tempo levou pra recuperar todas essas HQs presentes no livro?
Carlos Junqueira: A maioria destes scans possui uma ótima qualidade para se ler no computador ou em tablets, mas quando impressas ficam serrilhadas. Se você reparar bem, a maior parte das revistas sendo impressas hoje, por diversas editoras diferentes, vem do mesmo scan, apenas com tratamentos de imagem diferente e, em sua grande maioria, as editoras mantém as revistas com suas cores originais. Foi graças ao trabalho dos responsáveis por esses sites e de colecionadores que emprestam suas revistas para serem escaneadas que todos estes relançamentos estão sendo possíveis. Sem esse material online disponível, seria impossível pensar em um projeto como o nosso, devido ao alto custo para se adquirir as revistas originais, sem falar no tempo necessário para encontrá-las.
Do começo do processo até o produto final que temos agora, já se passaram quase dois anos de tentativas e erros até chegar ao melhor resultado possível, sempre trabalhando em cima do material disponível online. Cada página é tratada manualmente para remover toda a cor e restaurar todas as imperfeições, chegando a demorar até uma hora por página, dependo da qualidade do scan. Para chegarmos às 31 histórias do livro, cheguei a tratar mais de 150 HQs, que foram sendo filtradas até chegar à seleção final.
Eu contei o nome de 23 autores nas biografias do livro. Há alguns artistas mais conhecidos, como Alex Toth, Jack Kirby e Joe Kubert, mas outros que imagino que poucos leitores conheçam. Desses nomes mais desconhecidos, há algum trabalho que chamou a sua atenção por algum motivo especial?
Carlos Junqueira: Para mim, a qualidade artística do trabalho produzido nesta época pelo Basil Wolverton, que depois ficou mais conhecido por seu trabalho de humor para a revista Mad, estava muito além do que vinha sendo feito por seus companheiros. Se você folhear as revistas originais em que estes trabalhos aparecem, não tem como comparar as outras histórias contidas nas publicações com as dele. Ele estava anos luz à frente do que estava sendo produzido.
Lauro Larsen: Fletcher Hanks, sem dúvidas. Ele tinha uma imagética selvagem, um destempero alucinado que impressiona até hoje. Não é de se surpreender que muitas de suas historias foram republicadas pela notória revista RAW, sem contar os livros dedicados a ele pela Fantagraphics.
Eu fico muito impressionado com a criatividade não só dos enredos como também das artes e dos designs de páginas dos quadrinhos do livro. Você consegue fazer um comparativo entre esse conteúdo produzido até 1954 e ficções científicas e HQs norte-americanas do nosso presente? É generalista falar de todo um gênero e até de uma indústria, mas você vê muita influência dos trabalhos desses artistas em publicações recentes? Vê algum tipo de retrocesso ou avanço em relação a o que esses quadrinistas faziam e o que é feito nos dias de hoje?
Lauro Larsen: Bom, podemos dizer que esse período e a fundação do que se tornou o quadrinho moderno, em todos os graus. Você tem gente como Jack Kirby, Steve Ditko e Joe Kubert, que praticamente pavimentaram todo o quadrinho mainstream americano. Não existiria o mercado de super-heróis sem Jack Kirby. Por outro lado, você tem caras como Basil Wolverton e o Fletcher Hanks e fica claro o impacto que eles têm num quadrinho mais underground americano. Caras como o Charles Burns tem muita influência destes autores.
É complicado a questão do retrocesso. É claro que o Código mutilou a indústria no seu momento de maior explosão criativa e o cenário seria muito diferente sem ele, mas as coisas são como são. E muito dessa base foi usada na indústria de super-heróis da Era de Prata.
Carlos Junqueira: Acredito que muitas dessas artes poderiam estar sendo produzidas hoje em dia, de tão avançadas que eram para a época em que foram lançadas – e creio que a maioria dos leitores acreditaria se falássemos que são criações dos dias atuais.
Qual balanço você faz em relação ao conteúdo que vocês selecionaram para o livro? Quando você vê todo esse material reunido, qual você considera ser o maior legado desses artistas para a linguagem dos quadrinhos?
