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Posts por data outubro 2018

HQ

Série Postal + Know-Haole + Diego Gerlach na Feria Des.Gráfica 2018

Ei, tá em São Paulo? Tem programa pra sábado (3/11) e domingo (4/11)? Recomendo um pulo no Museu da Imagem e do Som (MIS) para a edição de 2018 da Feira Des.Gráfica. O evento vai marcar o lançamento oficial da sexta edição da Série Postal 2018, de autoria do quadrinista Diego Gerlach. Os postais poderão ser retirados de graça na mesa do artista. Aliás, novidade boa: o Diego Gerlach estará relançando no evento os três primeiros números da série Know-Haole, revista do artista na qual foram apresentados todos os personagens presentes na última edição da coleção de 2018 da Série Postal. Tremenda oportunidade, viu? A Know-Haole é das empreitadas que mais curto nos quadrinhos nacionais e pela qual fico cada vez mais ansioso para os próximos números.

A Des.Gráfica rola sábado de 12h às 20h e domingo das 12h às 19h. Você confere a programação completa do evento e os expositores que estarão presentes na página da feira, clicando aqui. Enquanto isso, deixo a seguir uma prévia dessa edições #1, #2 e #3 do Know-Haole que o Diego Gerlach me enviou, junto com um textinho falando sobre esses relançamentos, além do resumo de cada número. Saca só:

“Na Des.Gráfica 2018, a Vibe Tronxa Comix vai ter pela primeira vez à disposição todo o catálogo de seu carro-chefe, o zine Know-Haole. KH é um zine de quadrinhos criado por Diego Gerlach em 2012 e publicado até os dias atuais, e que já conta com 8 edições.

Após a terceira edição, a série entrou num hiato, sendo que o quarto número retornaria só dois anos depois, com o thriller político Eduardo Cunha é o Bandido da Luz Vermelha, que obteve relativo sucesso entre crítica e leitores e reacendeu o interesse em torno do título.

Com esse modesto sucesso, leitores da VTC passaram a demandar as ‘lendárias’ três primeiras edições – que, verdade seja dita, não venderam tanto assim em sua época… Mas, que de todo modo, acabam de ser reimpresssas!”

Know-Haole #1 (R$ 5) – Publicado originalmente em 2012. Tiras, gags e histórias curtas foram o disparo inicial. Inclui ‘Vae victis, panaca!’, primeira HQ na série a ‘se inspirar’ em quadrinhos já existentes, utilizando em sua maioria desenhos copiados de uma HQ de Jambo e Ruivão.

Know-Haole #2 (R$ 10) – Originalmente publicada em 2013. Primeira edição a utilizar o modelo que se tornou padrão no título, onde uma história (autocontida) ocupa toda a publicação. Essa HQ foi criada em cerca de uma semana, após Gerlach perder as primeiras páginas do que seria a segunda edição num assalto. Em Propriedades da Hortelã, temos a introdução de Gilso, o cãozinho maroto que rapidamente se tornou o mascote da Vibe Tronxa (além de outros personagens que apareceriam em tramas posteriores, como Tenente Deoclécio e o Mendigo Sem Nome).

Know-Haole #3 (R$ 10) – Originalmente publicada em 2013. Provavelmente a edição da série que menos circulou (até hoje tinham sido feitas apenas cerca de 60 cópias). Essa foi a única edição a ser ‘recauchutada’ para republicação, com novas retículas e um acabamento gráfico mais efetivo do que a versão original (a história permanece intocada). Em Negativado temos mais uma aventura de Gilso, dessa vez acuado pela morte e às voltas com novos personagens, como Cadelão, o Bonde do Ágio e a vingativa cabeça de Yukio Mishima.

