Vitralizado

high quality https://www.iapac.to/ with swiss movement.

Posts por data junho 2021

Entrevistas / HQ

Papo com os editores da revista A Zica: “Fazer esta revista com recursos públicos durante este governo é uma retomada de posse e marcação de território para produção cultural” 

A sexta edição da revista A Zica tem como tema “escola, café e videogame”. Com capa de Suryara Bernardi, o mais recente número da publicação editada por Luiz NavarroMarcos Batista e João Perdigão tem 168 páginas e conta com trabalhos de 73 artistas (brasileiros, argentinos, mexicanos, indianos e portugueses). Sua impressão foi bancada via recursos públicos da Lei Aldir Blanc.

Entrevistei os três editores e perguntei sobre a importância do lançamento dessa nova Zica em meio ao governo de Jair Bolsonaro. A resposta: “Quando ela for lida daqui a muitos anos, será entendida neste contexto neofascista, e os trabalhos produzidos vão ser uma nota histórica importante de que tinha muita gente horrorizada e insatisfeita com este anacronismo que é essa extrema-direita no poder”.

No nosso papo, Navarro, Batista e Perdigão também fizeram um balanço sobre esse sexto número da revista, comentaram suas principais surpresas com essa nova edição e refletiram sobre os mais de 10 anos de existência do título, entre outros temas. Aproveito para recomendar a leitura da minha entrevista com o trio na época do lançamento da Zica #5 e deixo, a seguir, a minha nova conversa com os três. Ó:

“Cada vez mais queremos abarcar diversidades de estilos e artistas”

Página de HQ de Beatriz Shiro publicada na sexta edição da revista A Zica (Divulgação)

Tenho perguntando para todo mundo que entrevisto desde o início do ano passado: como estão as coisas aí? Como vocês estão lidando com a pandemia? Ela afetou de alguma forma a produção e a rotina diária de vocês?

Absolutamente. Nós três somos escritores, pesquisadores, livreiros, produtores, comerciantes – em maior ou menor grau todos exercemos estas funções – e a pandemia acabou fechando algumas dessas portas para nós. João e Batista lançaram livros durante a pandemia e não puderam fazer uma rotina de lançamento viajando e divulgando seus trabalhos. A própria Zica não pode ter um lançamento com evento festivo e alegre, como a gente gosta. A Feira Canastra que tem entre seus produtores Luiz e João tem data incerta para a próxima edição, a grana ficou curta para todos nós. Mas a gente não adoeceu, e os nossos, em grande maioria, estão bem, então estamos gratos e atentos.

No editorial da revista vocês explicam a escolha de “escola, café e videogame”. Fiquei com a impressão de vocês irem num tema central/factual/urgente da nossa realidade (escola) a dois métodos escapistas muito convenientes para encarar (café) e fugir (videogame) dessa mesma realidade. Vocês podem fazer um balanço entre as expectativas de vocês quando optaram por esses temas e as obras que receberam?

Os temas em geral seguem a lógica de ter um sobre o Zeitgeist do momento da edição (apocalipse, Rússia, América Latina, propaganda), uma mais comportamental (maconha, bullying, vandalismo) e um mais zoeiro-tema livre (vermes, dinossauro, trevas). Mais ou menos assim que vemos a escolha dos temas. Então ficamos nesta edição com escola como o grande tema da temporada (o zeitgeist), o video-game como o comportamental e o café como tema livre. Mas sempre cremos que não há uma hierarquia entre eles, que todos importam da mesma forma, têm o mesmo peso.

Nesta edição a expectativa era que todos temas trariam boas reflexões e múltiplas abordagens, e foi exatamente o que aconteceu. Já teve edições que um dos temas quase não foi abordado, já teve outras que um dos temas era quase onipresente nos trabalhos. Nesta há um equilíbrio e uma diversidade muito satisfatória, que dão uma dimensão bem grande de leitura da revista.

Página de HQ de Diego Melo Gomes publicada na sexta edição da revista A Zica (Divulgação)

E como vocês acham que essa nossa atual realidade sócio-econômica-pandêmica impactou o resultado final da revista? Eu tendo a ver coletâneas como A Zica como espaços muito ocupados por obras de humor e não sei se foi o caso dessa edição nova de vocês. Ela me parece mais séria, com algumas obras mais pessimistas e agressivas, do que encontrei em edições prévias. Vocês concordam?

Concordamos em parte. De fato a maior parte das antologias brasileiras desta natureza têm um foco em humor, creio que é um brilho e uma tradição do país. Mas cremos que A Zica está em constante mudança, nunca primamos por ser uma publicação de humor. Cada edição fica à mercê do que recebemos, e apesar de haver um processo de edição, não temos todo esse poder de direcionar a revista para um lado ou outro pois se recebermos somente quadrinhos, ou somente ilustrações, será uma edição que reflete o conteúdo recebido. Por exemplo, a primeira edição era basicamente com trabalhos de artistas de rua, só com ilustrações e textos (sem quadrinhos), a quinta edição é mais bem humorada, a sexta é mais sóbria, com menos peças de humor e mais reflexão.

Esta última achamos que ficou bem engraçada, muitos trabalhos bem humorados também, mesmo que em um humor que talvez reflita o desespero, o desolamento e o cinismo das pessoas ante este mundo e este Brasil de 2021. Não é uma revista sobre a pandemia, mas uma revista produzida durante a pandemia. Inevitavelmente esse contexto influiu nos trabalhos. E engraçado pensar sobre sua percepção, creio que nenhum de nós pensaria que A Zica seria mais ocupada por humor, talvez sempre vimos ela com mais ênfase no protesto. Mas é a visão de cada pessoa que lê que forma a revista, aliado ao material recebido a cada edição.  

Repito duas perguntas da entrevista que fiz com vocês sobre a edição passada: o que houve de mais singular durante o desenvolvimento desse sexto número d’A Zica? E o que mais surpreendeu vocês em relação aos trabalhos que receberam?

Uma das coisas que mais nos surpreendeu foi receber e publicar tantos trabalhos do universo LGBTQI+. A Zica nunca recebeu tantos trabalhos que versam sobre o queer como nesta edição. É uma coisa que nos deixa feliz, a revista ser vista por artistas como um espaço para publicação de trabalhos que tocam nesta vivência. Foi muito espontânea essa abordagem, pois nós não incentivamos aos artistas que enviassem trabalhos queers, nem os temas desta edição são particularmente sugestivos para que esta vivência fosse abordada. E cremos que o que isso mostra, como já sabemos, é que o queer está embebido no nosso mundo e atravessa todos os assuntos, então falar de video-game, escola e café, ou qualquer outro assunto, permite este tipo de visão das pessoas que estão vivendo e trabalhando sob esta ótica.