Carlos Junqueira: Estou muito contente com o resultado final do livro, acho que conseguimos chegar onde queríamos: um produto de qualidade, feito com muito respeito pelos artistas envolvidos e principalmente respeito pelos fãs. Acho que muitos descobrirão gênios completamente desconhecidos e, assim como nós, vão se apaixonar pelos seus trabalhos.
Lauro Larsen: Não tem como quantificar o legado destes artistas para o quadrinho moderno. Acho que o livro dá um escopo bem completo do que era produzido nesses anos selvagens e eu não podia estar mais contente com todo o trabalho, acho que vai agradar tanto a jovens leitores quanto a leitores hardcore.
O livro sai com o selo Coleção Incendiária. Quais são os planos de vocês para essa coleção?
Carlos Junqueira: O plano é conseguir chegar o mais longe possível (risos) Vai depender da recepção dos leitores. O que posso adiantar é que além de terror e ficção científica, esse período ainda teve uma quantidade enorme de histórias de outros gêneros, como western, super-heróis, romance e etc. Durante esses dois anos de projeto já restaurei mais de duas mil páginas, de diversos outros temas. Quem sabe o que pode vir por aí? Western? Terror? Só o tempo dirá…
Lauro Larsen: A Coleção Incendiária é auto-explicativa, né? A ideia é conseguir apresentar o maior número de gêneros que permeavam o quadrinho pré-Code, sempre com todo esmero e cuidado que essas obras merecem. E vou te falar, com o barulho que o anúncio do projeto conseguiu, estou bem confiante que não vai demorar muito para vermos um segundo volume da coleção.
Sábado (29/7), às 14h30: uma conversa sobre Jornalismo em Quadrinhos com Alexandre de Maio, Carolina Ito e Robson Vilalba no SESC Itaquera em São Paulo
Ó, programão pra sábado (29/7): o Alexandre de Maio, a Carolina Ito e o Robson Vilalba vão conversar sobre jornalismo em quadrinhos lá no SESC Itaquera a partir das 14h30. Promessa de papo bem massa, com três dos principais especialistas no tema no país – e de graça, sempre bom lembrar. Ano passado mediei na Bienal de Quadrinhos de Curitiba um papo sobre o mesmo tópico com a presença do Alexandre de Maio e do Robson Vilalba e na Ugra Fest participei de uma conversa com a Carolina Ito tratando de produção de conteúdo sobre quadrinhos. Tem tudo pra ser ótimo ver os três falando juntos e ao vivo. Ó a sinopse que consta na página do evento lá no Facebook:
“Alexandre de Maio, Carolina Ito e Robson Vilalba conversam sobre o Jornalismo em Quadrinhos, termo que se popularizou em meados dos anos 1990 a partir da publicação das obras Maus, de Art Spiegelman, que recebeu o prêmio Pulitzer (até então concedido apenas a trabalhos jornalísticos), e Palestina, de Joe Sacco, série de livros-reportagem sobre os conflitos na Bósnia e na Faixa de Gaza. Hoje, largamente utilizado por diversos veículos de comunicação, o Jornalismo em Quadrinhos é uma poderosa ferramenta no sentido de comunicar temas complexos e delicados, de forma mais objetiva e acessível”
Vitralizado Recomenda #0014: Congestionamento (independente), por André Valente
As 12 páginas de Congestionamento (independente) surgiram a partir de um exercício proposto pela crítica e pesquisadora Maria Clara Carneiro no blog Balbúrdia: criar uma história inteira repetindo sempre o mesmo quadro. Recomendo todos os textos difundindo e motivando atividades Oulipo-oubapianas vindos do Balbúrdia, mas o que inspirou o trabalho mais recente de André Valente você lê aqui. Congestionamento apresenta oito personagens presos no trânsito de uma cidade e suas reações e atividades dentro de seus veículos. Tenho cada vez mais interesse em HQs construídas a partir de restrições espaciais, focadas em explorar alguma perspectiva pouco usual da linguagem dos quadrinhos, e fico impressionado como Valente sempre supre essas minhas expectativas.
[PS: o Lielson explica aqui como comprar o Congestionamento.]
