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Posts por data fevereiro 2022

Entrevistas / HQ

Papo com Adão Iturrusgarai, autor de Paris por um Triz: “Paris influenciou muito o meu estilo”

Aguardo ansiosamente cada atualização da Correio Elegante, newsletter semanal mantida pelo cartunista Adão Iturrusgarai já há alguns anos. Graças a ela aprendi um monte sobre o início da carreira dele, li sobre as origens da célebre revista Dundum e compreendi um tanto sobre a lendária geração de autores da qual ele faz parte. Entre vários relatos de viagens e encontros com lendas dos quadrinhos mundiais, uma das fases mais inspiradas da newsletter narrou o período de pouco mais de sete meses do criador de personagens como Aline e Rocky & Hudson vivendo em Paris.

Paris por um Triz – Aventuras de um Cartunista (Zarabatana Books) reúne os textos de Iturrusgarai referentes ao seu período na capital francesa, entre agosto de 1990 e março de 1991.

Com 25 anos ao desembarcar na Europa, Iturrusgarai alimentava sonhos de uma carreira de sucesso na capital mundial do humor escrachado praticado e idolatrado por ele. As 248 páginas do livro sobre as aventuras do cartunista em Paris narram uma montanha-russa emocional marcada por amizades e paixões memoráveis e algumas decepções profissionais. Entre idas a bares com lendas do humor gráfico como Gilbert Shelton e Hunt Emerson e quadrinhos publicados em revistas locais, ele se vê solitário em outro país e sofrendo para arcar com seus gastos.

A importância desse período de Iturrusgarai em Paris para a vida pessoal e profissional do autor fez com que ele adiasse ao máximo seus relatos do período na França.

Quadro de HQ de Adão Iturrusgarai de 1993, publicada na revista General, inspirada no período dele na França (Divulgação)

“Quando a ideia de escrever sobre a minha estada em Paris começou a tomar um espaço importante da minha cabeça, comecei a fazer anotações, buscar fotos, blocos de rascunho e contatar pessoas”, me contou o autor. “Fui guardando tudo isso em um documento de Word. Um dia, depois de não ter mais o que escrever, respirei fundo e dei um nome a esse doc: Memórias de Paris. Então comecei”.

“No início foi meio intuitivo e anárquico. Depois me dei conta de que, mesmo sem ter experiência em folhetim semanal, os textos fluiam legais e sempre ficava um gancho para o seguinte. Eu tenho muito boa memória para coisas que aconteceram há muito tempo e tinha algumas fotos e anotações que me ajudaram a alinhavar as histórias. Lembro perfeitamente de alguns acontecimentos, como se tivessem acontecido ontem”.

Assim como a newsletter que o inspirou, Paris por um Triz é engraçado, trágico e revelador sobre a formação e a personalidade de um dos autores mais importantes do humor sem-noção nacional. Torço para ver outros recortes da newsletter de Iturrusgarai também acabarem no papel.

Reproduzo agora a íntegra do papo que bati por email com o cartunista. Ele me falou sobre o começo da Correio Elegante, comentou o impacto do período em Paris em sua vida pessoal e profissional e refletiu sobre sua estreia como escritor. A seguir, papo com Adão Iturrusgarai:

“Sempre tive vontade de escrever…”

Obra de Adão Iturrusgarai sob o mapa do metrô de Paris presente em Paris por um Triz (Divulgação)

Os relatos presentes no seu livro foram inicialmente publicados na sua newsletter. Você pode contar um pouco, por favor, sobre o ponto de partida da Correio Elegante?

Inicialmente o Correio era uma newsletter semanal com cartuns, frases e outras maluquices minhas. Era também uma forma de divulgar os produtos da minha loja virtual. Depois que veio a ideia de escrever textos. Eu sempre tive vontade de escrever, mas foi um processo lento até criar coragem. Comecei pouco a pouco, com textos curtos, até voar mais alto. Depois o texto se tornou o prato principal da newsletter.

E você sempre teve em mente narrar o seu período em Paris na newsletter?

