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Entrevistas / HQ

Papo com Alan Moore, autor de Iluminações (parte 3): “Proponho uma arte poderosa o suficiente para abalar as muralhas da cidade e popular o suficiente para encontrar o engajamento da multidão”

Entrevistei o escritor inglês Alan Moore, autor de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais. A nossa conversa teve como ponto de partida Iluminações, coletânea de contos do autor britânico publicada no Brasil pela editora Aleph, com tradução de Adriano Scandolara e capa de Pedro Inoue. O meu papo com Moore é conteúdo exclusivo da edição nacional de Iluminações, disponível nas melhores livrarias e no site da editora Aleph.

Publico agora a terceira de três perguntas da entrevista que o pessoal da Aleph liberou para compartilhar aqui no blog (você lê a primeira clicando aqui e a segunda clicando aqui). No trecho abaixo, Moore expôs sua opinião sobre a cooptação de artistas e obras pela indústria do entretenimento:

A literatura, a ficção científica, quadrinhos e outras formas de arte muitas vezes são tratadas como parte da “indústria do entretenimento”. Qual sua opinião quanto a essa cooptação dos artistas e suas obras pela indústria?

Se a arte não conseguir entreter, pelo menos em algum nível, então terá uma imensa dificuldade em transmitir sua mensagem a uma plateia que não seja minúscula. Por outro lado, se for apenas entretenimento vazio, então perde todo seu poder e sentido enquanto arte, e torna a empreitada imprestável, exceto para propósitos comerciais. O que eu proponho é uma arte poderosa o suficiente para abalar as muralhas da cidade e popular o suficiente para encontrar o engajamento da multidão. Espero que minha obra seja capaz de entreter o leitor o bastante para que ele absorva o conteúdo, mas nunca me vi como alguém do entretenimento. Por sorte, meus críticos me garantem que eu não preciso me preocupar nesse quesito.

(Na imagem que abre o post, arte original de Kevin O’Neill para A Liga Extraordinária)

Entrevistas / HQ

Papo com Alan Moore, autor de Iluminações (parte 2): “Super-heróis desempenharam um imenso papel na infantilização da cultura ocidental ao longo desta última década”

Entrevistei o escritor inglês Alan Moore, autor de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais. A nossa conversa teve como ponto de partida Iluminações, coletânea de contos do autor britânico publicada no Brasil pela editora Aleph, com tradução de Adriano Scandolara e capa de Pedro Inoue. O meu papo com Moore é conteúdo exclusivo da edição nacional de Iluminações, disponível nas melhores livrarias e no site da editora Aleph.

Publico agora a segunda de três perguntas da entrevista que o pessoal da Aleph liberou para compartilhar aqui no blog (você lê a primeira clicando aqui). No trecho da conversa abaixo, Moore refletiu sobre sua classificação de quadrinhos de super-heróis como “escapismo insalubre”. Saca só:

Você já classificou os gibis de super-heróis como “escapismo insalubre”. Qual sua opinião quanto ao fato de esse tipo de escapismo continuar tão popular para o público em geral após tantas décadas sem grandes mudanças no gênero (mesmo após a aparição de obras revolucionárias criadas por você e alguns de seus pares da década de 1980 em diante)?

Acho que, na década de 1980, as pessoas alegavam que os quadrinhos tinham crescido, quando na verdade deram de cara com a idade emocional do público, que estava indo na direção oposta. Desde o começo, com o Super-homem de Siegel e Schuster, os super-heróis eram as necessárias fantasias de poder da classe trabalhadora do período da Grande Depressão, feitas por criadores da classe trabalhadora no que era então um formato de trabalhadores visando a um público de trabalhadores. Hoje, os quadrinhos são cotados e embalados quase que exclusivamente para hobbyistas de classe média e de meia idade, por isso servem como fantasias de poder para os que já detêm o poder. Acho que sua existência prolongada até o dia de hoje é parte de uma reação de pânico contra a complexidade cada vez maior do mundo: as pessoas ficam ansiosas e com medo, compreensivelmente, diante de um mundo que é complicado demais para ser compreendido ou controlado. Quando a narrativa da vida moderna se torna complexa demais para se suportar, talvez muitos sintam a compulsão de recuar até uma narrativa mais simples que, embora seja uma bobajada delirante, pelo menos é compreensível. O festival de teorias da conspiração dos anos Trump é um exemplo perfeito. O conceito Q-Anon de demônios pedófilos subterrâneos do Partido Democrata devorando as glândulas adrenais das crianças apresenta uma ameaça ridícula, simplista e inexistente, de gibi, que só pode ser combatida por um herói de gibi igualmente ridículo, simplista e inexistente, a saber, “O Donald”. Super-heróis, em sua encarnação atual – histórias infantis que são aparentemente as únicas com as quais os adultos relutantes de hoje estão preparados para se engajar – desempenharam um imenso papel na infantilização da cultura ocidental ao longo desta última década. E eu argumento que essa foi uma imensa contribuição para a ascensão do fascismo popular nesse mesmo período. Minhas obras, que eu mesmo já reneguei, como Marvelman e Watchmen, não foram concebidas como uma revitalização desse gênero decadente, mas como uma sátira e crítica. O super-herói hoje só pode ser uma figura invulnerável de compensação para uma nação com medo de dormir sem uma pistola na mesinha de cabeceira ou uma representação orgulhosa do excepcionalismo norte-americano. Imagino que eles só vão morrer ou perder o apelo quando morrer a necessidade psicológica de super-heróis, o que pode demorar um tempo, dado o estado atual da cultura e da sociedade.