Outra questão que marcou nessa edição foi o processo de desenvolvimento da capa. Nós estávamos pensando se escolhíamos entre algum dos trabalhos recebidos ou se convidávamos um artista para produzir a capa. Numa conversa entre o João e uma amiga, a Débora, surgiu a ideia de fazer uma referência às manifestações dos secundaristas que ocuparam as escolas do país entre 2015 e 2016. Essa ideia surgiu a partir da inspiração de um dos trabalhos que recebemos, da Suryara: uma ilustração de uma estudante negra em cima de uma cadeira com uma bandeira de protesto. Nós não conhecíamos a Suryara nem o trabalho dela e fomos pesquisar. Foi surpreendente. Ela tem um traço delicado e muito bonito. Daí, convidamos ela para a capa. A ideia, que foi uma sugestão também da Débora, foi fazer uma releitura de uma foto emblemática daqueles protestos de uma estudante negra chamada Marcela Nogueira disputando uma carteira com um policial militar. O resultado foi incrível e muito forte. Toda a potência da imagem traduzida em um traço muito delicado. Gostamos muito desta capa. E isso revela outro aspecto surpreendente desta Zica: recebemos muitos trabalhos com traços e estilos mais delicados, mais sensíveis. O que derruba um estigma da Zica ter uma identidade hardcore e só. Cada vez mais queremos abarcar diversidades de estilos e artistas e estamos conseguindo.

“A Zica nunca recebeu tantos trabalhos que versam sobre o queer”

Página da HQ de Manda Conti publicada na sexta edição da revista A Zica (Divulgação)

E sobre a proposta da Zica de servir de vitrine para novos talentos: quais autores que nunca tinham saído na revista que mais chamaram atenção de vocês? Confesso ter ficado bastante impressionado com o trabalho de Manda Conti.

Manda Conti foi uma das alegrias que a descoberta traz. Outra é a Suryara, que já comentamos. Falar de nomes é sempre um dodói num tipo de publicação assim, ainda mais pra Zica que novidades e nomes conhecidos são sempre vistos na mesma régua de certa maneira. Mas o trabalho de Ismael Flores é uma surpresa maravilhosa, pois é um ilustrador mexicano de mão cheia que nunca havia publicado um quadrinho, e logo na Zica ele envia um trabalho tão complexo (em termos de execução) e sensível – Memórias de um Mirão, leiam. Temos também os textos, que nesta edição tivemos uma atenção maior em publicar, para que nas próximas edições possamos ter uma adesão maior de quem escreve sem pressão entre quem é jornalista, poeta ou contista, queremos que escritores e escritoras tenham A Zica como um lugar de publicação também. Tem uma participação supimpa do Cecil Silveira que fez nossa primeira duotone, que agora abre as portas para que na próxima edição possamos receber trabalhos em duas cores, e não apenas em escala de cinza. Tem o Diego Gomes que nos divertiu imensamente com sua junção de Hermes e Renato com Charles Darwin, a Bia Shiro com uma porradona riot zoando os macho game. Mas no geral esta é a revista com mais surpresas, o que nos mostra que já circulamos mais do que imaginamos, e mais artistas fora do nosso radar entram em contato conosco, o que nos alegra pois a revista está cumprindo sua missão.

Página da HQ de Marco Vieira publicada na sexta edição da revista A Zica (Divulgação)

Já são mais de 10 anos desde o lançamento da primeira Zica. Na nossa última conversa vocês já falaram sobre as muitas diferenças que notaram no cenário de quadrinhos/publicações independentes no qual A Zica está inserida. Queria saber agora: nesses mais de 10 anos, vocês notam muitas transformações nos interesses e nas investidas estéticas dos autores desse cenário? Se sim, vocês veem essas transformações presentes de alguma forma nessa sexta Zica? 

Totalmente. Os interesses e investidas apresentados nos trabalhos estão bem mais diversos do que o cenário apresentava 10 anos atrás. Como falamos, muitos trabalhos queer, e também mais liberdade e maturidade para falar de sentimentos mais complexos como perdas, amadurecimento e sentimentos íntimos. Creio que de forma inconsciente o habitual de trabalhos passados eram impressionar, pelo visual do trabalho ou pelo choque do discurso. Falo isso não das edições passadas, mas do cenário brasileiro. E assim como a cena artística nacional, que A Zica é mero reflexo, esta edição apresenta trabalhos mais radicais, seja pela honestidade escancarada, sem que o choque seja o gancho que fisgue quem lê, seja pela diversidade de técnicas e estilos, que já não são mais tão espetaculares ou toscos radicais. Temos uma gama de artistas produzindo trabalhos de tudo que é forma, mas menos preocupados em atender uma estética publicitária ou das redes sociais, mas que sejam honestas com a verdade de quem produz, então nesta edição fica bem claro que o desenho mais (tecnicamente) incrível e o mais radicalmente desgraçado não querem agradar uma agenda social, mas sim agradar quem os cria. Ficamos felizes em ver que os artistas e as artistas conseguem veicular mais e melhor suas próprias vozes e verdades, o que talvez fosse ainda incipiente há 10 anos.

A Zica #5 saiu às vésperas das eleições de 2018. Na época perguntei qual vocês consideravam o papel de uma publicação independente, com ares subversivos como A Zica em um contexto de conservadorismo crescente. As coisas pioraram muito de lá para cá. Qual vocês consideram o papel de uma publicação como a Zica hoje, no Brasil de Jair Bolsonaro?

Fundamental, histórica. Nesta edição tivemos noção que ela é um documento histórico para daqui 20, 30, 100 anos. Quando ela for lida daqui a muitos anos, ela será entendida neste contexto neofascista, e os trabalhos produzidos vão ser uma nota histórica importante de que tinha muita gente horrorizada e insatisfeita com este anacronismo que é essa extrema-direita no poder. E para que isso ficasse mais pungente tomamos certas atitudes como inserir os créditos junto das próprias páginas, e não escolher temas correlatos ao momento como a própria pandemia ou o fascimo. Isso contribuiu para que os trabalhos enviados refletissem sobre essas questões de forma mais mundana, dando aos leitores futuros essa noção de que quem viveu e estava ativo durante esse período falava de assuntos da vida, da liberdade, do entretenimento, falando desta realidade atual de forma escancarada ou sutil, formando assim um mosaico mais complexo e completo deste nossos tempos.  

Ter a marca deste governo na quarta capa é a cereja do bolo. Fazer esta revista com recursos públicos (via Lei Aldir Blanc) durante este governo é uma retomada de posse e marcação de território para produção cultural. E criar uma revista que se opõe a tudo que estas marcas impressas na nossa contracapa é uma das coisas mais gostosas que a revista nos permitiu criar.