HQ

Luiz Gê: “O que está acontecendo é um grande ataque à liberdade”

No dia 25 de outubro de 2018 o quadrinista Luiz Gê (autor de Avenida Paulista e Ah, Como Era Boa a Ditadura…) participou de um bate-papo na loja da Ugra, em São Paulo, sobre a experiência dele como chargista e humorista gráfico durante os anos da ditadura. O papo realizado alguns dias antes da vitória de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais do último domingo foi muito além da vivência do artista no período ditatorial brasileiros e tratou de muitas das causas, das consequências e dos possíveis desdobramentos do nosso cenário político atual. A conversa foi gravada e compartilhada no canal Papo Zine, do jornalista Carlos Neto. Dá o play:

Entrevistas / HQ

A Plaf #2 está nas lojas: “Os quadrinhos não podem se alienar de seu papel político, democrático”

O segundo número da revista Plaf já está disponível nas principais lojas especializadas em quadrinhos do país. Editada por Paulo Floro, Carol Almeida e Dandara Palankof, a publicação tem capa assinada pelo quadrinista Mascaro, uma entrevista com o artista Marcelo D’Salete e quadrinhos de autoria de Jô Oliveira, Brendda Costa Lima, Felipe Portugal e Mascaro. Eu escrevi uma das matérias da edição, tratando dos hábitos de consumo de leitores brasileiros e sobre questões relacionadas ao comércio de HQs no país. A revista tem 60 páginas, formato 21x28cm e preço de R$ 15.

Conversei por email com um dos editores da Plaf, o jornalista Paulo Floro. Ele falou sobre os principais desafios na edição desse segundo número da publicação, as principais lições da edição de estreia, as matérias e os quadrinhos presentes na Plaf #2 e a missão de uma revista sobre quadrinhos em um contexto político conturbado, de conservadorismo aflorado e princípios democráticos em risco. Papo massa, saca só:

“Acreditamos na democracia e vamos defendê-la acima de tudo”

Duas páginas da Plaf #2 com entrevista com Marcelo D’Salete

A primeira edição da Plaf foi lançada em agosto de 2017, com a promessa de periodicidade bimestral, mas o segundo número saiu apenas em outubro de 2018. O que aconteceu? Por que esse atraso?

O que aconteceu foi uma série de problemas referentes a um edital de cultura que tínhamos vencido. A produção do número 2 se iniciou quase que ao mesmo tempo do lançamento da edição 1, mas nos vimos imersos em uma discussão em relação às regras do edital, sobretudo quanto aos prazos. Se tivéssemos sabido que existia essa possibilidade de atraso nunca teríamos divulgado a periodicidade. Tentamos de todas as maneiras explicar a importância do projeto, dos benefícios que isso trazia às publicações independentes. Esses atrasos no repasse da verba nos fizeram atrasar o lançamento da edição 2, que estava pronta. Queríamos primeiro resolver qualquer pendência primeiro.

Esse atraso afetou de alguma forma a produção da revista e o conteúdo presente nesse segundo número?

Não. A revista ficou praticamente pronta ao final do lançamento da #1. Mudamos algumas matérias, mas por uma questão editorial mesmo, não por conta do atraso. Ficamos felizes com o resultado, com as colaborações e com o incrível trabalho de diagramação de Erika Simona, que também criou nosso logo.

“Queremos discutir a forma, falar de mercado e celebrar esse divertido entretenimento que é ler um gibi, mas não podemos deixar de dar nossa contribuição sobre o que está acontecendo no Brasil”

Matéria da Plaf #2 sobre consumo de quadrinho no Brasil

Quais as principais lições que vocês tiraram do primeiro número da revista? Como vocês tentaram aplicar esse aprendizado na segunda edição?

O principal aprendizado é em relação à gestão mesmo. Acredito que agora temos mais experiência em trabalhar com editais e captação de recursos. É algo que demanda muita organização, conhecimento jurídico e paciência. Aqui em Pernambuco os artistas sempre foram bastante engajados no papel do poder público na promoção da arte e da cultura, mas os quadrinhos sempre tiveram pouca presença. Agora vejo que já existe uma organização nesse sentido, com editores e artistas mais próximos, dialogando sobre possibilidades. Espero que um dia a cena de quadrinhos possa ser articulada como a do cinema e música, que por batalharam por tantos anos hoje já possuem uma abertura bem maior junto aos espaços de discussões de políticas culturais, bem como nas empresas e editais governamentais. Mas, ao mesmo tempo, vejo que os tempos estão mais difíceis para todos. Além da cena de quadrinhos, esse movimento de união deve ser de toda a cadeia produtiva de arte e cultura.

