Felipe Nunes e a produção do 10º número da Série Postal

Reúno por aqui a íntegra do meu papo com o artista Felipe Nunes sobre a produção do 10º número da Série Postal. Conheço poucos quadrinistas tão empenhados com seus trabalhos, em refletir sobre o que está fazendo, quanto o autor dessa antepenúltima edição da coleção. É sempre muito interessante ler/escutar o que o Nunes tem a dizer sobre as criações dele. Como tenho feito desde o início da Série Postal, publiquei as falas do artista primeiramente lá no site do projeto e agora reproduzo a versão completa por aqui. Saca só:

“Eu levei alguns dias pra finalizar o postal, não estava fazendo nada na época. Tinha acabado de fazer O Segredo da Floresta, um gibi que era de um outro roteirista, então eu estava num hiato. Depois de não ter escrito nada no ano passado, eu queria tentar incorporar coisas novas no meu trabalho. Aí fiz um quadrinho autobiográfico. Eu tinha passado pelo término do meu namoro e achei que era um boa oportunidade para expressas o que eu sentia naquele momento”

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“Talvez seja o meu primeiro quadrinho em alguns anos só protagonizados por pessoas. O próprio O Segredo da Floresta tem algum tipo de realismo fantástico, com personagens meio mágicos, e por mais que eu não tenha escrito e não ache uma história tão potente é de alguma forma o final desse ciclo. Talvez agora eu esteja fazendo o meu trabalho definitivo dessa onde de animais, mas não de fábulas familiares. O postal foi importante também pra pensar quadrinhos em que eu protagonize, tentar mudar um pouco a linguagem e não ficar preso nessa ideia de que eu tenho que seguir uma fórmula… Eu fico muito incomodado com o meu trabalho, tô fazendo agora um livro novo e pensando o quanto a gente insiste em uma linguagem ou em soluções e estruturas narrativas”

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“Eu sempre pensei o postal como uma página. Eu me esforço muito pra tentar deixar o meu desenho mais sintético e eficiente, sem muitos problemas narrativos. Eu sou meio obcecado por isso no meu trabalho. Tenho um pouco de facilidade de resumir minhas ideias e deveria praticar mais isso, é uma coisa que reflito nos meus quadrinhos longos, mas numa perspectiva mais ampla. Pensando caras que eu gosto muito, como o Jason e o Christophe Blain, eles têm um timing narrativo muito bom, muito eficiente e eu me baseio no trabalho deles de diferentes formas, como escolher intervalos precisos – talvez isso seja uma influência de uma narrativa mais didática que eu tenho”

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“Eu tinha acabado de me mudar pro meu atual apartamento e foi uma ideia que surgiu. Queria tentar fazer uma analogia entre a minha casa e o meu corpo. Achei que seria interessante dividir em blocos para contextualizar a sensação de estar ali. A primeira coluna é a introdução da história, encaixando a sensação no lugar, de eu abaixar a luz da tela, mostrar o horário, a minha cara e eu descalço. Fazer esses três blocos de informação, sendo a segunda coluna esse desenho grande foi justamente pra ambientar o apartamento vazio e criar um padrão com o taco do chão. Quando eu penso no ritmo de um quadrinho eu penso igual a um compasso de música. O postal é um pouco ritmado, com todas as colunas acontecendo em um tempo específico”

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“Eu queria criar um clima com essa borda azul. Eu nunca fui um bom colorista pra falar a verdade. Ano passado eu tive a obrigação de começar a colorir pra nova versão do Dodô, que vai sair agora na Polônia e em Portugal. Tive de aprender e passei a parar de tentar ser naturalista na cor e tentar realmente a começar a entender como criar clima pra cor e ali eu precisava desse ambiente mórbido. O branco ia tirar um pouco desse contraste. Talvez eu pudesse ter feito tudo preto, que também criaria um contraste ótimo. São um pouco sensitivas demais as minhas intenções nesse quadrinho. O objetivo era que não fosse uma HQ good vibe”

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“Eu gosto do meu postal. Hoje talvez eu fizesse um pouquinho diferente, mas eu gosto dele. Eu pensei como uma página na horizontal, em função do verso do postal. Não foi algo que sofri pra fazer, nem planejei muito. Fiz umas duas versões, no máximo. Eu não costumo muito fazer muitas versões e rascunhos. Eu penso muito antes de fazer e quando faço já é uma versão quase definitiva”

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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