Outro ponto importante: é um tesão produzir trabalhos editoriais impressos, gráficos, feitos de papel, em pleno 2021, em contraposição à onipresença das telas e dos conteúdos digitais, virtuais. É muito bom criar espaços para artistas produzirem sem os moldes e expectativas de uma mídia como o Instagram.

“É um tesão produzir trabalhos editoriais impressos em pleno 2021”

Página da HQ de Cecil Silveira publicada na sexta edição da revista A Zica (Divulgação)


Última! Pediria para cada um dos três, por favor: você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Batista: minha recomendação é o novo single da banda Isso, de Belo Horizonte, com a música A Estrada, belíssima composição e grande gravação; a biografia do João Perdigão para Guignard, chamada Balões, vida e tempo de Guignard que estou lendo; e o gibi DF Medieval, do Munha da 7 e do Gabriel Mombasca, ambos de Brasília, que contam a história da Idade Média do DF de forma absolutamente engraçada e original (no momento o livro está no Catarse e já atingiu a meta, mas conheço o projeto há anos, e já li boa parte do material publicado em zine, e é incrível).

Luiz: Durante a pandemia, não tem jeito, é surra de Netflix rs. Tenho visto muitos filmes e séries ótimas. Entre os mais recentes que vi, tem o Judas, o Messias Negro e A Voz Suprema do Blues, esse último com atuações muito boas do Chadwick Boseman e da Viola Davis. Nele, me chama a atenção a história da produção cultural independente americana, com suas pequenas gravadoras musicais, e me remete ao que vivemos hoje no universo das publicações, com muitos artistas e pequenas editoras se profissionalizando. O documentário do Elvis Presley também é muito legal pra observar esse universo. Já sobre o universo maluco das artes plásticas, tem o documentário Fake Art, que dá uma ideia de como é doida a forma como o capitalismo lida com a arte. Uma animação: Midnight Gospel, é bem pop mas vale a pena assistir. E tão rolando várias produções não americanas muito boas, como a série sueca Dinheiro Fácil (Snabba Cash), que tem um ritmo e um estilo muito legais. Entre os brasileiros, sugiro o Joaquim, filme biográfico sobre o Tiradentes, do mesmo diretor de Cinema Aspirinas e Urubus, e o Arábia, dos mineiros Affonso Uchoa e João Dumans.  Videogame: tô viciado em Two Dots, um quebra cabeça para celular, muito inteligente e bem feito.

João: Trabalho como pesquisador e escritor, mas meu consumo cotidiano geralmente tá relacionado com trabalhos de pesquisa e documentário – amo! O último livro que li e gostei muito foi Enverga, mas não quebra: Cintura Fina em Belo Horizonte, do Luiz Morando, que é um pesquisador monstrão da memória LGBTQI+ de BH, que através de documentos, revela a vida de Cintura Fina, que até então era uma figura mitológica que só era conhecida nossa através de sua representação na mini-série Hilda Furacão – e a abordagem é bem diferente. Outro livro que chapei foi História da poesia visual brasileira, organizado pelo Paulo Bruscky, que fez uma compilação belíssima sobre a produção gráfica nacional dos últimos 100 anos de uma maneira muito bonita. O que conto quando conto como piada, do Batista virou um livro de cabeceira aqui em casa, é pra ler várias vezes e rachar de rir. Já de documentário, tenho pirado muito em festivais que me mostram coisas muito boas produzidas além da bolha Netflix/Amazon, como É Tudo Verdade (de docs), e mais recente, o In Edit Brasil (de docs musicais), além do bom e velho forum makingoff.org, que me aplica outros tantos -destes aí, vou citar  três; Tio Tommy – O homem que fundou a News-Week (2021), sobre o empresário/espião norte-americano que viveu no Brasil, SpeedfreakS: Psicopata camarada (2021), sobre a trajetória do rapper morto misteriosamente em Niterói e Falso ou verdadeiro – Fabricando ignorância (2021), produção do canal de TV alemão DW sobre a invenção de revisionismo científico patrocinado pelas grandes corporações.E de música, vou citar três sons de diferentes gêneros; Matéria Prima, Divergência Socialista e Arca. 

A capa da sexta edição da revista A Zica (Divulgação)
HQ / Matérias

Sarjeta #21: Laerte, subversão, experimentalismo, bom-humor e o Manual do Minotauro

Está no ar a 21ª edição da Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Escrevi sobre Manual do Minotauro, coletânea publicada pela editora Companhia das Letras reunindo o melhor da produção recente da quadrinista Laerte. Desde já, candidata potencial às primeiras colocações nas listas de melhores lançamentos do ano. Comento no meu texto, entre outros temas, como a produção de Laerte reúne os três elementos pelos quais mais me interesso em HQs nacionais: subversão, experimentalismo e bom-humor. Na entrevista que fecha a coluna, uma conversa com Manda Conti.

Você lê a 21ª Sarjeta clicando no link a seguir: Sarjeta #21: Laerte sintetiza o melhor das HQs nacionais: subversão, experimentalismo e bom-humor.

A capa de Manual do Minotauro, coletânea com trabalhos recentes da quadrinista Laerte (Divulgação)

Entrevistas / HQ

Lobo Ramirez fala sobre os cinco anos da Escória Comix: “Uma editora de HQs podres, gerenciada por um desenhista preguiçoso, prestes a se pagar e ainda gerar grana é um feito e tanto”

A editora Escória Comix completou cinco anos em junho de 2021. Criado e editado pelo quadrinista Lobo Ramirez, o selo tem entre seus títulos mais célebres publicações como Úlcera Vórtex e O Alpinista, de Victor Bello; Esgoto Carcerário, de Emilly Bonna; Nóia – Uma História de Vingança, de Diego Gerlach (em parceria com a Vibe Tronxa Comix); e O Deplorável Caso do Dr. Milton e 400 Morcegos, ambos de Fabio Vermelho. Como já comentei em outras oportunidades, considero um dos catálogos mais consistentes do mercado brasileiro de HQs.

Lobo Ramirez celebrou o aniversário de cinco anos de sua editora com o anúncio da revista El Perro Feo, coletânea com chamada aberta para HQs girando em torno da temática “TOSCO, PODRE & RADICAL!” – você encontra outras informações sobre as incrições clicando aqui.