Você pode falar um pouco mais sobre a capa desse segundo número? Por que o Cristiano Mascaro? Vocês passaram alguma pauta pra ele em relação à arte que estamparia a capa dessa edição?

Para a capa do segundo número queríamos um artista pernambucano, este foi nosso primeiro pensamento quando começamos a desenhar o número 2. E Mascaro sempre foi alguém que admiramos. Ele foi um dos criadores da Ragu, revista pioneira em Pernambuco e no Brasil. Até hoje acho impactante uma HQ que ele fez para a Ragu que trazia os meninos de rua gigantes. Lembro de ter ficado emocionado de verdade lendo aquela história e ainda hoje sinto o impacto quando releio. Mascaro sempre uniu a busca por uma inovação na forma e na narrativa com questões sociais no roteiro. Pra gente que tem a Ragu como uma das maiores inspirações, ter Mascaro nesta edição é uma honra. A gente pediu uma HQ a ele, mas não pautamos nenhum tema. Como já sabíamos do seu estilo a confiança de que sairia algo incrível era total. Ele fez uma história incrível, que lembra um lambe-lambe, ao mesmo tempo em que se assemelha a um ensaio visual, bem inovador mesmo. E bastante atual para representar essa crise moral e política em que vivemos. Em relação à capa dissemos apenas o tom do editorial, que conclama os leitores a irem pra rua comprar gibi, de fortalecer a circulação autoral de quadrinhos, de celebrar leitores e lojistas.

Página da HQ de Jô Oliveira presente no segundo número da revista Plaf

O que vocês destacam nesse segundo número da revista? 

Para esse segundo número a gente quis debater um pouco o mercado editorial brasileiro, dar nossa contribuição em um debate que é bastante complexo e que possui diversas abordagens. Então em um primeiro momento a proposta foi falar da lógica de consumo, o modo como consumimos quadrinhos. Tem ainda uma entrevista com Marcelo D’Salete sobre Angola Janga e a representação da negritude nos quadrinhos. Quando ele venceu o prêmio Eisner, a revista estava pronta, mas não tinha ido à gráfica ainda e por isso conseguimos incluir essa informação, que é um registro poderoso. D’Salete é uma voz importante não só nos quadrinhos brasileiros, mas da cultura como um todo. O trabalho que ele vem fazendo de pautar uma nova perspectiva de nossa história é algo importante, urgente, muda paradigmas da história dos negros e negras no país. Destaco também o perfil de Jô Oliveira, que é um quadrinista pernambucano que tem um trabalho muito importante, mas pouco reconhecido. Ele é mais publicado no exterior do que aqui. E tem a cobertura que fiz do Festival de Angoulême, que neste ano teve uma boa presença de brasileiros. E tem ainda um perfil da Marca de Fantasia, editoria da Paraíba feita por um homem só, o Henrique Magalhães.

De quadrinhos temos a HQ de Mascaro, que já citei, que é bem legal. Chamamos Roberta Cirne por ter um estilo muito particular, um traço barroco, denso, que curtimos muito. Ela se dedica a pesquisar histórias de terror no Recife e faz parte de uma cena de horror que vem crescendo em Pernambuco nas HQs, no cinema, teatro. Já Brendda Lima é um nome importante dessa nova geração de quadrinistas que se dedicam a trabalhos mais autobiográficos, já acompanhávamos há um tempo as HQs dela na web. E teve Felipe Portugal, que trouxe um ensaio em primeira pessoa, inclusive citando a revista. Já a HQ de Jô Oliveira era um trabalho que ele tinha guardado e nos cedeu depois do perfil que fizemos com ele. Imagina a nossa alegria quando ele nos mandou? Não chegou a ser intencional, mas ficamos felizes em saber que todos os quadrinhos desta edição são de autores nordestinos.

