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Posts por data junho 2020

Entrevistas / HQ

Papo com Julio Shimamoto, autor de O Ditador Frankenstein: “Sinto muito orgulho de ter exercido meu papel de cidadão, me servindo da arte como minha arma de protesto”

Entrevistei o quadrinista Julio Shimamoto para escrever sobre a coletânea O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Tortura e Milicos para a Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural.

O meu texto é focado principalmente nos 18 dias de 1969 que o artista passou preso entre as sedes da Operação Bandeirante (Oban) e da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), órgãos do governo militar voltados para a captura, tortura e assassinato de indivíduos considerados subversivos pelas autoridades da época.

Você lê aqui o meu texto sobre O Ditador Frankenstein, obra lançada pela editora MMArte e editada e organizada pelo quadrinista, pesquisador e músico Márcio Paixão Júnior.

Reproduzo agora a íntegra da minha entrevista com Shimamoto. Na conversa a seguir ele aprofunda seus temores sobre o Brasil presidido por Jair Bolsonaro, fala sobre como vem enfrentando seu período de isolamento social durante a pandemia do novo coronavírus e trata de sua busca constante por novas técnicas de trabalho.

“Hoje prefiro lidar mais com ferramentas do que desenhar”

Quadros de uma das HQs presentes na coletânea O Ditador Frankenstein, de Julio Shimamoto (Divulgação)

Antes de tudo, como vai o senhor? Como o senhor está encarando a pandemia do coronavírus?

Aqui  estamos bem, confinados dentro de nosso ‘bunker’, mas quatro vizinhos de nossa quadra se foram devido à COVID-19.

Mesmo como quadrinista, eu jamais seria capaz de imaginar uma pandemia como essa, capaz de deixar o mundo inteiro de joelhos.

O contexto de isolamento social afetou de alguma forma a sua rotina diária?

Sou do tipo eremita, daqueles que pagam para não sair de casa, logo não me sinto nem um pouco afetado por causa do confinamento compulsório. Mas me incomoda o fato de não poder sair para comprar um simples eletrodo numa casa de ferragens, mesmo estando localizada perto de minha casa. Pedi por telefone por recomendação de minhas filhas. Ah, devo esclarecer que hoje prefiro lidar mais com ferramentas do que desenhar…

Qual a memória mais antiga que você tem da presença de quadrinhos na sua vida?

Tinha cinco anos de idade, em 1944, no distante sertão próximo das divisas de São Paulo com Mato Grosso, quando papai, ao retornar de uma viagem, me trouxe de presente três revistas de quadrinhos: Gibi, Globo Juvenil e Guri. Foram os presentes mais marcantes da minha vida.

“O desenhista também pode acabar virando canastrão se seguir produzindo no modo ‘piloto automático'”

Página de uma das HQs presentes em O Ditador Frankenstein, de Julio Shimamoto (Divulgação)

O que mais interessa ao senhor no uso da linguagem dos  quadrinhos?
 
O timing ou o ritmo da narrativa e a ênfase na ação.

Em termos de fantasia e terror, gêneros predominantes em O Ditador Frankenstein, quais são as principais leituras e influências do senhor?

Serei abrangente. Movido por curiosidade, sou um leitor eclético que aprecia ler sobre diversos assuntos. Mas tive minhas fases específicas. Na pré-adolescência li muitos livros de aventura de autores como Rudyard Kipling, Karl May e Monteiro Lobato. Na adolescência mergulhei nos livros policiais de Ellery Queen, Agatha Christie, Conan Doyle e Raymond Chandler. E na ficção científica: Isaac Asimov, H. G. Wells, Julio Verne e Arthur C. Clarke. Passei a ler os livros de terror por necessidade profissional, a fim de estudar a estrutura narrativa do gênero: Edgar Alan Poe, H. P. Lovecraft, E.T.A. Hoffmann,  Bram Stocker. O Ditador Frankenstein é uma coletânea de HQs de terror de vários autores, onde me incluo,  sem influências específicas, a não ser o foco comum no autoritarismo e na repressão. Essas HQs todas foram produzidas no período da ditadura militar no Brasil. 