Conversei como o criador e responsável pela Escória Comix sobre esses cinco primeiros anos da editora. Ele me falou sobre as origens da El Perro Feo, refletiu sobre a história de sua editora, comentou algumas das HQs publicadas por ele, adiantou lançamentos de um futuro próximo (trabalhos novos de Victor Bello e Fábio Vermelho) e revelou alguns planos para um futuro mais a longo prazo. Papo bem bom. Compartilho a seguir, posts publicados aqui no blog sobre os títulos da Escória Comix e, em seguida, a íntegra da minha conversa com Lobo Ramirez. Saca só:

*Papo com Lobo Ramirez, editor do selo Escória Comix: “O que realmente importa é a essência de ir contra qualquer pensamento ignorante, falsos moralismos e fanatismos”;
*Papo com Lobo Ramirez, autor de Supermercadinho Brasil: “Tentei me aventurar na dimensão das palavras”;
*Escória Comix e Pé-de-Cabra: respostas das HQs brasileiras a tempos sombrios;
*Papo com Victor Bello, autor de O Alpinista e Úlcera Vórtex: “Quando começo a desenhar eu nunca sei no que vai dar”;
*Papo com Emilly Bonna, a autora de Esgoto Carcerário: “É o resultado de um aglomerado de coisas que consumo desde a infância, de Castelo Rá-Tim-Bum a John Waters”;
*Papo com Riotsistah, autora da Máquina Assassina: “Se for para recomendar um álbum para ouvir enquanto você lê a HQ, seria o Maggot Brain, do Funkadelic”;
*Papo com os autores da coletânea Porta do Inferno: “A gente vê o diabo diariamente e faz de conta que não”;
*Papo com Fábio Vermelho, autor de Eu Fui um Garoto Gorila e 400 Morcegos: “Represento a violência de forma gráfica porque é assim que ela é”;
*Papo com Fabio Vermelho, autor da revista Weird Comix: “Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena”;

“Eu já teria desistido se as coisas não viessem progredindo”

A arte da quadrinista Emilly Bonna para a capa da revista El Perro Feo, publicação do selo Escória Comix (Divulgação)

Por que lançar agora a revista El Perro Feo? Por que esse nome? Você teve alguma inspiração em particular para esse projeto?

Deu vontade  de comemorar os cinco anos da firma com alguma coisa nova, saca? O nome veio de uma pintura daquelas de cartaz de filmes de Gana, que os caras fazem umas versão foda de filmes ruins e/ou bons. Eu vi uma pintura dessas de algum filme de cachorro e era um puta cachorro feio pra porra, sei lá, achei engraçado na época e ficou na cabeça, CACHORRO FEIO. Aí uns anos atrás eu fiz um quadrinho de uma página só chamado LOS DEFENSORES DEL PERRO FEO, que era um monte de doido com bigode protegendo um pobre cão horrível. A idéia era ser uma série com vários autores fazendo a continuação, com um página apenas, mas só rolou uma página minha e uma do Victor Bello. Beleza, o nome ficou na cabeça e eu decidi usar só o EL PERRO FEO pra revista, porque é um nome que acho engraçado. Mas outro motivo é que o nome em espanhol simboliza a união latino-americana contra os imperialistas estadunidenses.

E por que TOSCO, PODRE & RADICAL! como tema? Quais são as suas expectativas para essa publicação? 

Parece uma boa trindade mística para o primeiro volume da revista, resume bastante toda a essência da Escória Comix. Se não me engano, quem deu a ideia desse slogan aí foi o Diego Gerlach, não pra revista especificamente, mas no geral são três palavras que uso faz tempo pra divulgar os trabalhos, me pareceu ornar bem.

Grandes expectativas para a REVISTA  EL PERRO FEO. A ideia é não ser apenas uma antologia de quadrinhos nacionais e dessa vez ter até material de gringo (se eles mandarem e estiverem à altura, pensarei com carinho se aceito), textos elucidantes sobre o futuro da humanidade, dicas culinárias para sobreviver numa ilha remota, resenhas de bandas, filmes e etc. Então vai ser uma mistura de vários quadrinhos e umas coisas que teria em alguma revista doida. A princípio  vai ser uma por ano, sempre com algum tema novo, e, possivelmente, um dia virar um programa de variedades de domingo, em algum canal aberto na TV. O apresentador vai ser Carlos Panhoca, mas ele não sabe disso ainda. Bom, espero que o perro feo seja divulgado para o mundo todo e alcance sucesso intergaláctico bem maior que a própria Escória .

Queria saber mais sobre as origens da Escória Comix. Quando você teve a ideia de criar a editora? Qual era o seu objetivo com ela? Você tinha algum artista em mente para publicar?

Cara, vou começar bem na gênese da podreira, se liga, tudo começou num verão caliente muito tempo atrás, numa era em que a coxinha na padaria ainda custava um real. Minha versão jovem, sem bigode, mas com cabelos longos de metaleiro punheteiro, decidiu parar de procrastinar e terminar de desenhar um quadrinho. Até então eu só tinha feito um monte de rabisco imbecil. Monstrinhos e pirocas voadoras. Minha ideia genial pra não pensar muito foi pegar uma folha sulfite, desenhar seis quadros iguais e xerocar uma porrada de cópia, assim era só ir preenchendo os quadros com a história e pronto, deu certo. Enfim, terminei incríveis oito páginas de uma história chamada Escrotum – Vaginal Vortex, mas ficou por isso mesmo, até que no ano seguinte, 2014, conheci a criatura horrível Luiz Berger. Realmente não consigo lembrar como foi que tive esse azar, mas fato é que ele me concedeu a oportunidade de lançar um gibi pelo selo dele, Gordo Seboso. Decidi usar o Escrotum como base para um zine de mesmo nome, desenhei mais umas páginas e pronto, meu primeiro gibizinho estava em mãos. E daí pra uma mesinha em uma feira de quadrinhos independentes foi um peido. 

Nas feiras fui conhecendo a mística CENA DE GIBI “BRASILEIRA”, claro que como estava em São Paulo talvez o correto fosse ”cena de gibi paulistana, meo”, mas ainda assim vinha muita gente de outros estados, então acho que dava pra ter uma visão geral. A questão é que, com o tempo, percebi que tinha pouca coisa nova que eu realmente gostava e me incomodava muito a quantidade enorme de trabalhos ditos artísticos (sabe aqueles zines em formato de triângulo conceituais, feitos por um hipster universitário que se acha um gênio e vende aquela merda por 100 reais?!). Passei muito  tempo reclamando e ficando pistola com qualquer quadrinho metido a besta de algum designer de 17 anos fazendo autobiografia sentimental. Essa raiva toda e a frustração de não ter ficado milionário vendendo zine tosco me fizeram repensar toda a minha existência, eu estava cansado de só reclamar e decidi fazer alguma coisa. Foi quando  me veio na cabeça a ideia de criar um selo/editora que juntasse vários autores de quadrinhos mais podres, imbecis, toscos, sujos, drogados, retardados, engraçados e etc. O objetivo era divulgar essa gloriosa produção que eu sabia que era vasta e com ótimos quadrinistas. O primeiro deles que quis publicar foi ninguém menos que o próprio Victor Bello.