Não. No início escrevia contos soltos e curtinhos. Depois vieram as memórias de infância, adolescência e época da faculdade. Na sequência sobre viagens pelo Brasil e a Nova York. Paris estava na manga mas eu sabia que era algo que tinha que ser longo e mais complexo. Demorei uns três anos para começar. E confesso que, no início, jamais imaginei conseguir escrever um livro desses.

Houve algum momento em que você sentou para planejar e organizar quais histórias seriam contadas em cada edição da newsletter? Pergunto isso porque eu sempre li a Correio Elegante como um imenso fluxo de memória, com você contando suas histórias à medida que elas vinham à mente. O que você pode contar sobre esse processo?

Quando a ideia de escrever minha estada em Paris começou a tomar um espaço importante da minha cabeça, comecei a fazer anotações, buscar fotos, blocos de rascunho e contatar pessoas. Fui guardando tudo isso em um documento de Word na nuvem. Um dia, depois de não ter mais o que escrever, respirei fundo e dei um nome a esse doc: Memórias de Paris. Então comecei. No início foi meio intuitivo e anárquico. Depois me dei conta de que, mesmo sem ter experiência em folhetim semanal, os textos fluiam legais e sempre ficava um gancho para o leitor esperar pelo seguinte. Eu tenho muito boa memória para coisas que aconteceram há muito tempo e tinha algumas fotos e anotações da época que me ajudaram a alinhavar as histórias. Lembro perfeitamente de alguns acontecimentos, como se tivessem acontecido ontem.

“Eu queria mergulhar na cidade, ver, sentir, viver como se fosse um francês”

Adão Iturrusgarai com amigos durante seu período vivendo na Europa (Divulgação)

Essa sua temporada em Paris foi marcada por grandes encontros. Houve algum em particular que te impactou mais? Houve alguma relação pessoal durante esse período que foi mais marcante para a sua vida?

O mais legal disso tudo são as amizades. Estamos em 2022. Passaram 32 anos e eu tenho amigos parisienses. Sempre que volto lá, dou um jeito de reencontrar essas pessoas e visitar lugares que morei ou frequentei. As amizades podem ser eternas e isso é algo que emociona muito.

Minha ideia inicial era passar dois dias em Paris em 2019, quando viajei a Madri, e percorrer a cidade seguindo meus passos, a cronologia das minhas mudanças. E ir fotografando e filmando para ajudar no processo. Mas infelizmente não pude fazer o bate e volta Madri-Paris-Madri. Também tiveram os encontros com grandes artistas como: Gilbert Shelton, Jano, Hunt Emerson. Ah, e claro, um show do Pixies. Este acabou ficando de fora do livro.

Passados quase 30 anos desse seu período na França, qual balanço você faz dessa sua temporada em Paris? Como você acha que esses anos convivendo com autores, cartunistas e quadrinistas estrangeiros impactou as suas técnicas e a forma como você pensa o seu trabalho?

Não desenhei muito, compulsivamente, em Paris. Eu queria mais mergulhar na cidade, ver, sentir, viver como se fosse um francês. No final da minha estada me dei conta que Paris tinha influenciado muito o meu estilo. E foi um grande aprendizado. Talvez um dos maiores da minha vida. Mesmo nos momentos mais sofridos. E felizmente eu pude desfrutar da Paris analógica. Era uma cidade mais escura e mais leve. Hoje está demasiado frenética. Foi a preparação para voltar para o Brasil e encarar mudar para São Paulo. Paris foi o estágio para São Paulo.

Não consigo pensar em artistas que prezem tanto pela liberdade de expressão e pelo seu direito de usá-la quanto os franceses. O quanto a forma como os franceses pensam humor influenciou o seu trabalho após esse período em Paris?

Eu já estava “pego” pelo humor francês mesmo antes de ir para lá. Essa foi uma das razões de escolher a cidade. O humor naquela época era mais livre. Os franceses prezam muito a liberdade de expressão. Quando rolou o atentado ao Charlie Hebdo eles foram às ruas para manifestar-se, mesmo não concordando com algumas coisas que a revista publicava.

