Vitralizado

high quality https://www.iapac.to/ with swiss movement.

Posts com a tag Crítica

Cinema

Indomável Sonhadora

Escrevi pro Divirta-se sobre a estreia de Indomável Sonhadora, o último dos candidatos a melhor filme do Oscar 2013 a entrar em cartaz por aqui.

A história de Indomável Sonhadora se passa no sul do estado americano da Louisiana, uma região próxima ao Golfo do México, que está na rota de um furacão. Os habitantes da comunidade, conhecida como A Banheira, insistem em não deixar o local apesar do risco de serem levados pela água durante a tempestade. Lá, em condições de pobreza extrema, moram Hushpuppy, de 6 anos, e seu pai, Wink.

Apesar da pouca idade, Hushpuppy tem grandes preocupações: o furacão a caminho, o pai doente, a comida escassa. Sem contar a falta da mãe, que abandonou a família. Na cabeça da garotinha, o deslocamento das peças que compõem o seu cotidiano poderá fazer todo o universo entrar em colapso. Seus medos se materializam no despertar de criaturas pré-históricas conhecidas como auroques – devoradoras de crianças, segundo sua professora.

O apelo fantástico e a história contada sob a perspectiva infantil aproximam o filme de outros protagonizados por crianças e que dialogam com os temores do mundo adulto – como ‘Onde Vivem os Monstros’ (2009) – e das animações do diretor japonês Hayao Miyazaki (‘A Viagem de Chihiro’, 2001, e ‘O Castelo Animado’, 2004).

A impressionante Hushpuppy de Quvenzhané Wallis dá proporções épicas ao filme, que marca a estreia na direção de longas-metragens do cineasta Benh Zeitlin, de 30 anos. Intercalando momentos de serenidade e fúria com a mesma intensidade, ‘Indomável Sonhadora’ é a pérola independente da temporada 2012/2013 do cinema americano. Parcialmente financiado via crowdfunding (doações pequenas realizadas pela internet), seu custo total foi de menos de US$ 2 milhões. O elenco é quase inteiramente composto por não-atores e a protagonista – brilhante – tinha apenas cinco anos no início das filmagens. E sua estreia ainda marca um feito: coloca em cartaz nas salas paulistanas todos os nove indicados ao Oscar de melhor filme. ‘Indomável’ concorre ainda nas categorias de diretor, atriz (Quvenzhané) e roteiro adaptado.

Cinema

A Hora Mais Escura

Escrevi pro Divirta-se sobre A Hora Mais Escura.

Os acontecimentos narrados nos instantes finais de A Hora Mais Escura são de conhecimento público. A operação que culminou no assassinato do terrorista Osama Bin Laden no dia 2 de maio de 2011, em território paquistanês, pautou os principais veículos de comunicação de todo o mundo. Já as estratégias da missão que encerrou quase dez anos de busca pelo homem mais procurado pelos Estados Unidos ainda são mantidas em sigilo: informações oficiais escassas foram divulgadas.

O plano original da diretora Kathryn Bigelow e do roteirista Mark Boal era filmar a fuga de Osama Bin Laden em uma batalha contra o exército americano no leste do Afeganistão, em 2001. Mas a morte do terrorista fez a dupla responsável por ‘Guerra ao Terror’ (2008) mudar de foco.

Destaque, então, para Maya, uma versão da agente da CIA responsável pelo plano que encontrou o esconderijo do líder da Al-Qaeda, interpretada com intensidade por Jessica Chastain. O filme mostra os percalços da jovem oficial do governo americano em um intervalo de oito anos, entre sua chegada à agência de inteligência e o encerramento de sua missão. De novata impressionada com as torturas na prisão de Guantánamo, ela se torna uma fria e experiente sobrevivente de atentados no Oriente Médio e da desconfiança política de Washington.