Nessa origem da Escória, o quanto você já tinha resolvido sobre a linha editorial com a qual você queria trabalhar? Você tinha algum filtro específico em mente?

Veja bem, meu caro mastodonte do jornalismo, nunca pensei em linha editorial ou nada nesses termos. Apenas segui o lema “se eu gosto disso aqui deve ter outro doido que nem eu que gosta também”. Claro que eu gosto de muita coisa que não se encaixaria na Escória, mas sempre foi muito simples seguir o filtro do “É divertido? Desenho tá massa? Não se leva muito a sério? Se permite ser idiota, mas sem deixar de ser sexy?” .

“O divisor de águas para o selo foi Úlcera Vortex, do Victor Bello”

Página de Úlcera Vórtex, obra do quadrinista Victor Bello publicada pela Escória Comix (Divulgação)

E nesse começo da Escória, o que mais te surpreendeu? Aliás, qual era a sua experiência com edição e publicação antes da Escória? Qual era a sua bagagem em relação a lidar com autores e lojas de quadrinhos antes de começar a editora?

Claro que o mais surpreendente é ainda não ter largado tudo e ir viver da minha dança sensual e da venda de fotos eróticas para amantes de mullets.  Mas, na real mesmo, o que sempre me surpreende são os quadrinhos que os autores me entregam para publicar, sempre uma coisa mais animal que a outra. Fico muito feliz de poder publicar tanta gente foda.

Minha experiência anterior veio de ter lançado o zine Escrotum, pelo selo Gordo Seboso. Então, pra mim, edição é saber mandar o arquivo certo pra gráfica, imprimir e não vir com páginas na ordem errada. O resto é só propaganda e papo de vendedor que fui aprendendo com tentativa e erro. 

Em relação a lidar com autores, acho que por eu mesmo ser um autor e saber como é ficar meses desenhando um treco que não vai vender o suficiente pra pagar as horas perdidas da minha vida, ajudou e ajuda bastante. Com as lojas de quadrinhos tive que sacar como funcionam as coisas. Eu nunca tinha lidado com lojas antes, mas tive sorte de conhecer o Douglas [Utescher] e a Dani [Utescher], da Ugra, que sempre me ajudaram muito e deram os toques todos.

Qual balanço você faz entre as suas expectativas quando deu início às atividades da Escória e o que o selo é hoje? E quais você considera as principais lições dessa empreitada? Quais são os seus principais aprendizados nesses cinco anos?

O plano inicial sempre foi insistir por cinco anos e se, depois desse tempo, a editora fosse autossustentável, então sucesso puro. Essa era minha expectativa e, pra ser sincero, ela não se realizou, a Escória não é autossustentável, porém eu teria desistido já se as coisas não viessem progredindo. Sinto que aos poucos consegui construir algo relativamente sólido, sabe? A Escória é coerente com sua proposta e alcançou uma certa consistência, mas acho muito importante que ela se torne autossustentável e talvez falte muito pouco pra isso. Enquanto enxergar essa possibilidade, vou lutar. E só pra deixar claro, a importância disso é poder ter uma base forte para se manter a longo prazo e realmente entregar os frutos maduros (ou podres mesmo) dessa árvore mutante. 

Mas é isso aí, a Escória começou desconhecida e agora até que tem uma certa visibilidade. A principal lição disso tudo é se manter verdadeiro com o objetivo inicial: divulgar o quadrinho tosco, podre e radical. 

Rapaz, acho que o principal aprendizado nesses cinco anos foi encontrar o meu “papo furado interior de vendedor” e pôr em prática essa arte da mentira. Afinal, é tudo uma questão de saber entreter o cliente o tempo suficiente para que meus comparsas possam roubar suas carteiras. 

Suspeito que a primeira vez que conversamos pessoalmente foi em alguma feira de quadrinhos. Para mim, a Escória é um desses selos muito associados a eventos de HQs e publicações independentes. Como está sendo para a editora esse quase um ano e meio sem eventos por conta da pandemia?

Com certeza foi em um ambiente insalubre desses que tivemos nosso encontro cósmico. Ter uma editora é só uma desculpa para ir nas feiras e eventos e dar rolê, conhecer lugares novos, se embebedar com novas bebidas e ainda conseguir pagar uma parte dos custos dessa mini-férias vendendo gibi podre. Ou seja, está sendo uma merda essa vida sem fazer o que realmente importa que é diversão e curtição.

Agora, em relação à editora, as feiras e os eventos são muito importantes para o ecossistema da produção independente. Porém, nunca quis depender delas para encontrar meu público, então sempre mantive uma divulgação constante nas redes sociais. As vendas no site aumentaram um pouco na pandemia e foi o suficiente para manter a editora rodando e lançando material novo, que também é o que importa. 

“Sempre fui ativo nas redes sociais, não queria depender somente das feiras”

A capa de Esgoto Carcerário, HQ de Emilly Bonna publicada pela Escória Comix (Divulgação)

E apesar dessa presença constante da Escória em feiras, você também sempre foi muito ativo em redes sociais, divulgando as suas publicações. Imagino que esse trabalho nas redes ganhou um outro peso desde o início da pandemia, certo?

Exatamente, sempre fui ativo nas redes sociais porque não queria depender somente das feiras. Mas é engraçado porque no começo eu tinha a ideia de também procurar outros meios de divulgação para não depender apenas das redes sociais também, isso foi por água abaixo. O que antes era uma parte importante, mas não exatamente o principal foco, acabou se tornando o principal foco durante a pandemia. Resta apenas gerar conteúdo infinito para o deus algoritmo do Instagram, rezando para que as novidades da editora continuem chegando aos fiéis leitores.  

E qual é a situação da Escória hoje? O selo é autossustentável?

QUASE. Como disse anteriormente, falta bem pouco pra que isso aconteça. Pode não parecer grande coisa, mas, cara, esse lance é significativo demais. Uma editora de quadrinhos podres nacionais, gerenciada por um desenhista preguiçoso e desorganizado, estar prestes a se pagar e ainda gerar grana suficiente pra rodar sozinha é um feito e tanto. Eu mereço o Nobel da Paz ou o Lobo de Ouro, no mínimo, não acha? Sei que muita gente ainda acha piada tudo que eu faço ou não da valor, mas foda-se, porque fatos são fatos e a realidade é que a situação da Escória hoje é QUASE boa e isso ninguém me tira. 