“Meus maiores ídolos são franceses”

Adão Iturrusgarai com Fábio Zimbres e Gilmar Rodrigues pouco antes de sua ida para Paris (Divulgação)

E o que mais te interessa na forma como os franceses pensam o humor? Aliás, o que mais te interessa em fazer humor hoje?

Esse humor sacana, safado e sem freios. Principalmente da época da Charlie Hebdo, L’Echo des Savanes, Hara Kiri. Wolinski, Reiser, Vuillemin, meus maiores ídolos são os franceses.

Qual balanço você faz da sua experiência escrevendo a Correio Elegante e editando Paris por um Triz? É muito diferente para você publicar um livro apenas com textos, sem imagens, em comparação com seus títulos prévios com ilustrações?

É diferente, tipo “brinquedinho novo”, hehe. Escrever sempre foi um desafio e conseguir lançar um livro desses foi como realizar um sonho. E estou gostando de experimentar outras coisas, além do cartum: artes plásticas, escrita, fotografia. A verdade é que estou muito satisfeito com minha produção atual. E nem sempre foi assim.

Você poderia recomendar algo que esteja lendo, ouvindo ou assistindo no momento?

Séries: vi um documentário do Dave Chapelle, humorista também sem papas na língua. Me diverti muito com Inbetweeners, série inglesa. Adoro também o humor britânico. Qualquer coisa do Monty Phyton. Breaking Bad, a melhor série de todas.

Livros: Marrom e Amarelo, Paulo Scott. Pergunte ao Pó, do John Fante. Serotonina, do Michel Houellebecq. Sobre os Ossos dos Mortos, Olga Tokarczuk. Paris é Uma Festa, do Ernest Hemingway. O Velho e o Mar, também do Hemingway. 

A capa de Paris por um Triz, livro de Adão Iturrusgarai publicado pela Zarabatana Books (Divulgação)
Entrevistas / HQ

Papo com Dash Shaw, autor de Cosplayers e Umbigo sem Fundo: “Quadrinhos não precisam ter uma aparência específica, eles podem ser qualquer coisa”

Cosplayers – Fantasiando a Vida é o primeiro álbum do quadrinista Dash Shaw publicado no Brasil desde Umbigo Sem Fundo, em 2009. Lançamento da editora Conrad, com tradução de Dandara Palankof, o quadrinho narra a jornada de uma cosplayer e sua fiel assistente, fotógrafa e editora de vídeo por convenções de cultura pop nos Estados Unidos. Entrevistei o autor e transformei esse papo em matéria aqui para o blog (você lê o meu texto clicando aqui). Reproduzo agora a íntegra da minha conversa com o autor. Falamos sobre convenções de quadrinhos, desenhos animados e Daniel Clowes e ele me falou sobre sua paixão por Osamu Tezuka e sua vontade de retornar ao Brasil.

Deixo mais uma vez o link para o meu texto sobre Cosplayers e compartilho, a seguir, a minha entrevista com Shaw. Saca só:

“Vou a convenções de anime e quadrinhos desde os 12 anos”


Você lembra do ponto de partida de Cosplayers? Houve alguma inspiração em particular ou alguma motivação por trás da produção dessa obra?

Eu vou a convenções de anime e quadrinhos desde os 12 anos. Quando eu era criança, eu fazia agendas de programação para convenções de anime fictícias. Eu tive uma ampla gama de experiências em convenções, é claro. Muitas experiências incríveis e positivas, e outras horríveis, e tudo mais no meio do caminho das duas coisas. Eu posso oscilar loucamente em uma convenção de pensar “eu amo todas essas coisas” para “é tudo lixo” para, na maioria das vezes, uma série de sentimentos contraditórios no meio desses extremos. Eu queria que Cosplayers representasse esses sentimentos e adotasse um tom positivo, mas realista. Além disso, a ideia inicial era ser uma revista serializada. Essas histórias existem primeiro como quadrinhos curtos serializados. Então, em uma quarta-feira, na loja de quadrinhos, havia quadrinhos do Batman e do Superman e logo ao lado deles, o meu quadrinho, Cosplayers, sobre pessoas comuns vestidas de Batman e Superman. As questões dos cosplayers foram fáceis de escrever, porque eu conhecia aquelas pessoas, aquelas situações.