Indicado a cinco Oscar – incluindo melhor filme, atriz (Chastain) e roteiro –, ‘A Hora Mais Escura’ é pura tensão e expectativa. Sem imagens e com áudios registrados durante os ataques de 11 de setembro de 2001, os primeiros minutos do filme impressionam. Em seguida, os interrogatórios acompanhados de tortura são desconfortáveis como poucas produções ousaram ser – e Bigelow claramente expõe a tortura como fundamental para o sucesso da operação.

Mesmo o desfecho, já conhecido, é de prender a respiração, uma sequência de ação espetacular. Ao fim, o filme fica muito distante de ser apenas um simples entretenimento hollywoodiano e tende a marcar época como um memorável thriller político.

Cinema

O Voo

Escrevi sobre O Voo pro Divirta-se.

Bastam cinco minutos de O Voo para você ter certeza que não gostaria do capitão Whip Whitaker (Denzel Washington) como piloto do seu avião. Ele acorda após uma noite mal dormida na companhia de uma comissária de bordo, bebe os restos da cerveja quente e cheira uma carreira de cocaína. Em seguida, assume o comando de uma aeronave que vai de Orlando a Atlanta. E a viagem proporciona ao espectador uma nova percepção do personagem: com uma manobra arriscada e um pouso forçado, ele salva a vida de 96 dos 102 passageiros.

O cenário retratado no primeiro terço deste filme de Robert Zemeckis (de ‘O Náufrago’) é arrepiante. A tensão criada pela postura do aviador é mínima se comparada à sequência de queda da aeronave. Whitaker é a única fonte de segurança para os passageiros – e para o espectador. O problema é que o clima não se mantem até o fim e o filme vai de um thriller emocionante a um melancólico drama sobre alcoolismo.

Apesar disso, o trabalho notável de Denzel Washington (indicado ao Oscar de melhor ator) como um homem assombrado por seus feitos e a presença de ótimos coadjuvantes evitam um desenrolar tedioso para ‘O Voo’ – que também concorre ao Oscar de melhor roteiro. Após o acidente, o piloto passa a conviver com uma viciada que conheceu no hospital e com o medo de ter a alta taxa de álcool e drogas em seu sangue diretamente relacionada à tragédia. Um advogado (Don Cheadle) tenta afastar Whitaker de problemas, enquanto um amigo traficante (John Goodman) mantém os vícios bem abastecidos.

Desde 2000, quando lançou ‘Náufrago’, Zemeckis dirigiu três animações infanto-juvenis. Seus trabalhos prévios são lembrados pelo bom humor. A trilogia ‘De Volta para o Futuro’, ‘Uma Cilada para Roger Rabbit’ (1988) e ‘Forrest Gump’ (1994) são filmes muito bem resolvidos em relação às suas abordagens. Como uma tensa história de ação, ‘O Voo’ cumpre seu papel ao longo dos primeiros 40 minutos. Depois disso, o que se vê é um drama piegas que pouco acrescenta à filmografia do diretor.

Cinema

O Lado Bom da Vida

Escrevi sobre O Lado Bom da Vida pro Divirta-se.

Pat é um professor com transtorno bipolar que volta para a casa dos pais após oito meses internado em um sanatório – pena por ter espancado o amante de sua mulher. Tiffany é uma jovem viúva, que foi demitida depois de transar com todos os seus colegas de escritório. Apresentados por amigos em comum, a dupla inicia uma amizade movida por interesses: ela precisa de um parceiro para um concurso de dança e ele de alguém que possa reaproximá-lo de sua mulher.

O melhor de O Lado Bom da Vida está centrado na dinâmica da relação entre os protagonistas, interpretados por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. Intercalando a mesma intensidade de humor e drama, o filme dirigido por David O. Russel também explora com maestria o relacionamento entre personagens principais e coadjuvantes – com destaque para os pais de Pat, representados por Robert De Niro (seu melhor papel em anos) e Jacki Weaver.