Quantos títulos a Escória publicou até hoje? Tem algum título do catálogo da Escória que tem algum significado especial para você? Alguma obra que tenha um peso mais marcante para a história do selo?

Porra bixo, eu queria contar certinho pra saber mas vou arredondar, por volta de uns 30 títulos. E com certeza, o quadrinho divisor de águas para a história do selo foi o Úlcera Vortex – Volume I, do Victor Bello. 

Acho que a obra que realmente chamou minha atenção para o seu trabalho foi a primeira edição de Úlcera Vórtex. O que esse título representa para a história da Escória? O que você vê de mais especial no trabalho do Victor Bello (e não me refiro apenas ao Úlcera, no geral mesmo)?

Olha aí, não disse? Úlcera Vortex, do Victor Bello, é foda. Eu não sei o que seria da Escória sem esse lançamento, devo tudo ao Bello. Cara, ele é o melhor quadrinista dessa porra toda e ponto final. Não tem chororô, o jogo acabô!!! É isso mano, Quintanilha meu cu, Victor Bello que é o rolê.

Veja bem, o dia que tu me mostrar um quadrinista que consegue juntar todo aquele caldo de referências nostálgicas de filmes trash, videogames e desenhos animados, sem parecer um nerd bosta que fala easter egg, e misturar tudo com personagens memoráveis e carismáticos, saídos diretamente da realidade brasileira, sem parecer uma novela da Globo, ainda assim adicionar uma pitada  de ficção científica retardada, num roteiro frenético e alucinante criado coerentemente, com lindos desenhos preto e branco abarrotados de detalhes obsessivos, mas ao mesmo tempo com uma simplicidade acessível e expressiva, inserindo imagens vindas diretamente de um quadro de Grant Wood, com a naturalidade de quem entendeu tudo, e conseguir contar histórias extremamente divertidas, aí sim eu posso pensar duas vezes. Mas, mesmo assim, vai ter que ser um quadrinista que tem uma frequência na produção e que vive uma vida honesta, longe das drogas, cuidando de suas queridas galinhas e que quando menos você esperar lance um videojogo de texto chamado 5 DIAS COM TONY BUMBUM!!! 

“Precisei encontrar um jeito de  fazer a máquina funcionar, com muita tralha e zoeira” 

Página de Nóia – Uma História de Vingança, HQ de Diego Gerlach publicada pelos selos Escória Comix e Vibe Tronxa Comix (Divulgação)

E acho que publicar um quadrinho do Diego Gerlach, Nóia, também teve algum peso, porque era você investindo em um autor já conhecido das HQs nacionais. O que significou para você publicar o Nóia? O que esse título representa para o catálogo da Escória?

Eis aí a outra pedra fundamental da história da editora, o icônico NÓIA, do Gerlach, lançado em conjunto com a editora dele, Vibe Tronxa Comix. Significou credibilidade para a Escória, afinal se o cultuado, nos círculos internos, Diego Gerlach, estava sendo publicado por essa nova editora, alguma coisa ela deve ter, talvez milhões para investir nas contas offshore do magnânimo.

Certamente a editora foi posta à vista naquele momento, aos olhos de alguns figurões reptilianos da indústria dos gibis nacionais. Eu, particularmente, gosto muito do NÓIA porque é um gibi divertido, com um ritmo acelerado, que entrega justamente uma história de vingança e é isso, simples. E é um puta quadrinho. Claro que tem toda aquela história de usar a imagem do Cebolinha com cabelo de maconha ,mas é tudo parte do apelo sensacionalista de marketing agressivo, o que importa mesmo é que, com NÓIA, a Escória Comix conseguiu pôr na prateleira da locadora aquele VHS que pode ser alugado todo fim de semana e ainda vai ser diversão para a família toda.

Uma autora que você publicou e eu queria ler mais trabalhos dela é a Emilly Bonna. Como você chegou nela? O que você vê de mais especial no trabalho dela?

Eu também queria. Acredite, sempre que posso encho o saco dela pra fazer mais quadrinhos. 

Foi o Luiz Berger que me mostrou o instagram dela, na época de nome NECROSE. Continha alguns desenhos podres bem lindos e foi paixão à primeira vista pelo trabalho dela. Mandei mensagem perguntando se ela tinha interesse em fazer um  quadrinho pra Escória, acho que na época ela tava sem ideia, mas depois de um tempo acabou rolando o maravilhoso ESGOTO CARCERÁRIO. Caramba, que gibi divertido né? Um dos meus preferidos.

Bixo, ela tem aquele senso de humor particular que envolve uma dose grande de nojeira e perebas, com um existencialismo singelo que é como uma flor de lótus carnívora que desabrocha num aterro sanitário atrás da sua casa. Dá vontade de abraçar todas aquelas criaturas gosmentas que ela desenha e sentir o fedor de pertinho, até ele corroer suas narinas. E tudo isso com um estilo autêntico de desenho que é claramente de alguém que se diverte e curte o que está fazendo. 

Queria saber mais também sobre a sua relação com o Fabio Vermelho. Eu já conhecia os trabalhos dele pela Weird Comix, mas acho que foi o lançamento do Dr. Milton que chamou atenção para a produção dele – e 400 Morcegos, depois, foi um dos meus títulos preferidos do ano passado. Enfim, como você conheceu o trabalho dele? O que você vê de mais especial nos quadrinhos dele?

Eu acho que tinha visto alguma coisa  dele numa Revista Prego ou até mesmo depois, na Revista Pé-de-Cabra, mas estava tudo em inglês. E apesar de ter gostado do desenho com mil hachurinhas eu tinha preguiça de ler, mas foi o Panhoca [editor da Pé-de-Cabra], que disse que valia à pena trocar uma ideia com o doido e eu mandei mensagem pelo instagram mesmo, perguntando pra ele se tinha interesse em lançar algo em PORTUGUÊS pela Escória e o Fábio topou. Porra, o puto ia ficar só fazendo revista pra gringo? Tinha que lançar alguma coisa pra gente ler também e o maldito é daqueles maníacos que tem tesão em desenhar, saca? Depois que mandei umas ideias pra ele desenvolver e fechamos a ideia geral do Dr.Milton ele desandou a desenhar, sem saber onde ia parar, e deu no que deu, um belo romance gráfico, também conhecido como gibi de putaria, com 150 páginas.

Eu vejo de especial essa insanidade pelo desenho que ele tem e também como ele consegue fazer um novelão banal com finais péssimos, mas mesmo assim você curte a viagem, esperando aparecer alguma putaria doida ou desmembramento. 