Uma página do quadrinho de Brendda Costa Lima para a Plaf #2

Eu fico curioso em relação a essa missão dupla da Plaf, como uma revista de quadrinhos e sobre quadrinhos. É muito distinta a experiência de editar uma matéria ou uma crítica e editar uma HQ? Aliás, como é a dinâmica de vocês com os quadrinistas? Vocês pautam os temas sobre os quais eles devem tratar?

Essa missão dupla realmente é um desafio massa de se ter, nos dá uma instiga de pensar o cenário de quadrinhos de maneira crítica com matérias e textos ao mesmo tempo em que buscamos dar espaço para artistas que admiramos. Em geral damos liberdade para os quadrinistas, no sentido de estilo, roteiro, narrativa. O que acontece é que muitas vezes pautamos o quadrinista em relação a algum tema ou ideia. Por exemplo: sempre admiramos os quadrinhos que Felipe Portugal postava em que ele aparecia como um alter-ego refletindo sobre diversos temas e tentando explicar algum conceito. Então pedimos algo parecido a ele, mas sem dizer um tema. E o resultado superou nossas expectativas. Na edição 1 queríamos uma HQ que falasse sobre o Recife e se passasse no Recife e convidamos Raoni Assis pela ligação afetiva que ele tem com a cidade enquanto artista, o que deu origem à HQ sobre o OcupeEstelita. Acreditamos que podemos comunicar através das HQs que trazemos na Plaf e por isso sempre estamos em diálogo aberto com os autores.

O Brasil está passando por uma imensa crise editorial e corre o risco de eleger para a presidência um indivíduo militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista (nota do editor: a entrevista foi feita antes do resultado do segundo turno da eleição presidencial). Qual vocês acreditam ser o papel da Plaf dentro desse contexto nefasto? Como a revista se posiciona em relação a esse cenário?

Acreditamos na democracia e vamos defendê-la acima de tudo. Desde o número 1 estamos falando editorialmente sobre o que pensamos, colocando a arte como um espaço de diálogo e reflexão. Os quadrinhos não podem se alienar de seu papel político, democrático. Queremos discutir a forma, falar de mercado e celebrar esse divertido entretenimento que é ler um gibi, mas não podemos deixar de dar nossa contribuição sobre o que está acontecendo no Brasil. Com muita humildade espero que a Plaf possa proporcionar informação para resistir nesses tempos duros. Fiquei feliz de ver uma movimentação nas redes em torno da hashtag #desenhospelademocracia com vários artistas trazendo conteúdo antifascista, debatendo as eleições deste ano. Ninguém mais hoje pode ficar neutro, sobretudo no que diz respeito à perda de direitos e retrocessos na democracia.

Página do quadrinho de Mascaro para a segunda edição da Plaf

Quais as principais lições que vocês tiraram desse segundo número? Como vocês pretendem aplicar esse aprendizado nas próximas edições?

O maior aprendizado diz respeito à gestão de um projeto como a Plaf, que envolve custos relativamente altos de produção e impressão. Queremos aplicar essa experiência para as próximas edições, sobretudo quanto aos prazos. Quando terminamos de editar a revista, a colocamos em pré-venda por acreditar que tudo sairia dentro do nosso cronograma. O resultado é que atrasamos, o que frustrou a expectativa de muita gente. Quando a revista finalmente saiu mandamos uma cartinha pedindo desculpas. Isso é algo que dificilmente faríamos. Também ficamos mais experientes com relação à distribuição, que era algo bastante novo para todo mundo na equipe. É bem mais complexo do que despachar pelos Correios. Envolve gestão de estoque, prestação de conta, loja online, etc, o que melhorou bastante. Aproveito para agradecer a todo mundo que apoia a revista e dizer que somos gratos por todo o carinho que recebemos até agora. O retorno foi bem positivo da número 1 e espero que essa edição 2 tenha o mesmo sucesso.

O que vocês podem adiantar sobre os próximos números da revista? Qual é o futuro da Plaf?