Adaptação do livro ‘Silver Linings Playbook’, de 2008, e ainda inédito no Brasil, a produção teve reconhecida a qualidade de seu texto e elenco ao longo da temporada de prêmios americana. Lawrence venceu o Globo de Ouro e o SAG de melhor atriz em comédia. Ao Oscar, tem oito indicações: melhor filme e roteiro adaptado, atriz e ator para Lawrence e Cooper e De Niro e Weaver como coadjuvantes. Também disputa melhor edição e direção.

Assim como fez em ‘O Vencedor’ (2010), David O. Russel filmou grande parte de seu novo longa com a câmera na mão. A falta de estabilidade das imagens acentua o realismo do filme – já elevado pelas longas e emocionantes cenas de diálogo entre a depressiva Tiffany e o incontrolável Pat. Aliás, são hilárias as epifanias do personagem de Cooper sobre literatura.

E apesar do foco nos dilemas dos protagonistas, ‘O Lado Bom da Vida’ é impiedoso com todos os personagens: suas neuras, instabilidades e vícios são expostos sem julgamento, apenas como os muitos aspectos de personalidades absolutamente reais.

Cinema

Lincoln e O Mestre

Escrevi sobre Lincoln pra edição de ontem (25/1) do Divirta-se.

Os principais deméritos dos últimos filmes de Steven Spielberg tinham origem em alguns dos mesmos atributos que contribuíram para a construção da fama do diretor. Sentimentalismo aflorado, trilha sonora onipresente e protagonistas extremamente carismáticos estão presentes desde seu despertar para Hollywood, ‘Tubarão’ (1975), ao mais recente e pouco memorável ‘Cavalo de Guerra’ (2012). Lincoln, que estreia hoje (25), contou com o Spielberg que acerta, no controle de suas principais virtudes – e sem excessos.

E não teria sido uma surpresa Spielberg perder a mão em um filme sobre o mais amado presidente da história dos Estados Unidos, ambientado durante o maior confronto bélico já ocorrido no continente americano e com a abolição da escravidão como tema principal. Mas a presença do diretor é sutil como poucas vezes se percebeu em sua filmografia. Sutileza evidente nos belíssimos jogos de sombras e contraposição de luzes, que trazem à tona o domínio técnico que ele tem da fotografia.

As doze indicações recebidas para o Oscar 2013 – incluindo melhor filme, diretor, roteiro, ator (Daniel Day-Lewis) e também ator e atriz coadjuvantes (Tommy Lee Jones e Sally Field) – e o Globo de Ouro de melhor ator dramático, entregue a Day-Lewis, coroam um filme de unidade rara. O excelente roteiro de Tony Kushner, parceiro de Spielberg em ‘Munique’ (2005), foi determinante para esse resultado.

O longa é focado nos instantes finais da Guerra Civil (1861-1865), nos esforços de Abraham Lincoln (1809-1865) para conseguir a aprovação da 13ª emenda constitucional, que tornou a escravidão ilegal em todo território americano.

Para escrever ‘Lincoln’, Kushner partiu da biografia do presidente feita pela historiadora Doris Kearns Goodwin – apenas um trecho de ‘Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln’ será lançado no Brasil, em ‘Lincoln’, da editora Record. Seu texto privilegiou as cenas de longa duração, com diálogos criativos, interpretados por um elenco espetacular.

E também fiz um texto sobre O Mestre.

Ben Affleck reconheceu o “talento excepcional” de seus concorrentes no discurso de agradecimento pelo Globo de Ouro de melhor diretor que ganhou por ‘Argo’. Ele bateu Ang Lee (‘A Vida de Pi’), Steven Spielberg (‘Lincoln’), Kathryn Bigelow (‘A Hora Mais Escura’) e Quentin Tarantino (‘Django Livre’). Em seguida, mencionou um outro, que não havia sido indicado: “Agradeço a Paul Thomas Anderson, para mim um Orson Welles.”