O Márcio Jr publicou com o senhor o Cidade de Sangue e agora a coletânea O Ditador Frankenstein, são obras produzidas a partir de técnicas muito distintas, correto? O senhor pode falar um pouco sobre as suas técnicas, por favor?

Exatamente. Costumo variar de estilo para não sentir tédio. O desenhista também pode acabar virando canastrão se seguir produzindo no modo ‘piloto automático’. Ninguém gosta de repetir o mesmo prato todos os dias. Ao buscar um traço distinto para cada trabalho, sinto-me desafiado, e bastante motivado.  

O senhor tem alguma técnica preferida no momento?

Sim. Gosto muito do estilo xilográfico, mas não da forma de fazê-lo, entalhando com formão ou goiva a superfície da tábua. É muito trabalhoso e demanda tempo excessivo. Desenvolvi uma técnica bem mais simples, que chamo de ‘esvaziamento’: cubro uma cerâmica ou azulejo branco com tinta acrílica preta fosca, e depois de seca, desenho figuras em cima por raspagem, usando ponta de prego ou de espetinho de bambú. O efeito é de autêntica xilografia.

“Externar essa insatisfação nos quadrinhos era a nossa forma de protestar e expurgar nossa contrariedade”

Página de uma das HQs presentes em O Ditador Frankenstein, de Julio Shimamoto (Divulgação)


Ao longo de O Ditador Frankenstein também são apresentadas algumas técnicas distintas, certo? Quais eram os seus materiais preferidos na época?

Correto. Pincel, bico de pena, palito de dente, aerógrafo e água sanitária.

Como era a dinâmica de trabalho do senhor com os roteiristas e outros profissionais envolvidos na produção das HQs de O Ditador Frankenstein?

Nada excepcional. No Rio de Janeiro, eu ia até as editoras apanhar os roteiros, e das que ficavam em outros estados recebia por correio. Naquela época não havia fax, nem internet. O contato entre roteirista e desenhista era zero.

Por mais fantásticas que sejam, acho que as melhores histórias de terror tratam da nossa realidade, do nosso mundo, do nosso presente. O Ditador Frankenstein assusta exatamente por isso, mesmo as tramas com elementos mais fantásticos estão falando de terrores reais, como censura e tortura. Foi desafiador, de alguma forma, tratar de temas tão sérios e atuais dentro dos gêneros que o senhor e seus parceiros criativos escolheram trabalhar?

Havia o risco de cairmos na malha da censura, mas também era insuportável o sentimento de repulsa em relação ao regime de força a que todos estávamos submetidos. Externar essa insatisfação nos quadrinhos era a nossa forma de protestar e expurgar nossa contrariedade.

O que o senhor pensa ao ver esses trabalhos publicados há tantos anos serem reeditados no Brasil de 2020?

Foi do Márcio Júnior a ideia de republicar esses trabalhos, diante da ameaça da ideologia extremista que está em fermentação crescente no país, e concordei de imediato. Essas HQs podem ajudar os leitores mais distraídos a enxergar o sinal amarelo no nosso cotidiano político.   

“Se desaparecesse naquele quartel, torturado e morto, ninguém no mundo ficaria sabendo”

A capa da coletânea O Ditador Frankenstein, de Julio Shimamoto (Divulgação)


O que representava para o senhor trabalhar em histórias sobre a ditadura durante a ditadura? E o que representa para o senhor hoje ter feito esses trabalhos durante a ditadura e sobre a ditadura?

Acho que foi respondida antes. Essas HQs serviram como nossa válvula de descompressão da raiva contra a ditadura. Sinto muito orgulho de ter exercido meu papel de cidadão, me servindo da arte como minha arma de protesto.  

O senhor vê paralelos entre o Brasil pós-golpe de 64 e a nossa realidade atual? Se sim, quais seriam?