Queremos muito retomar nossos planos de ter quatro edições por ano, mas agora preferimos não mais falar de uma data exata de lançamento da número 3. Esperamos bastante conseguir capitalizar a revista para que ela tenha sustentabilidade a longo prazo. Esperamos sensibilizar marcas e empresas do enorme potencial que a publicação possui, do diálogo que mantém com diversos públicos, pensar parcerias. Para esse número 2, que acabou de sair, ainda queremos fazer mais lançamentos. O mercado vive um momento muito complicado e nem arrisco a fazer uma previsão, mas com certeza vamos manter o nosso projeto editorial de falar de quadrinhos de uma maneira plural, inclusiva, dando destaque para a produção brasileira. Quem quiser embarcar nesse projeto conosco, será super bem-vindx. 🙂

A capa da Plaf #2

HQ

O Vitralizado é oposição e resistência

“Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”, Millôr Fernandes

O Vitralizado reforça sua linha editorial como um blog de oposição e resistência frente à vitória de um indivíduo militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista nas eleições presidenciais brasileiras de 2018. O blog abre suas portas para artistas, editores, lojistas, leitores e demais amigos com posições antagonistas aos posicionamentos retrógrados de Jair Bolsonaro. Nossos trabalhos estão apenas começando. Jamais armazém de secos e molhados.

Entrevistas / HQ

Papo com Kate Evans, a autora de Refugiados – A Última Fronteira: “Quando as pessoas se desesperam, o extremismo floresce”

Segundo um censo da organização não governamental britânica Help Refugee, o campo de refugiados e migrantes da cidade francesa de Calais chegou a abrigar 8,143 pessoas com o objetivo de chegar ao Reino Unido via o porto do município francês ou pelo trajeto do túnel que percorre o Canal da Mancha. Desmantelado em outubro de 2016 e também conhecido como Selva de Calais, o campo é até hoje um dos principais símbolos da crise migratória mundial e foi classificado pela ONG internacional Human Rights Watch como “o inferno na terra”, por conta das condições precárias oferecidas aos seus moradores e dos abusos constantes por parte das autoridades francesas contra a população vivendo no local.

A quadrinista britânica Kate Evans narra em Refugiados – A Última Fronteira suas experiências como voluntária em Calais ao longo de três visitas feitas por ela ao campo entre outubro de 2015 e fevereiro de 2016. “Eu precisava mostrar às pessoas o que eu tinha visto”, conta a artista em entrevista ao blog sobre seu trabalho mais recente publicado em português – em 2017, a WMF Martins Fontes publicou Rosa Vermelha, projeto prévio da autora. A HQ recém-lançada no Brasil pela Darkside Books apresenta relatos colhidos por Evans durante suas idas ao campo e apresenta testemunhos de habitantes do local sobre seus dramas. As fontes da artista relatam as vidas que deixaram para trás e seus sonhos com uma possível nova vida em território britânico.

“O projeto neoliberal falhou e quando as pessoas se desesperam, o extremismo floresce”, diz Evans sobre suas interpretações em relação ao que teria dado errado na humanidade a ponto do surgimento de um ambiente como a Selva de Calais. Uma das vilãs do livro é inclusive a líder da extrema-direita francesa Marine Le Pen – aquela mesmo que criticou o candidato fascista à presidência brasileira Jair Bolsonaro, por dizer coisas “extremamente desagradáveis”. Refugiados é um livro necessário e didático. Um alerta em tempos de conservadorismo aflorado, de pouca empatia e de humanismo limitado. A seguir, papo com Kate Evans:

“Eu precisava mostrar às pessoas o que eu tinha visto”

A quadrinista Kate Evans conversando com alguns dos refugiados do campo em Calais

Você lembra do momento em que teve a ideia de criar Refugiados?

Eu visitei Calais em outubro de 2015. Soube que iria fazer o quadrinho no minuto que eu visitei. Quando voltei para casa, tive que fazer. Eu precisava mostrar às pessoas o que eu tinha visto. Isso se tornou um post no meu blog, que depois se tornou o primeiro capítulo de Refugiados. Voltei ao acampamento mais duas vezes e percebi que tinha o suficiente para um livro.

