Escrevi pra edição mais recente da Rolling Stone sobre Como Falar com Garotas em Festas HQ dos gêmeos Fábio Moon e do Gabriel Bá que adapta o conto homônimo do escritor Neil Gaiman e foi lançada no Brasil pela Companhia das Letras. Acho linda a arte da HQ, principalmente as cores, e gosto como os dois quadrinistas brasileiros administraram o conteúdo do enredo concebido pelo autor de Sandman, mantendo quase integralmente o texto original. Recomendo uma lida no gibi e também na minha matéria – atualmente nas bancas e em breve no site da revista. Depois volte aqui pra ler a íntegra da minha entrevista com Moon e Bá.
Na conversa os dois contaram como Gaiman só deu o aval pra adaptação após a leitura de Daytripper, eles falaram sobre o processo de adaptação do texto pro formato de HQ, o diálogo entre o conto e os temas de seus primeiros trabalhos e a semelhança entre a história do álbum e a clássica Fadas e Bruxas da Laerte. Ó:
Vocês poderiam contar um pouco como surge esse projeto? Foi uma iniciativa de vocês? Como foi a interação entre vocês e o Neil Gaiman?
Fábio Moon: Todas as adaptações que fizemos até agora foram convites das editoras, e essa não foi diferente. A Diana Schutz, editora da Dark Horse, que editou nosso primeiro livro por lá (o De:TALES, lançado em 2006), nos escreveu nos convidando para adaptar esse conto. Estávamos afundados na produção do Dois Irmãos, nem cogitando fazer outra adaptação, mas o Neil Gaiman é um dos nossos autores favoritos e a chance de trabalhar com um conto dele, com uma temática que tem muito a ver com a sensibilidade das histórias que a gente gosta de contar, era irrecusável.
Gabriel Bá: O Neil Gaiman ia acompanhando todo o processo, a gente ia mandando para ele e pra Diana o roteiro, as páginas, mas eles nos deram liberdade para fazer a nossa versão, a nossa leitura. Eles tinham que aprovar tudo, mas o trabalho foi todo nosso.
O texto do quadrinho é muito fiel ao original do Gaiman. Vocês trabalharam com um roteiro? Chegaram a conversar com o Neil Gaiman como seria essa versão em quadrinhos?
Fábio Moon: Acho que podemos dizer que todas as nossas adaptações são fieis aos originais. Só adaptamos histórias e autores que gostamos, então queremos manter o que achamos mais legal do original na nossa versão. O mais legal do texto do Neil Gaiman foi mantido: o ritmo da escrita, os diálogos, o jogo de palavras, tudo o que ele faz melhor do que ninguém. Não chegamos a conversar com o Neil Gaiman sobre como construir a adaptação, pois acho que ele já confiava no nosso trabalho. Ele ajudou mandando umas fotos de quando ele tinha a idade dos moleques, na época em que se passa a história, pra nos ajudar a compor o personagem principal.
Gabriel Bá: Fizemos o roteiro da mesma maneira que aprimoramos no Dois Irmãos, com rascunhos das páginas sendo feitos ao mesmo tempo em que o texto final era escrito, então o roteiro é uma mini-versão da história, um roteiro visual, desenhado. Não faz sentido pra gente descrever o que nós vamos desenhar, então o roteiro desenhado funciona melhor, já dá uma noção do tamanho dos quadros, do enquadramento, do ritmo de leitura na página.
Essa não é a primeira adaptação de vocês. Há muita diferença entre adaptar um romance como o Dois Irmãos e O Alienista e um conto curto como esse do Gaiman?
Gabriel Bá: Adaptar essa história foi um processo mais parecido com o do Alienista, que também era um conto, então pudemos manter quase todo o texto e expandir a história visualmente. No caso do conto do Neil Gaiman, não tínhamos um limite de número de páginas, como no Alienista, e isso nos possibilitou trabalhar melhor a narrativa e o ritmo visual da história, mas o trabalho de pesquisa e de adaptação do Dois Irmãos foi muito mais complexo, pois a história, além de mais longa, era muito mais complexa.
Fábio Moon: Toda adaptação envolve transformação, escolher trechos e palavras que se tornarão imagens. Acho que aprendemos muito com as adaptações anteriores, e esse processo de apropriação e reimaginação da história estava bem mais refinado quando trabalhamos a história do Neil.
Como vocês chegaram nessas cores que predominam ao longo da HQ?
Gabriel Bá: Fazer o livro colorido com aquarela foi uma sugestão da Diana. Ela viu nosso livro sobre São Luís para a coleção Cidades Ilustradas, todo colorido com aquarela, e nos propôs já no convite fazer uma história inteira dessa maneira. Existe um lirismo na aquarela, uma leveza, uma poesia que combina com a história, combina com essa sedução pela pessoa desconhecida, e então pensamos a história já com a aquarela na cabeça.
Fábio Moon: A história se passa nos anos 70, e fazer um livro todo colorido à mão numa época onde quase todos os quadrinhos são coloridos no computador ajuda a dar uma outra cara para o nosso livro, nos transporta para essa época onde tudo numa HQ era feito à mão. Abraçamos essa ideia e inclusive os balões e as letras são feitas manualmente, direto na página (embora acabamos fazendo uma fonte da minha letra para poder usar em versões internacionais).
Alguns dos trabalhos iniciais de vocês na 10 Pãezinhos eram sobre relacionamentos, romances e jovens apaixonados como no Como Falar com Garotas em Festas. Vocês viram algum diálogo entre esse trabalho e essas obras mais do início da carreira de vocês?
Fábio Moon: Como eu falei, a Diana editou nosso primeiro livro na Dark Horse, e ele era justamente uma coletânea dessas histórias. Ela inclusive propôs para o Neil Gaiman na época, 2006, sobre a possibilidade daqueles dois gêmeos fazerem a adaptação do conto, mas o Neil não ficou entusiasmado. Depois que a gente fez o Daytripper, ficou mais fácil mostrar do que a gente era capaz, e o Neil Gaiman viu que seu conto estava em boas mãos. Só depois que ele aceitou é que ela nos fez o convite, e só depois que terminamos a adaptação ela nos contou essa história.
Gabriel Bá: Essa temática do relacionamento sempre nos interessou, e acreditamos que é o tipo de coisa que pode ser muito bem trabalhada em Quadrinhos, escolhendo o close certo, a troca de olhares, a intimidade da leitura que seduz o leitor. Além disso, vimos nessa história uma semelhança com uma história do Laerte, chamada Fadas e Bruxas, que também foi muito importante na nossa descoberta do potencial dos Quadrinhos. Vimos nessa adaptação uma chance de tratar de um tema que nos é querido, trabalhando a partir do conto de um autor que admiramos e ainda criando um diálogo visual com outro autor que, como o Neil Gaiman, foi fundamental na nossa formação como Quadrinistas.
Vocês já assistiram ao filme com a Elle Fanning?
Fábio Moon: Já vimos sim, mas só depois de terminar o nosso livro.
Gabriel Bá: Curiosamente, nossas duas últimas adaptações – este livro e o Dois Irmãos – foram adaptadas também para obras audiovisuais, mas ambas por pura coincidência, sem relação alguma com nosso trabalho. No entanto, mostra o potencial de boas histórias de quebrar barreiras de linguagens, além de mostrar as diferenças que cada linguagem pode oferecer para a história.