Bar, O Miolo Frito e os bastidores de um boteco de São Paulo
Já comentei por aqui o tanto que gostei de Bar, álbum dos caras do Miolo Frito publicado há alguns meses pela Mino. Agora eu escrevi pra Rolling Stone de julho uma resenha da HQ. O meu texto sobre o quadrinho foi impresso do lado de críticas sobre o Paciência do Daniel Clowes e uma compilação de contos do Dostoiévski – o que considero um tremendo feito pra um quadrinho sobre um boteco pé sujo de São Paulo. Chamei atenção principalmente pra arte incrível e pro entrosamento de Breno Ferreira, Benson Chin, Adriano Rampazzo e Thiago A.M.S., dessa vez com a participação de Shun Izumi. Recomendo o meu texto na revista e, mais uma vez, o gibi.
Papo com Oscar Zarate, quadrinista e editor de A Vida Secreta de Londres: “Mais do que o editor de um livro eu me senti como o diretor de um orquestra”
Eu conversei com o quadrinista e editor argentino Oscar Zarate sobre o livro A Vida Secreta de Londres. O álbum recém-publicado por aqui pela Veneta chama atenção principalmente por reunir trabalhos de Alan Moore e Neil Gaiman. No entanto, os méritos da coletânea vão muito além da presença de dois dos maiores quadrinistas britânicos de todos os tempos. Em um período no qual se reflete tanto sobre o propósito das cidades e a relação de pessoas com os espaços urbanos nas quais elas vivem, o livro faz pensar principalmente sobre a influência desses espaços em seus moradores.
Transformei a minha conversa com Oscar Zarate em matéria pro UOL e recomendo bastante a leitura pra você saber mais sobre o projeto. Reproduzo a seguir a íntegra da nossa conversa e lembro que amanhã (22/7), a partir das 16h, estarei com o editor brasileiro do quadrinho, Rogério de Campos, lá na Ugra, pra um papo não apenas sobre o livro, mas também sobre HQs britânicas, psicogeografia e a conturbada realidade política e social de Londres em meio à saída eminente do Reino Unido da União Européia. Confirma presença lá na página do evento no Face e, em seguida, volta aqui pra ler a entrevista. Ó:
“Há um determinado horário do dia, quando os pubs fecham e outros tipos de sons ganham vida, que os prédios passam a contar suas próprias histórias, caso você tenha interesse em ouvi-las”
Como surgiu a ideia do livro? Por que Londres?
Estou morando em Londres há pelo menos 40 anos, eu escolhi viver aqui e amo essa cidade. É um lugar que está sempre me inspirando com novas ideias de histórias e para a maior parte das minhas graphic novels. Qualquer coisa que eu tenha interesse em contar e desenhar, Londres é o local no qual essas coisas existem. O que despertou a concepção de A Vida Secreta de Londres foi o meu interesse em um determinado horário do dia, quando os pubs fecham e um outro tipo de silêncio e barulho começam a ganhar vida na cidade. Os prédios passam a contar suas próprias histórias, caso você tenha interesse em ouvi-las.
Como foi a produção do livro? Os escritores e desenhistas podiam escolher os locais e personagens com os quais poderiam trabalhar? Coube a você montar as equipes criativas de cada história?
Como editor do livro eu tinha um mapa mental de como ele ficaria, do tom e do ritmo de cada história. Eram histórias que viajariam por toda Londres. Quando comecei a pensar os nomes daqueles que seriam os escritores, poetas, cineastas, comediantes e artistas que poderiam contribuir no livro, obviamente, eu pensei naqueles que já tinham um alguma relação com Londres em seus trabalhos e muito deles eram meus amigos também. Eu fui muito beneficiado pela oferta que tinha, com tantos talentos à minha disposição. Eu sabia que o Iain Sinclair queria escrever sobre o Rio Tâmisa, então tinha que pensar quem seria o artista para um escritor tão visionário e singular, aí cheguei no Dave McKean, seus trabalhos casam muito bem com a narrativa original do Iain. O Neil Gaiman estava morando por um tempo na região de Earl’s Court e perguntei se ele queria escrever sobre a vizinhança dele, um lugar único em Londres, no qual as pessoas estão sempre de passagem, sempre em trânsito, ficando apenas por breve períodos, ele disse sim e pensei no artista Warren Pleece, que tinha na época uma arte muito inquieta, passando uma sensação de agitação. O Alan Moore queria escrever uma espécie de epílogo para Do Inferno e como eu já tinha trabalhado com ele em A Small Killing foi natural que eu fizesse os desenhos.