Seu livro está sendo publicado no Brasil em um contexto de preconceitos aflorados contra minorias. Qual mensagem você espera que seus leitores tirem desse trabalho?

Que somos todos pessoas, que somos todos habitantes do mesmo planeta. Que não temos nada a temer, e temos tudo a ganhar com compaixão e cooperação. Que a construção de muros aprisiona todos nós.

A líder da extrema-direita francesa Marine Le Pen em quadro de Refugiados – A Última Fronteira

Sobre esses mesmos preconceitos e essa crescente falta de empatia, o que você acha que está acontecendo com a humanidade? E por que agora?

O projeto neoliberal falhou. As mudanças climáticas estão começando a tornar partes do planeta inabitáveis. A riqueza está subindo em espiral para os bolsos do 1%. Quando as pessoas se desesperam, o extremismo floresce. Nas palavras de Rosa Luxemburgo, nos deparamos com uma escolha simples: ‘socialismo ou barbárie’.

Uma sequência de Refugiados – A Última Fronteira

Você é otimista em relação ao nosso futuro?

Eu estou sempre otimista. Tudo é político. Cada pequeno ato de bondade e união. Tudo conta.

Você considera seu trabalho em Refugiados como jornalismo de quadrinhos?

É reportagem em quadrinhos, que é um formato já consagrado. Eu não me considero jornalista, no entanto. Eu me considero um ativista, e minha primeira responsabilidade em uma situação de crise é tentar aliviá-la, participar dela, não ficar parado tentando ‘encontrar a história’. Jornalistas aspiram à objetividade, enquanto eu uso uma abordagem novelística para colocar em camadas eventos reais com representações emotivas, a fim de evocar sentimentos específicos no leitor. Eu também moldo o ritmo da narrativa ao longo do livro em um arco emocional mais amplo – conduzo o leitor em uma jornada. Então, nesses dois aspectos, meu trabalho está mais próximo de ser uma graphic novel do que um relato jornalístico. No entanto, é tudo verdade! Eu não inventei nada!

Uma página de Refugiados – A Última Fronteira falando sobre as bordadeiras da cidade de Calais

Você poderia me contar um pouco sobre como você definiu seu estilo em Refugiados? Seu outro livro publicado aqui no Brasil, Rosa Vermelha, apresenta uma arte muito diferente desse álbum mais recente, certo?

Eu acho que ele se definiu sozinho. Uma vez que descobri que Calais era uma cidade de rendeiras, eu tinha o ‘gancho’ visual para enquadrar o trabalho. Bordas de renda branca significavam que eu precisava de páginas coloridas e um efeito de colagem. Eu provavelmente sou mais inspirada pelo trabalho da Lynda Barry em One! Hundred! Demons!, bem como pelo trabalho de lápis colorido de Raymond Brigg.

Você poderia me contar um pouco sobre suas técnicas? Que tipo de material você usa?

Lápis de cor no papel. Todos os bordados eu incluí no Photoshop. Foi bom poder usar todos os meus enfeites de renda e pedaços de coisas de artesanato e em um trabalho pra valer, ao invés de coisinhas que faço para bebês com pedaços desses materiais.

“A hostilidade, o racismo e as visões reacionárias estão em ascensão, e em resposta, as pessoas sempre se levantam onde podem protestar, proteger e ajudar”

A quadrinista Kate Evans conversando com alguns dos refugiados instalados no campo de Calais

Você tem alguma curiosidade em relação à forma como o seu trabalho será lido e interpretado em um país tão diferente do seu, como o Brasil?

Eu fico interessada em saber o que as pessoas pensarão de mim, a narradora – na verdade, uma dona de casa inglesa de meia-idade com uma vida confortável que caiu no meio de uma catástrofe. Há uma distância crítica no livro em que me apresento como uma personagem um pouco ingênua. Você pode rir de mim por ser uma pessoa branca tola e privilegiada. Eu escrevi assim de propósito.