O seu outro trabalho publicado no Brasil foi Umbigo sem Fundo. Acho que seus leitores brasileiros vão ver um contraste muito grande entre a sua arte desse primeiro livro publicado por aqui e esse mais recente. Você pode, por favor, comentar um pouco sobre o contraste entre as suas técnicas e seus métodos de trabalho entre Umbigo e Cosplayers?

Essa é uma pergunta interessante. Já fiz outros livros antes e depois de Cosplayers. Mas Umbigo e Cosplayers são talvez meus trabalhos mais focados em personagens. Eu não sou o melhor para julgar por que apenas esses dois foram traduzidos. De qualquer forma, primeiro tenho uma ideia de história e depois os designs e layouts são inspirados na história. A forma tem que parecer a melhor maneira de contar qualquer que seja essa história em particular. Umbigo deveria parecer um diário, mas escrito por vários personagens. Os cosplayers deveriam se sentir como alguém “vestindo-se” como um quadrinho periódico mainstream.

O quanto as suas percepções sobre quadrinhos, os seus principais interesses pelo meio, mudaram de 2008, quando Umbigo saiu, para cá? O que mais te interessa em termos de linguagens dos quadrinhos atualmente? Aliás, o que são quadrinhos para você hoje? O quanto essa percepção mudou para você ao longo dos anos?

Tenho muita sorte de ter feito quadrinhos toda a minha vida, e fiz os quadrinhos que queria fazer. Eu não trabalho como ilustrador, na verdade. Eu apenas faço minhas próprias coisas. Eu nunca tive um quadrinho incrivelmente bem-sucedido, que poderia ter colocado expectativas em mim ou me atrapalhado de alguma forma. Eu vejo tudo isso como uma bênção, sério. Eu sempre senti que os quadrinhos são uma forma de arte única. Quadrinhos são ótimos para apresentar ideias ou sentimentos contraditórios. Quadrinhos são complicados, mas simples. Não cansei de fazê-los. Dedico minha vida a eles.

“Quadrinhos são como colagens que você pode ler”

Quadros de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)

Aliás, você também é muito ligado ao universo das animações. Você vê muitos paralelos entre as linguagens das HQs e dos desenhos animados? Você se vê “pegando emprestado” técnicas e práticas de uma para a produção da outra?

Sim, sempre me interessei por “animação limitada” ligada aos quadrinhos, como as primeiras animações de [Osamu] Tezuka, a primeira temporada de Astro Boy ou o especial de Natal do Charlie Brown. Gostei de ambos por suas próprias linguagens cinematográficas particulares surgidas dos quadrinhos. Você pode ver, por exemplo, naquela primeira temporada de Astro Boy como Tezuka criou um modo cinematográfico específico a partir de suas habilidades como quadrinista. É diferente da animação “comprimir e esticar”, é uma coisa própria. Eu vi isso conectado ao cinema independente, o ethos de “menos é mais”.

Também fico curioso em relação à forma como você pensa cada página dos seus trabalhos. Pergunto isso porque os designs de página de Cosplayers são muito diferentes de Umbigo, me parecem muito mais rígidos. Qual é a sua proposta ao pensar o design de cada página?

Estou em busca de maneiras de a forma se tornar conteúdo, ou uma interação que impulsione um ao outro. Quadrinhos são como colagens que você pode ler. Por exemplo, se você faz algo maior, ocupando muito da página, está dizendo que isso é mais importante. O conteúdo dita a forma, e também a forma altera o conteúdo.

Talvez pelas duas protagonistas jovens, mulheres, desencantadas com o mundo, às vezes cínicas e irônicas, eu vi certo diálogo de Cosplayers com Ghost World, do Daniel Clowes. O Daniel Clowes é uma influência para você? Ghost World teve algum impacto na sua formação como autor?

Não era a minha intenção no começo, mas assim que a primeira edição saiu, o editor da Fantagraphics me chamou atenção para isso. Provavelmente porque sou do contra, pensei que seria interessante tentar me aproximar disso em vez de me afastar, então a segunda edição, Tezukon, tem um personagem muito característico do Clowes, o estudioso de mangá. Seja como for, eu amo o Clowes. Ele é o melhor.