Eu realmente gostei muito de trabalhar nesse livro. Quando penso no período de criação de A Vida Secreta de Londres eu sinto como se ele fosse a consequência direta de um esforço coletivo, de ouvir os autores e os artistas em relação a o que eles gostariam de contar e pensar qual artista trabalharia com cada escritor ou com qual artista cada escritor combinava. Mais do que o editor de um livro eu me senti como o diretor de um orquestra.
Eu li uma resenha do álbum que diz que ele consegue fazer moradores de Londres verem a cidade de uma forma nova. Você tinha preocupação em surpreender os londrinos em relação às histórias presentes no livro?
Uma das vantagens de ser um estrangeiro é que você pode ver a cidade a partir de uma outra perspectiva, com um olhar mais fresco. Você acaba percebendo algumas coisas, coisas que um morador local não verá, peculiaridades que um londrino não vai pensar muito a respeito, mas que você consegue notar por ter vindo de fora. Você ainda acrescenta o olhar de outra cultura. Os autores e artista ficaram estimulados com a minha curiosidade sobre Londres.
Qual a importância do preto e branco para criar a atmosfera sombria do livro?
Pra mim, o preto e branco contém todas as cores necessárias para expressar a atmosfera sombria de A Vida Secreta de Londres.
Você ilustrou a história do Alan Moore e já tinha trabalhado com ele em A Small Killing. Os roteiros dele são muito famosos pelo excesso de detalhes. O que você pode dizer sobre trabalhar com ele? Os roteiros são realmente tão impressionantes como dizem?
Eu já conhecia os roteiros cheios de detalhes do Alan e tive a oportunidade de ver os roteiros de Do Inferno. Garoto, como ele escreve!
Trabalhar com ele em A Small Killing foi uma experiência diferente. Eu procurei o Alan com uma ideia que queria fazer. Falei com ele sobre esse garotinho, alguém sendo observado e etc e ele disse que sim, que gostava da minha ideia básica e que nós dois iríamos trabalhar juntos. Nós nos encontrávamos com muita frequência, em Northampton, onde ele vive, ou em Londres, onde eu vivo. Sempre conversávamos sobre o livro e a história cresceu de forma bastante orgânica, a partir desses encontros. Depois o Alan escreveu.
Como refletimos muito sobre a história eu estava muito familiarizado em relação a como ela seria – na verdade, o que ele escreveu era muito melhor do que eu esperava. Acredito que o Alan tinha consciência da nossa relação de proximidade e fez um roteiro bastante objetivo. O que eu sei é que, nem antes ou depois de A Small Killing, o Alan nunca trabalhou de forma tão próxima de alguém na construção de um livro. Trabalhar com o Alan é trabalhar com alguém que sabe escutar, uma pessoa incrivelmente generosa para se compartilhar ideias.
O quanto você acha que o estilo de escrita do Alan Moore mudou desde a primeira vez que você trabalhou com ele?
Acredito que o Alan esteja escrevendo gradualmente cada vez menos para quadrinhos e cada vez mais focado nos seus trabalhos literários.
Londres tem sido alvo constante de atentados terroristas. Como você vê a cidade e os londrinos lidando com essas tragédias?
Poucos países europeus estão vivendo e sofrendo esses tipos de horrores como o Reino Unido. É a vida que estamos tendo agora. Como cidadão não é possível fazer muita coisa, você apenas segue vivendo sua vida tentando não pensar muito a respeito. Mas os governos poderiam fazer alguma coisa, como parar de vender armas para países repressores do Oriente Médio ou parar de bombardear outros países apenas por petróleo. Provavelmente não acabaria com esse tipo de horror em cidades como Londres, mas acredito que já ajudaria. Há outras questões tão importantes quanto esses ataques, como por exemplo a forma como o Reino Unido fará sua saída da União Europeia. A Inglaterra está uma bagunça. São tempos difíceis mas interessantes também, precisamos observar como todo esse horror será resolvido. Acho que a questão pode merecer uma resposta melhor, mas é assim que me sinto.
E como você acredita que quadrinhos e as artes podem ser úteis em um contexto mundial de radicalismo e conservadorismo como nos dias de hoje?
Nos quadrinhos, nas artes, como em tudo na vida, é sempre uma questão de qual lado você está. Você escolhe o seu lado e depois age. É muito importante escolher.