Há um elemento de Refugiados que é universal, em que todos nós estamos vendo migração, despossessão, desespero – em toda parte a hostilidade, o racismo e as visões reacionárias estão em ascensão, e em resposta, as pessoas sempre se levantam onde podem protestar, proteger e ajudar. E há uma mensagem forte em Refugiados com a qual todos podem se identificar, o poder do amor de uma mãe por seus filhos.

A capa de Refugiados – A Última Fonteira, álbum da quadrinista Kate Evans

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PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #13: Nota do editor]

Encerro hoje a série PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores. A proposta desse especial do Vitralizado foi de compartilhar semanalmente com os leitores do blog o desenvolvimento de PARAFUSO ZERO – Expansão, álbum do quadrinista Jão no qual eu estava trabalhando como editor. O primeiro dos posts foi publicado no dia 30 de julho e continuamos com a empreitada ao longo de 13 segundas-feiras, incluindo hoje, mostrando as reflexões, as dúvidas e os planos do autor durante a produção do quadrinho e do período da campanha de financiamento coletivo com o objetivo de bancar a impressão do projeto.

Como já escrevi por aqui na semana passada e imagino que você já saiba, a campanha de financiamento coletivo no Catarse não virou. Conseguimos R$ 23,739, 83% da nossa meta de R$ 28,500, graças ao apoio de 229 pessoas. Ainda tô numa certa ressaca desses 60 dias de trabalho pesado na campanha e mais de sete meses desde a conversa em que o Jão me chamou para editar o livro. Também estou triste, óbvio. Mas foi demais, viu?

Eu, o Jão e a Helen Murta (sócia da editora Pulo e assessora da campanha) ainda faremos uma reunião avaliando os erros e acertos do projeto. Eu tenho plena consciência que poderíamos ter feito melhor uma coisa ou outra, mudado um detalhe aqui e ali que talvez tivesse contribuído para o nosso sucesso, mas tudo bem, faz parte. Nesse meio tempo eu tive o prazer de entrevistar e trocar ideia com um dos meus quadrinistas preferidos, um dos artistas brasileiros que mais admiro, e aprender um monte sobre quadrinhos e edição. Em meio a essas conversas também tive várias lições enriquecedoras sobre divulgação e estratégia com a Helen. Só tenho elogios e coisas boas a dizer sobre meus dois parceiros nessa empreitada.

Nosso objetivo era ver PARAFUSO ZERO – Expansão impressa e isso não rolou, mas cê saca o volume de conteúdo que produzimos? Não sei se tem alguma vantagem aí, mas não lembro de nenhum quadrinho não publicado sobre o qual se falou tanto. O Jão deu entrevista pro Papo Zine, conversou com os caras do Pipoca & Nanquim e protagonizou uma edição do HQ Sem Roteiro. Além dos depoimentos dele pra PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores, o projeto foi notícia em vários outros sites, perfis e canais de produção de conteúdo sobre quadrinhos.

Foi divertido pra caramba e agradeço a sua companhia por aqui ao longo das 13 segundas de PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores. Com certeza uma das empreitadas em que mais me diverti nesses seis anos do blog. Também agradeço a parceria do Jão e da Helen, grandes amigos com quem não vejo a hora de trabalhar outra vez. Seguimos!

FIM?

ANTERIORMENTE:

>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #12: Balanço e próximos projetos];
>>PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #11: Estrutura, experiência de leitura e construção narrativa];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #10: Catálogo de personagens];
>>PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #9: Facebook, drogas psicodélicas e algoritmos falhos];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #8: Viabilidade, encontros e trocas];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #7: Chris Ware, Elza Soares, Emicida e uma teia paranóica de referências];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #6: Akira, Wally e paralelismos distópicos];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #5: Proporções extremas e a insignificância humana no Universo];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #4: A origem do ‘Formato Jão’];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #3: Um sonho com Moebius];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #2: Baixo Centro, Flores e texto];
>> PARAFUSO ZERO – Expansão: Bastidores [Parte #1: origens, restrições e OuBaPo].