A tensão se assemelha, mas o contexto difere completamente. O golpe de 64 tinha componente externo, motivado pela Guerra Fria (EUA x União Soviética). Nossos generais e nossos políticos conservadores estavam alinhados com os EUA, e o governo vigente exercia a neutralidade,  mantendo intercâmbio com socialistas e com capitalistas. 

Hoje temos um militar no governo eleito democraticamente, mas que está militarizando toda a estrutura para buscar presidir o país monocraticamente, como numa ditadura. Está tentando sufocar o Congresso e o Judiciário.

O Márcio também fala no prefácio sobre o período do senhor detido nas sedes da Oban e do Dops. Quais sentimentos e memórias o senhor tem desse período preso?

Foi uma experiência terrível e única, igual a pesadelo desperto. Imagine ser detido no meio de seu trabalho cotidiano e ser levado preso e jogado num xadrez sujo, sem água na pia, sem leito, sem chuveiro, e sem vaso na privada (apenas um buraco sobre esgoto), e uma única refeição por dia, temperada com salitre para inibir sua libido, servida em prato encardido, mal-lavado de propósito para abater seu moral e sua dignidade. Tinha que dormir no chão sob uma folha de jornal, assaltado pelas pulgas. A insônia era provocada pelos gritos lancinantes, principalmente de mulheres que estariam sendo torturadas. Isso em 1969, e a Oban era dirigida pelo [Carlos Alberto] Brilhante Ustra, coronel carniceiro, reverenciado por Bolsonaro como grande herói nacional.  Isso sem direito a nenhum advogado. Se desaparecesse naquele quartel, torturado e morto, ninguém no mundo ficaria sabendo.

“Eu acho maravilhoso estar vivo”

Página de uma das HQs presentes em O Ditador Frankenstein, de Julio Shimamoto (Divulgação)


O que o senhor sente quando vê o atual presidente se dizer um admirador de Carlos Alberto Brilhante Ustra?

Deveria sentir arrepio, mas tal afirmação só me desperta profundo desprezo e asco.

Tenho curiosidade em relação à visão de mundo do senhor no momento. O que o senhor acha que está acontecendo com o mundo? O senhor é otimista em relação ao nosso futuro?

Eu acho maravilhoso estar vivo, apesar dos meus 81 anos de vida. As coisas que vivenciei até agora, boas e más, fazem parte desse fenômeno que é viver. Sei que não viverei muito tempo, e estou sendo muito sovina com o tempo que me resta, e não planejo mais fazer quadrinhos, salvo alguma exceção extraordinária. Estou ilustrando capas e fazendo ilustrações avulsas, mas o que prezo mesmo é lidar com ferramentas, até onde eu tiver forças e lucidez. O mundo não será pior nem melhor, será sempre o que foi, com gerações se revezando em conflitos e em paz. Com pandemia ou sem pandemia.

O quadrinista Julio Shimamoto (Divulgação/Márcia Yumi)
HQ / Matérias

Sarjeta #9: Julio Shimamoto fala sobre seus 18 dias preso pela ditadura militar

Está no ar a nona edição da Sarjeta, minha coluna sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Entrevistei uma lenda dos quadrinhos nacionais, Julio Shimamoto, para escrever sobre O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Tortura e Milicos, publicação da editora MMArte editada e organizada pelo quadrinista, pesquisador e músico Márcio Paixão Jr.

Apresento no texto um depoimento de Shimamoto sobre os 18 dias que ele passou preso entre as sedes da Operação Bandeirante (Oban) e da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS), órgãos do governo militar voltados para a captura, tortura e assassinato de indivíduos considerados subversivos pelas autoridades da época. Na entrevista que fecha a coluna, uma conversa com a quadrinista Amanda Treze, autora do álbum Brisa Errada.

Você lê a nona Sarjeta clicando no link a seguir: Sarjeta #9: Quadrinista preso na ditadura expõe traumas do Brasil militarizado: “Igual a pesadelo desperto”.