(Na imagem que abre o post, arte original de Garry Leach para a primeira edição de Miracleman, com roteiro de Alan Moore, lançada em agosto de 1985)

Entrevistas / HQ

Papo com Alan Moore, autor de Iluminações (parte 1): “O pessimismo, não importa quão bem fundamentado, é quase sempre inútil”

Entrevistei o escritor inglês Alan Moore, autor de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais. A nossa conversa teve como ponto de partida Iluminações, coletânea de contos do autor britânico publicada no Brasil pela editora Aleph, com tradução de Adriano Scandolara e capa de Pedro Inoue. O meu papo com Moore é conteúdo exclusivo da edição nacional de Iluminações, disponível nas melhores livrarias e no site da editora Aleph.

Publico agora a primeira de três perguntas da entrevista que o pessoal da Aleph liberou para compartilhar aqui no blog. Ela vem acompanhada de uma pequena introdução, na qual falo com Moore sobre o contexto no qual Iluminações foi lançado no Brasil – nos últimos instantes do governo de Jair Bolsonaro. Saca só:

Vivemos tempos estranhos em todo o mundo, mas o Brasil passa por um período extraordinariamente catastrófico. Temos um presidente de extrema-direita, um homem que repetidamente expressou (e pôs em prática) suas visões autoritárias e antidemocráticas. Parece-me que a situação no Reino Unido talvez seja menos catastrófica, mas vocês também estão convivendo com as consequências do Brexit e do período durante o qual Boris Johnson foi primeiro-ministro. Digo isso para explicar como a publicação do seu livro e a oportunidade de conversar com você representam um alívio em meio a todo esse obscurantismo.

O título Iluminações soa muito pertinente para este período sombrio pelo qual estamos passando. Existe alguma luz que permita algum otimismo quanto ao futuro da humanidade?

O otimismo, justificado ou não, é a única postura funcional, e o pessimismo, não importa quão bem fundamentado, é quase sempre inútil; um ato de entregar-se às circunstâncias que torna essas mesmas circunstâncias praticamente inevitáveis. Em quase todas as frentes – a contínua destruição do meio-ambiente; a intenção óbvia dos bilionários do mundo de roubar o dinheiro de todos; a invasão da cultura de vigilância em todas as vidas humanas do planeta; a desestabilização da realidade consensual sob uma avalanche de idiotice ridícula; a ascensão de algo que sequer dá para chamar de fascismo; o desejo em massa de escapar para uma realidade de fantasia, seja a Second Life ou o Metaverso, como se fosse existencialmente possível – nossa espécie parece estar numa condição terminal, sem a menor esperança. O meu próprio otimismo, tal como é, nasceu da minha percepção de que o desenvolvimento humano pode estar seguindo a fórmula alquímica de solvé et coagula, onde solvé é o processo de análise, de desmontar algo até o seu componente mais ínfimo, a fim de compreender plenamente o todo, e coagula é o processo de síntese, de reunir os componentes de volta de uma forma aprimorada. Minha esperança é que a fragmentação que vemos hoje em quase toda parte na sociedade seja o último estágio necessário de solvé, o desmantelamento do antigo mundo, para que a parte de coagula possa começar a construir o novo. Pode ser uma esperança frágil, mas é a única fonte de iluminação que eu consigo discernir no que, fora isso, é um apagão moral pestilento.

(Na imagem que abre o post, a arte original de John Totleben para a edição 60 de Monstro do Pântano, com roteiro de Alan Moore, lançada em maio de 1987)