Entre as suas publicações de 2021 estão o Máquina Assassina, da Riotsistah, e o Jimmy Pizza, do Atópico. São artistas que nunca tinham publicado nada impresso de quadrinhos. Como você chegou nesses dois autores?

Duas grandes surpresas e ótimas pessoas. No caso da Riotsistah, eu não conheço ela pessoalmente, conheci o trabalho dela pelo Instagram. Ela é leitora da escória já faz um tempo e estava sempre lá nas redes sociais, curtindo os gibis da firma. Vi que ela desenhava e, principalmente, curtia umas coisas locas (filmes trash no geral), então faltava apenas um incentivo para se criar o monstro (quadrinista), mandei mensagem perguntando se ela faria um quadrinho. Acho que na época ela tava sem ideia, mas se interessou e, felizmente, um tempo depois, ela conseguiu fazer seu primeiro quadrinho, MÁQUINA ASSASSINA, um gibi divertido que entrega o sexo com lagartos que promete na capa. Já o Atópico também é leitor da Escória faz tempo, mas esse caba eu conheci pessoalmente em alguma feira ou lançamento de quadrinhos. Depois de trocar ideia, ver que ele tinha os parafusos a menos necessários e desenhava, soube que poderia ser um futuro autor de quadrinhos. Ele tinha interesse em fazer algum gibi e eu sempre disse ‘faz aí e depois nois vê!’ e para a nossa alegria ele fez um puta gibi loco, fritado, com uma história maluca de gangue de pizza e magia retardada, então lancei a braba.

Acho que os dois são exemplos de autores que tiveram uma influência direta da Escória e o fato de nunca terem publicado nada antes não faz diferença nenhuma. O que importa é que eles fizeram bons quadrinhos e entenderam a proposta da editora. E espero que continuem fazendo muitos outros quadrinhos, sejam publicados pela Escória ou não. 

“Um sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa. Quem sabe?” 

A capa de 400 Morcegos, obra de Fábio Vermelho publicada pela Escória Comix (Divulgação)

É bem evidente esse seu olhar para novos artistas, para autores com pouca experiência e que muitas vezes nunca publicaram nada. Como você equaciona o risco de investir em alguém que nunca foi publicado? Emendo outra sobre o tema: é importante para você investir nesses artistas sem histórico de publicações?

Vejo principalmente se a pessoa tem o potencial e a vontade para continuar crescendo e desenvolver o próprio trabalho. O primeiro quadrinho não tem que ser perfeito ou excelente, mas se tiver qualidade e potencial as pessoas vão ficar de olho nos próximos lançamentos daquele autor, que com o tempo vai  amadurecendo e aí teremos ótimos quadrinhos para ler.

É extremamente importante investir em novos autores, assim a gente mantém a produção de quadrinhos variada, possibilitamos ótimos quadrinhos, novas surpresas aparecem por aí e com o tempo geramos novos quadrinhos fodas. E também penso nos milhões que vou ganhar quando emprestar o autor da categoria de base pra jogar no Barcelona. 

Eu compreendo o seu humor e acho divertidos os brindes e o material de divulgação que você produz – e acredito que isso tudo contribuiu muito para a manutenção da Escória ao longo desses cinco anos. Mas acho que isso tudo só funciona e só faz sentido porque você publica bons quadrinhos. Enfim, o que quero saber: é difícil administrar a imagem da Escória? Como você concilia o combo zoeira+podreira com o seu trabalho editorial?

Pra variar, é tudo misturado na minha cabeça, mas eu nunca pensei em administrar a imagem de nada, simplesmente tento me manter na linha do que eu curto e me divirto. E acredito que a consequência disso é a Escória permanecer coesa. O foco é nos quadrinhos e todo o resto é ferramenta para divulgar e conseguir grana para as publicações. Beleza, você pode comprar um bonézinho engraçadinho no site, e eu quero mais que você faça isso mesmo, mas, por favor, tente ler os quadrinhos também, são eles que importam. Mas é isso, né? Precisei encontrar um jeito de  fazer essa máquina funcionar e é com muita tralha e zoeira, mas pode analisar friamente aí o trabalho editorial e você vai ver que a editora permanece na ativa, lançando um material de qualidade, 100% independente e nacional. É o puro creme do milho, não deixe as piadinhas ofuscarem todo esse ouro da sétima arte. 

Como você vê o futuro da Escória Comix? Você administra a editora pensando o quanto à frente? Quais são seus planos para os próximos anos? Você pode adiantar algum título que planeja publicar ou autor com quem pretende trabalhar?

Tenho várias ideias e caminhos que posso seguir daqui para frente e vai depender de como as coisas andam. Por exemplo, existe o sonho de criar uma loja física em algum momento. Ou transformar a Escória num buteco, só lançar um título por ano e olhe lá. Ou talvez virar uma produtora de filmes B semi-eróticos e vender os direitos para Bollywood. Outro grande sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa, mas não fui atrás disso ainda com o devido afinco. Quem sabe? Veremos, mas por enquanto tento pensar apenas no ano seguinte, afinal muitos quadrinhos demoram pra ficar prontos. Então pra ter algum lançamento parrudo no ano que vem eu preciso já negociar agora.

Falando especificamente de 2022, tenho um grande lançamento aí do Victor Bello, não vou dizer nada sobre ele por enquanto, e gostaria de tentar desenhar alguma coisa pro ano que vem também.  Existem sim alguns autores que eu gostaria muito de lançar e já conversei com eles, mas é uma vida corrida, de muito trabalho, e nem sempre rola definir datas, mas eles sabem que tenho o interesse e quando tiverem a idéia é só chegar chegando que a gente vai fazer um puta lançamento foda. Por enquanto só  posso adiantar o Bebês Maníacos da Lagoinha, que sai ainda esse ano, e é do Fábio Vermelho, a criatura já está trabalhando nessa obra horrível.  

Você poderia recomendar algo que esteja lendo, ouvindo ou assistindo no momento?

Leiam As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Recomendo a banda Sakuran Zensen e assistam Wet City no YouTube.

Arte de divulgação de Úlcera Vórtex, obra de Victor Bello publicada pelo selo Escória Comix (Divulgação)

HQ

Shiko incute ódio e vingança em Carniça e a Blindagem Mística – Parte 2: A Tutela do Oculto

O quadrinista Shiko focou Carniça e a Blindagem Mística – Parte 2: A Tutela do Oculto nas origens de Carniça, líder do bando que protagoniza a série, e nas motivações de seu grupo. Assim como o primeiro álbum, o autor intercala o presente da história com o passado de suas personagens. Ele dá início a essa segunda edição com um tiroteio entre suas quatro personagens principais e outro grupo de cangaceiros em meio a flashbacks que mostram a transformação da jovem Mazinha em Carniça.