HQ / Matérias

Quadrinista preso na ditadura expõe traumas do Brasil militarizado: “Igual a pesadelo desperto”

[[Texto para a nona edição da Sarjeta, minha coluna no site do Instituto Itaú Cultural]]

O quadrinista Julio Shimamoto sumiu durante 18 dias em 1969. Amigos e familiares não tiveram notícias e desconheceram o paradeiro do artista durante pouco mais de duas semanas. Ele fora visto pela última vez saindo para seu horário de almoço na agência de publicidade na qual trabalhava em São Paulo. Abordado por dois agentes federais, ele foi colocado em um camburão e sumiu.

“Se eu desaparecesse naquele quartel, torturado e morto, ninguém no mundo ficaria sabendo”, diz o autor, hoje aos 81 anos, quando pergunto sobre o ocorrido.

Shimamoto foi levado para a sede paulista da Operação Bandeirante (Oban). Segundo o Arquivo Nacional, a Oban tinha o “objetivo de identificar, localizar e capturar militantes considerados ‘subversivos’ pelo regime” e era“composta por militares do Exército, Marinha e Aeronáutica, policiais federais, agentes do Serviço Nacional de Informações, e policiais da Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS)”. 

“Oficialmente sem dotação orçamentária, a Oban recebeu recursos de empresas privadas brasileiras e de multinacionais para o seu funcionamento”, diz o texto do Arquivo Nacional.

Após 13 dias na Oban, o quadrinista foi transferido para a sede estadual do DOPS, principal órgão de repressão e tortura da ditadura brasileira, e lá ele ficou por mais cinco dias.

Página de O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Torturas e Milicos, coletânea com HQs de Julio Shimamoto sobre a ditadura (Divulgação)

“Foi uma experiência terrível e única, igual a pesadelo desperto”, lembra Shimamoto. “Imagine ser detido no meio de seu trabalho cotidiano e ser levado preso e jogado num xadrez sujo, sem água na pia, sem leito, sem chuveiro, e sem vaso na privada (apenas um buraco sobre esgoto), e uma única refeição por dia, temperada com salitre para inibir sua libido, servida em prato encardido, mal lavado de propósito para abater seu moral e sua dignidade”.

Ele continua: “Tinha que dormir no chão sobre uma folha de jornal, assaltado pelas pulgas. A insônia era provocada pelos gritos lancinantes, principalmente de mulheres que estariam sendo torturadas. Isso em 1969, a Oban era dirigida por [Carlos Alberto] Brilhante Ustra, coronel carniceiro, reverenciado por [Jair] Bolsonaro como grande herói nacional”.

A motivação por trás da prisão de Shimamoto foi a presença de seu nome em uma lista de amigos e colegas de profissão que doaram dinheiro para um publicitário exilado na Europa. 

Muitas das lembranças e dos traumas de Shimamoto desse período foram representados graficamente pelo artista por meio de materiais como pincel, bico de pena, palito de dente aerógrafo e água sanitária nas 12 HQs impressas na coletânea O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Tortura e Milicos. A publicação da editora MMArte foi organizada pelo pesquisador, músico e quadrinista Márcio Paixão Júnior.

Nascido em Borborema, São Paulo, Shimamoto é um dos grandes dos quadrinhos nacionais. Contemporâneo de Mauricio de Sousa e Jayme Cortez, publicou a tira O Gaúcho na Folha de S. Paulo, nos anos 1960, e ilustrou HQs de fantasia, terror e samurais para editoras como Vecchi, Grafipar, Bloch e RGE. No final de 2019 foi o autor homenageado no espaço destinado aos quadrinistas da Comic Con Experience, convenção de cultura pop em São Paulo apontada como o maior evento do tipo no mundo em termos de presença de público.