Não foi a primeira vez que o diretor de O Mestre foi comparado ao responsável por ‘Cidadão Kane’ (1941), para muitos um dos filmes mais revolucionários de todos os tempos (e também o melhor). Talvez seja exagero colocar Anderson no mesmo patamar de Welles, mas ‘O Mestre’ reforça a possibilidade de ele ser o cineasta americano que, hoje, tem mais refinamento e domínio das técnicas cinematográficas.

Como em seus outros filmes, foi Anderson que escreveu o roteiro, sobre o relacionamento entre Lancaster Dodd (Philip Seymour Hoffman), líder de um movimento conhecido como ‘A Causa’, e Freddie Quell (Joaquin Phoenix), veterano da 2ª Guerra Mundial e seguidor em potencial de seus postulados. Mas mais do que fé, ‘O Mestre’ trata de dominação e relações de poder, inspirado parcialmente na vida de L. Ron Hubbard, fundador da Cientologia, crença que faz sucesso entre as estrelas de Hollywood – notoriamente o ator Tom Cruise, protagonista de outro filme de Anderson, ‘Magnólia’ (1999).

Hoffman foi indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante pelo papel de Dodd, e Joaquin Phoenix concorre ao de melhor ator pelo errático discípulo. Além disso, Amy Adams, que interpreta a mulher de Dodd, é candidata ao prêmio de atriz coadjuvante. Mas é pouco. Apenas três indicações dentre várias possíveis – sendo melhor filme, diretor e roteiro as ausências mais notórias.

Apenas o sexto longa dirigido por Anderson, é provável que ‘O Mestre’ ganhe reconhecimento com o passar do tempo, assim como foi com os trabalhos de Orson Welles.

Cinema

O Som ao Redor

Escrevi sobre O Som ao Redor pro Divirta-se.

 

O som ambiente de um bairro de classe média de Recife é o protagonista de O Som ao Redor, estreia do crítico de cinema Kléber Mendonça Filho na direção de um longa de ficção. Nono colocado no ranking de melhores de 2012 do crítico do New York Times A. O. Scott, o filme foi listado em companhia dos últimos lançamentos de Steven Spielberg (‘Lincoln’), Quentin Tarantino (‘Django Livre’) e Paul Thomas Anderson (‘O Mestre’) – os três com estreias no Brasil previstas para este mês de janeiro.

Vencedor dos prêmios de Melhor Filme de Ficção e Roteiro na edição de 2012 do Festival do Rio, ‘O Som ao Redor’ investe num departamento técnico tradicionalmente deficitário no cinema nacional. A espetacular captação de áudio, assinada pelo próprio diretor, é o ponto mais alto desta obra, com enredo determinado pelas várias tonalidades dos sons naturais de uma cidade.

Uma dona de casa tenta calar o cão da vizinha com remédios, briga com a irmã e assiste às aulas de chinês dos filhos. Um jovem rico vende terrenos e investimentos de sua família e inicia um novo namoro. Uma empresa de segurança começa a funcionar no bairro e provoca suspeitas na vizinhança. São várias as histórias sobrepostas e intercaladas em ‘O Som ao Redor’, todas tratando de temas distintos, mas conectadas por uma mesma região e por pequenos fatos, comuns entre os núcleos.

Os diálogos, que também costumam ter desenvoltura limitada no cinema nacional, neste filme de Kléber Mendonça ressaltam o cuidado explícito dos realizadores com o áudio. Naturais, eles fluem sem dificultar a compreensão do espectador e ressaltam as sonoridades do sotaque recifense.

O forte conjunto de atores que compõe o elenco deixa o roteiro ainda mais espontâneo, com destaque para o bom trabalho de Irandhir Santos, o deputado Diogo Fraga de ‘Tropa de Elite 2’. Com este filme que faz do espectador quase um voyeur, 2013 começa promissor para o cinema nacional.