Você pode, por favor, listar algumas obras e artistas que tiveram impacto em sua formação?

Meu pai colecionava quadrinhos então eles sempre estiveram por perto enquanto eu crescia. Eu sabia sobre quadrinhos hippies e Watchmen, até mesmo sobre o Spirit do Will Eisner, desde muito cedo. Nasci em 1983. Nos anos noventa, claro, eu lia os quadrinhos da Image, The Maxx do Sam Kieth era o meu favorito, mas o maior impacto em mim quando adolescente foram os quadrinhos japoneses que estavam sendo traduzidos: Ranma 1/2, Akira, etc. Eu vi quadrinhos longos, focados em personagens e com milhares de páginas. Além disso, veio a iluminação de que os quadrinhos não precisam ter uma aparência específica, que eles podem ser qualquer coisa. Esse foi talvez o maior e mais importante impacto sobre mim.

“Amo cosplayers pela fusão da fantasia com a realidade”

Página de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)

Cosplayers também aborda um pouco da realidade da cultura de fã, ligada a convenções e eventos de cultura pop, e muito associada à indústria dos quadrinhos. Como você se relaciona com essa realidade?

Pessoas diferentes gostam de cosplay por razões diferentes. Este livro reflete o que eu pessoalmente gosto. Eu amo a teatralidade dele, e seu aspecto artesanal. Eu amo que é uma fusão da fantasia com a realidade. Desenhar cosplayers é interessante porque os personagens se originam em desenhos, mas eles foram filtrados pela realidade, e agora estou filtrando-os de volta para a irrealidade/fantasia. Foram adicionados elementos que não estavam lá antes: o Gambit usa óculos agora, o Batman tem bigode, o traje é um pouco instável ou “folgado”, ou personagens mudaram de gênero ou raça. Renderizar essas diferenças ou idiossincrasias foi mais poderoso para mim do que desenhá-las para se parecerem com o personagem que as inspirou. Isso é parte do que eu amo sobre cosplays… Parece tanto representar como o fandom é mais amplo e mais inclusivo e humanista do que a maioria das histórias/personagens que os fãs são fãs, e também como o mundo ficcional impacta (ou invade) o mundo real.

Enquanto trabalhava em Cosplayers, li uma entrevista de 1974 com J.G. Ballard em que ele diz:

“O próprio surrealismo ficou para trás; é um período encerrado. Para [Salvador] Dalí poder pintar relógios macios, era necessário que os relógios reais fossem duros. Hoje, se você perguntar a alguém as horas na rua, poderá ver o rosto de Mickey Mouse na tela. É uma invasão típica e inteiramente banal da realidade pela ficção. Os papéis foram invertidos, e a partir de agora a literatura não deve tanto inventar um mundo imaginário, mas explorar as ficções que nos cercam.”

O que você pensa quando um trabalho seu é publicado em um país como o Brasil? Somos todos americanos, mas são culturas muito diferentes. Você tem alguma curiosidade em relação à forma como um trabalho seu será lido e interpretado por pessoas de um ambiente tão diferente dos seu?

Fui à Bienal do Livro do Rio de Janeiro quando Umbigo saiu, há mais de dez anos, e adorei. Também visitei São Paulo. Eu tinha vinte e poucos anos e foi perfeito. Visitei o Fábio Moon e o Gabriel Bá. Acho que o Rafael Grampá também estava por lá. Tenho boas lembranças dessa viagem e de ver a arquitetura no Rio de Janeiro. Em um livro em que estou trabalhando atualmente, um personagem vai ao Rio de Janeiro, inspirado nessa viagem. Enfim, fiquei encantado e espero que algum festival ou evento volte a me convidar, pois, como autor, só viajo quando sou chamado por um festival de cinema ou de livro.

A última! Você pode recomendar algo que esteja lendo/assistindo/ouvindo no momento?