A capa de O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Torturas e Milicos, coletânea com HQs de Julio Shimamoto sobre a ditadura (Divulgação)

Apenas uma das 12 histórias que compõem as 220 páginas em preto e branco de O Ditador Frankenstein foram produzidas antes do golpe militar de 1964. O Gêmeo, de 1960, é protagonizada por um presidente torturador de um pequeno país, antevendo os ares ditatoriais crescentes que cercavam a América do Sul na época.

Obra que dá nome ao álbum, O Ditador Frankenstein foi publicada originalmente no 26º número da revista Spektro, de 1982. Trata-se de uma parceria de Shimamoto com o roteirista Luiz Antonio Aguiar sobre um cientista que cria um tirano a partir de partes dos corpos de três militares recém-falecidos que comandavam um país.

Com apenas duas páginas, A Maldição do AI-5 saiu encartada na 461ª edição do Pasquim, do dia 28 de abril de 1978, e conta com arte de Shimamoto e roteiro do cartunista e escritor Nani e do cartunista e comediante Reinaldo. A HQ narra a investigação de um jornalista que suspeita do boato de “forças ocultas e poderosas se articulando para institucionalizar o medo e o terror em uma aldeia”.

Entre os antagonistas mais habituais dos militares que protagonizam as HQs estão jornalistas incapacitados de exercer suas atividades e revolucionários oprimidos pelas forças ditatoriais.

“Havia o risco de cairmos na malha da censura, mas também era insuportável o sentimento de repulsa em relação ao regime de força a que todos estávamos submetidos. Externar essa insatisfação nos quadrinhos era a nossa forma de protestar e expurgar nossa contrariedade”, diz Shimamoto sobre o impulso por trás da produção dessas histórias. “Sinto muito orgulho de ter exercido meu papel de cidadão, servindo da arte como minha arma de protesto”.

Página de O Ditador Frankenstein e Outras Histórias de Terror, Torturas e Milicos, coletânea com HQs de Julio Shimamoto sobre a ditadura (Divulgação)

E Shimamoto não apenas externou sua repulsa à ditadura nas HQs reunidas em O Ditador Frankenstein. O livro serve de amostra para o domínio narrativo e a diversidade de técnicas do autor. Seu traço varia de quadrinho para quadrinho, os designs das páginas são alternados entre cada HQ e também fica explícita a pluralidade de materiais utilizados por ele.

“O desenhista também pode acabar virando canastrão se seguir produzindo no modo ‘piloto automático’. Ninguém gosta de repetir o mesmo prato todos os dias. Ao buscar um traço distinto para cada trabalho, sinto-me desafiado, e bastante motivado”, me conta o autor.

Ele também se diz feliz por ver alguns de seus trabalhos de décadas atrás republicados e acessíveis para novas gerações, podendo ajudar leitores mais distraídos a “enxergar o sinal amarelo de nosso cotidiano político”.

Encerrei a minha conversa com Shimamoto perguntando se ele é otimista sobre o nosso futuro. A resposta veio acompanhada de um balanço sobre suas oito décadas de vida e da revelação que ele não pretende voltar a produzir histórias em quadrinhos. Mas ele não cogita a aposentadoria e tem planos de continuar experimentando diferentes técnicas de ilustração. 

“Acho maravilhoso estar vivo, apesar dos meus 81 anos de vida. As coisas que vivenciei até agora, boas e más, fazem parte desse fenômeno que é viver. Sei que não viverei muito tempo, e estou sendo muito sovina com o tempo que me resta, e não planejo mais fazer quadrinhos, salvo alguma exceção extraordinária. Estou ilustrando capas e fazendo ilustrações avulsas, mas o que prezo mesmo é lidar com ferramentas, até onde eu tiver forças e lucidez. O mundo não será pior nem melhor, será sempre o que foi, com gerações se revezando em conflitos e em paz. Com pandemia ou sem pandemia.”

Duas páginas de Brisa Errada, álbum independente da quadrinista Amanda Treze (Divulgação).

Três perguntas para… Amanda Treze, autora do álbum Brisa Errada

A nona edição da seção que encerra Sarjeta tem como convidada a quadrinista e ilustradora Amanda Treze, autora do álbum independente Brisa Errada.