A Tutela do Oculto amplifica a intensidade de Carniça e a Blindagem Mística – Parte 1: É Bonito o Meu Punhal, lançado no fim de 2020. Suas críticas sociais são mais enfáticas, o protagonismo das mulheres mais explícito, a violência mais gráfica e o lirismo mais poético. Shiko também deixa mais claras as ambições de Carniça em sua jornada de vingança.

Ainda como Mazinha, refém do bando de Cancão, a personagem principal acaba vítima de punições por uma traição cometida contra o líder do grupo de cangaceiros. Sua transformação em Carniça é apresentada em uma sequência brilhante envolvendo uma carranca e a exposição de algumas das várias mulheres por quem ela deverá se vingar.

“Enquanto tiver essa qualidade de macho pelo meu caminho… Eu jurei sair transformando essa estrada em pasto de urubu”, diz Carniça após ter sua história contada à filha que reencontrou no primeiro número do quadrinho.

Página de Carniça e a Blindagem Mística – Parte 2: A Tutela do Oculto (Divulgação)

O mérito maior de Shiko nessas duas primeiras edições de Carniça e a Blindagem Mística está na clareza com a qual apresenta os sentimentos das personagens. Com dois terços de sua trama apresentados, ele incutiu nas 96 páginas publicadas até aqui todo o ódio de suas quatro heroínas.

A sequência final de A Tutela do Oculto, iniciada com uma visita de Carniça a uma capela abandonada, cercada por ex-votos, e seguida por seu confronto com Cancão e seu bando é memorável. Aplaca um pouco a sede por vingança instada pelo autor, mas não a fúria da protagonista em sua desforra contra os abusos de seu passado. Fica para o terceiro número.

Carniça e a Blindagem Mística reforça Shiko como um dos meus autores preferidos. Seus trabalhos tratam de questões relevantes, falam sobre o presente mesmo quando ambientados no passado ou em realidades alternativas, e são extremamente refinados no uso da linguagem dos quadrinhos. Sua arte virtuosa contrasta com a objetividade e a eficácia de sua narrativa. Mas além disso tudo (e, possivelmente, mais importante) suas HQs são legais para caramba. Estou novamente na seca pela próxima edição. 

[[Leia também, Sarjeta #16: Carniça e a Blindagem Mística é brutal, crítica e lírica como as melhores HQs de Shiko]]

A capa de Carniça e a Blindagem Mística – Parte 2: A Tutela do Oculto (Divulgação)
HQ

Easing Back, por Adrian Tomine

O quadrinista Adrian Tomine foi o responsável por uma das artes mais icônicas dos tempos de isolamento social que estamos vivendo: Love Life, capa da edição de 7 de dezembro de 2020 da revista New Yorker. Hoje foi divulgado o mais recente trabalho do autor para a publicação, a capa da edição do dia 14 de junho de 2021, com o título Easing Back, imaginando um cenário pós-pandemia e o impacto da COVID-19 nas nossas vidas. Como bem disse o João Montanaro no Twitter, “o famoso gatilho essa capa do Tomine”.

Recomendo um pulo no site da New Yorker procê ler o papo que o autor bateu com a editora de arte da revista, Françoise Mouly, sobre sua expectativas para a vida pós-pandemia. Também recomendo as duas entrevistas que fiz com o autor, uma na época do lançamento da edição brasileira de Intrusos e outra quando A Solidão de um Quadrinho Sem Fim chegou às livrarias nacionais. E se você curte o trabalho dele, dê uma conferida nos arquivos do Vitralizado dedicados ao artista. A seguir, estudos iniciais de Tomine para o que viria a ser Easing Back:

Estudos iniciais do quadrinista Adrian Tomine para a capa de 14 de junho de 2021 da revista New Yorker (Divulgação)

Cinema / HQ / Séries

Vitralizado #104: 05.2021

Tá difícil, hein? Mas seguimos. Li em maio de 2021 alguns candidatos potenciais à minha lista de melhores do ano. Escrevi sobre dois deles nas últimas semanas e planejo escrever sobre um terceiro dessa leva em um futuro próximo. Enfim, mês quente com opiniões, matérias e entrevistas. Tudo dando certo, seguimos assim nos próximos 30 dias. Vamos lá, deixo a seguir o sumário com posts do Vitralizado nos 31 dias que ficaram para trás (com um belo Joost Swarte no abre para deixar as casa bonita). Saca só:

*Conversei com a quadrinista Amanda Miranda sobre Aparição, HQ impressa na 24ª edição da Coleção Ugritos. Transformei essa entrevista no tema da 20ª Sarjeta, minha coluna mensal sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural. Depois compartilhei por aqui a íntegra desse meu papo com a autora. Já leu?;

*Escrevi para a Folha de S.Paulo uma crítica de Meu Mundo Versus Marta, parceria de Paulo Scott e Rafael Sica publicada pela editora Companhia das Letras. E também conversei com os dois autores sobre o álbum;

*Entrevistei o quadrinista Galvão Bertazzi sobre Olivia Foi Pra Lua, livro infantil ilustrado com previsão de lançamento para junho de 2021 pela editora Beleléu;

*Bati um papo com o jornalista Paulo Floro, um dos editores da revista Plaf sobre o recém-lançado quinto número da publicação. Aliás, Floro também foi o convidado da seção de entrevista que fecha a edição de maio da Sarjeta.

>> Veja o que rolou no Vitralizado #103 – 04.2021;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #102 – 03.2021;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #101 – 02.2021;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #100 – 01.2021;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #99 – 12.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #98 – 11.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #97 – 10.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #96 – 09.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #95 – 08.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #94 – 07.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #93 – 06.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #92 – 05.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #91 – 04.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #90 – 03.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #89 – 02.2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #88 – 01. 2020;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #87 – 12.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #86 – 11.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #85 – 10.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #84 – 09.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #83 – 08.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #82 – 07.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #81 – 06.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #80 – 05.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #79 – 04.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #78 – 03.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #77 – 02.2019;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #76 – 01.2019
>> Veja o que rolou no Vitralizado #75 – 12.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #74 – 11.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #73 – 10.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #72 – 09.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #71 – 08.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #70 – 07.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #69 – 06.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #68 – 05.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #67 – 04.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #66 – 03.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #65 – 02.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #64 – 01.2018;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #63 – 12.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #62 – 11.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #61 – 10.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #60 – 09.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #59 – 08.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #58 – 07.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #57 – 06.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #56 – 05.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #55 – 04.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #54 – 03.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #53 – 02.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #52 – 01.2017;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #51 – 12.2016;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #50 – 11.2016;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #49 – 10.2016;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #48 – 09.2016.