Espero que todos conheçam Olivier Schrauwen, meu amigo que mora em Berlim. Seus quadrinhos são ótimos. Sobre filmes? Eu amo Matías Piñeiro, ele vive na Argentina. Eu nunca o conheci, mas eu amo seus filmes. As histórias dos Cosplayers foram em parte inspiradas em ver todos os filmes de Rohmer, em particular As 4 Aventuras de Reinette e Mirabelle, e os filmes de Piñeiro estão definitivamente nesse espírito rohmeriano.

A capa de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)
HQ / Matérias

Dash Shaw fala sobre Cosplayers: “Amo a teatralidade e o aspecto artesanal dos cosplayers”

O quadrinista Dash Shaw tinha o hábito de criar programações de convenções fictícias de cultura pop quando era criança. Frequentador assíduo de eventos de quadrinhos e anime desde seus 12 anos, primeiro como fã e depois como autor, ele diz ter vivenciado uma ampla gama de experiências nesses festivais, das mais incríveis às mais horríveis, passando por tudo que existe entre esses dois extremos. Recém-lançado pela editora Conrad, com tradução de Dandara Palankof, o álbum Cosplayers – Fantasiando a Vida foi criado com a intenção de retratar todas essas sensações conflitantes.

“Eu posso oscilar loucamente em uma convenção, de pensar ‘eu amo todas essas coisas’ para ‘é tudo lixo’ para, na maioria das vezes, uma série de sentimentos contraditórios no meio desses extremos”, diz o artista em entrevista ao Vitralizado. “Eu queria que Cosplayers representasse isso e adotasse um tom positivo, mas realista”.

Shaw é conhecido no Brasil por seu trabalho em Umbigo Sem Fundo, lançado por aqui em 2009, como um dos primeiros títulos do selo Quadrinhos na Cia, da editora Companhia de Letras. Suas 720 páginas retratam sete parentes encarando o anúncio do fim do casamento de 40 anos do casal que deu origem à família. É uma mescla de diário coletivo com manual de instruções de um grupo disfuncional com toda vibe intimista e experimental de gibi indie norte-americano do início do século.

Cosplayers segue essa mesma vibe intimista e experimental de gibi indie norte-americano do começo do século, mas pouco lembra Umbigo em termos de forma e conteúdo. Na avaliação do autor, em meio aos seus vários trabalhos, seja como quadrinista ou animador, o grande paralelo entre suas duas únicas HQs lançadas no Brasil está no fato de serem seus dois títulos “mais focados em personagens”.

Quadros de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)

O segundo trabalho de Shaw publicado em português narra a jornada de uma cosplayer e sua fiel assistente, fotógrafa e editora de vídeo por convenções de cultura pop nos Estados Unidos. Originalmente publicada em edições avulsas, a série foi reunida em um único volume pela editora Fantagraphics em 2016. A edição da Conrad ainda conta com a HQ Meu Colégio Inteiro Afundado no Meio do Mar – obra que inspirou a animação homônima de 2016 dublada por Jason Schwartzman, Maya Rudolph, Susan Sarandon e Lena Dunham.

Cosplayers é focado no empenho das amigas Annie e Verti para emplacar seus nomes no mundo dos cosplayers. Elas sofrem com a falta de público em seu canal no YouTube, decepcionam-se com projetos malsucedidos envolvendo seus talentos e reclamam de seus colegas de profissão. A dinâmica entre as duas, suas opiniões e seus julgamentos me lembram algo da dupla Enid e Rebecca, do clássico Ghost World, de Daniel Clowes.

“Não era a minha intenção no começo, mas assim que a primeira edição saiu, o editor da Fantagraphics chamou minha atenção para isso”, me responde Shaw quando pergunto das semelhanças entre suas protagonistas e as personagens de Clowes. “Provavelmente porque sou do contra, pensei que seria interessante tentar me aproximar disso em vez de me afastar, então a segunda edição tem um personagem muito característico do Clowes, o estudioso de mangá. Seja como for, eu amo o Clowes. Ele é o melhor.”