O que você vê de mais especial acontecendo na cena brasileira de quadrinhos hoje?

Acho que tá rolando uma certa democratização na distribuição de quadrinhos por conta das redes sociais. E isso possibilita que mais quadrinistas independentes possam mostrar seus trabalhos e o efeito colateral disso é uma comunidade artística que se comunica e se apoia.

Como leitora e autora, o que mais te interessa hoje em termos de histórias em quadrinhos?

Faço parte de uma geração que cresceu assistindo filmes de princesa e heróis. As histórias que mais me atraem atualmente são as que fogem da fórmula colonizadora. Narrativas que demonstram identidade de seu povo e de sua época.

Qual a memória mais antiga que você tem da presença de quadrinhos na sua vida?

Acho que todo brasileiro foi alfabetizado com Turma da Mônica e eu não fujo muito disso. Entretanto minhas memórias mais antigas são lendo quadrinhos do Tio Patinhas e do Zé Carioca. Lembro de achar aquela narrativa chata e os desenhos detalhados demais, mas meu pai censurou por um bom tempo Turma da Mônica porque tinha medo de eu crescer falando errado igual ao Cebolinha.

HQ

The Next Voice You’ll Hear, por Adrian Tomine

O lançamento da edição brasileira da nova HQ de Adrian Tomine tá previsto para setembro de 2020, pela editora Nemo, em tradução de Érico Assis. The Loneliness of the Long-Distance Cartoonist reúne uma série de histórias vividas pelo autor de Intrusos e da série Optic Nerve ao longo de sua carreira. Já adiantei algumas prévias da obra por aqui.

Hoje saiu no site da New Yorker um quadrinho de oito páginas do Tomine que também está presente nesse álbum novoo artista disse no Instagram que a história aparece em versão “ligeiramente diferente” no livro.

Batizada de The Next Voice You’ll Hear, a HQ narra os preparativas do artista para uma participação no podcast Fresh Air, do jornalista Terry Gross, mostra a entrevista em si e também os instantes seguintes a essa experiência. Reproduzo aqui a primeira página do quadrinho e deixo aqui os links para a íntegra da HQ e para essa entrevista de 2008.

Trecho de The Next Voice You’ll Hear, HQ Adrian Tomine publicada na revista New Yorker
HQ

A Você Eu Desejo, por Juscelino Neco

O Juscelino Neco produziu uma das melhores HQs de 2018 com um painel composto por dez quadros batizado A Vida Não me Assusta, uma mensagem necessária de esperança e otimismo compartilhada logo após o resultado do primeiro turno das eleições presidenciais daquele ano. Inclusive listei o quadrinho no meu ranking do Grampo 2019.

O autor de Matadouro de Unicórnios e Parafusos, Zumbis e Monstros do Espaço repete a dose em um painel de nove quadros com o título A Você Eu Desejo. Outra pérola encorajadora para os tempos nefastos que estamos vivendo. Desde já, uma das grandes HQs de 2020.

Cinema / HQ / Séries

Escafandro Podcast: Snyder cut e a cultura do fã tóxico

Chegamos à 20ª edição do Escafandro Podcast, programa com aspirações quinzenais que gravo na companhia dos meus amigos André Graciotti e Jairo Rodrigues. Partimos da decisão dos estúdios Warner Bros em acatar a campanha que pedia o lançamento da versão do cineasta Zack Snyder para o filme da Liga da Justiça e refletimos sobre os malefícios do fã mimado ao cinema e à cultura pop. Aliás, anota aí, fã Spoleto, criação minha. Ouça o Escafandro procê entender.

Você baixa o programa Escafandro Podcast: Snyder cut e a cultura do fã tóxico clicando aqui e também pode seguir o nosso Tumblr e ouvir o Escafandro no nosso canal no YouTube, pelo iTunes, pelo Stitcher e também pelo Spotify. Como preferir. Dá o play!