Página de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)

Diálogos ocasionais à parte, Cosplayers tem vida própria e reflete as paixões de Shaw pelo universo de fãs que se fantasiam como seus personagens preferidos. Ele me disse:

“Eu amo a teatralidade e seu aspecto artesanal. Eu amo que seja uma fusão da fantasia com a realidade. Desenhar cosplayers é interessante porque os personagens se originam em desenhos, mas eles foram filtrados pela realidade, e agora estou filtrando-os de volta para a fantasia. Foram adicionados elementos que não estavam lá antes: o Gambit usa óculos agora, o Batman tem bigode, o traje é um pouco instável ou ‘folgado’, ou personagens mudaram de gênero ou raça. Renderizar essas diferenças ou idiossincrasias foi mais poderoso para mim do que desenhá-las para se parecerem com o personagem que as inspirou.”

Cosplayers também evidencia a influência cada vez maior das experiências de Shaw como animador – assim como seus filmes têm jeito de HQ animada. Ele atribui esse diálogo ao seu interesse antigo por “animações limitadas”, exemplificadas por ele com dois clássicos, a primeira temporada de Astro Boy e o curta O Natal do Charlie Brown.

“Gosto de ambos por suas próprias linguagens cinematográficas particulares surgidas dos quadrinhos”, me fala o autor sobre as duas animações citadas por ele. “Você pode ver, por exemplo, naquela primeira temporada de Astro Boy como [Osamu] Tezuka criou um modo cinematográfico específico a partir de suas habilidades como quadrinista. É diferente da animação ‘comprimir e esticar’, é uma coisa própria. Eu vi isso conectado ao cinema independente, o ethos de ‘menos é mais’”.

Hoje aos 38 anos, Shawn diz guardar boas memórias de sua visita ao Brasil, há quase 13 anos, para o lançamento de Umbigo Sem Fundo. Ele conta que a ida ao Rio de Janeiro para participar da Bienal do Livro de 2009 serviu de inspiração para uma sequência de seu próximo trabalho.

Ele lembra: “Fui à Bienal do Livro do Rio de Janeiro quando Umbigo saiu e adorei. Também visitei São Paulo. Eu tinha vinte e poucos anos e foi perfeito. Visitei o Fábio Moon e o Gabriel Bá. Acho que o Rafael Grampá também estava por lá. Tenho boas lembranças dessa viagem e de ver a arquitetura no Rio de Janeiro. Em um livro em que estou trabalhando atualmente, um personagem vai ao Rio de Janeiro, inspirado nessa viagem”.

Página de Cosplayers, obra de Dash Shaw publicada no Brasil pela editora Conrad (Divulgação)
Cinema / HQ / Séries

Vitralizado #112: 01.2022

Abro o post com arte de Love Nest, coletânea de ilustrações do quadrinista Charles Burns. Foquei as atividades do Vitralizado no primeiro mês de 2022 na retrospectiva com os melhores momentos do blog no ano passado e ainda deu tempo de publicar um papo massa com um tremendo autor. Adianto que tô por aqui com duas entrevistas que planejo publicar até o fim de fevereiro – só falta quase tudo: traduzir, editar, correr atrás de imagens e montar os posts. Caso sobre tempo, logo mais isso tudo dá as caras por aqui. A seguir, o sumário do blog em janeiro de 2022:

*Conversei com o quadrinista André Kitagawa sobre Risca Faca, título excelente que dá início às atividades da editora Monstra. Falamos sobre grafite, teatro, cinema norte-americano dos anos 1970 e violência. Já leu?;

*Compartilhei por aqui cinco posts que compõem a Retrospectiva Vitralizado 2021. Saca só: Retrospectiva Vitralizado 2021, Vitralizado 2021 // Entrevistas, Vitralizado 2021 // Resenhas + Matérias, Vitralizado 2021 // Sarjeta; Vitralizado 2021 // Prêmio Grampo. Sou suspeito, mas me parece ter sido o melhor ano do blog até aqui.

>> Veja o que rolou no Vitralizado #111 – 12.2021;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #110 – 11.2021;
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>> Veja o que rolou no Vitralizado #51 – 12.2016;
>> Veja o que rolou no Vitralizado #50 – 11.2016;
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