Eu escrevi pra edição de março da revista Rolling Stone sobre a primeira HQ solo do quadrinista e jornalista Alexandre De Maio. A recém-lançada Raul (Editora Elefante) é uma reportagem em formato de história em quadrinhos sobre a vida real de um jovem criado na Baixada do Glicério, no Centro de São Paulo, com talentos equiparáveis tanto para a música quanto para crimes bancários. Apesar de uma carreira promissora como rapper, o protagonista anônimo opta por uma vida muito mais lucrativa investindo em golpes de cartão de crédito. Ao longo da obra, são mostradas as várias passagens do personagem por prisões durante diversos momentos de sua vida, as múltiplas técnicas possíveis para um golpe envolvendo o uso de cartões dentro de uma agência bancária, o despertar da carreira musical do rapper e seu posterior retorno ao crime.
Recomendo a leitura de Raul e depois uma lida na minha matéria, atualmente nas bancas, na mais recente edição da Rolling Stone. Enquanto isso, deixo por aqui a íntegra da entrevista que fiz com De Maio, um dos principais autores do gênero jornalismo em quadrinhos do país. Ó:
Você se lembra do instante em que percebeu que queria contar essa história?
Lembro sim, foi quando eu estava vendo as fotos dele no instagram em Cancun depois de ter conversado com ele tempos antes pelo messenger, quando ele estava preso em um cadeia em brasília. Nesse momento eu vi que aquela história, o fato de não ter praticamente nenhum matéria, nem na interne,t sobre os Rauls, o fato dele ter sido um rapper, um universo que conheço muito bem, ele ter crescido na Baixada do Glicério, onde meu vô morava e a necessidade que eu sentia de fazer um livro de jornalismo em quadrinhos, tudo isso se juntou naquele momento.
Eu fico curioso também em relação às suas técnicas. Você pode falar um pouco como funcionam os métodos e as etapas do seu trabalho, entre entrevistar sua fonte e entregar o livro pra editora?
É uma história que acompanho há mais de 10 anos, construindo uma relação de confiança com a fonte. Quando decidi começar a fazer o livro, basicamente, a primeira etapa foi fazer muita pesquisa, marcar as entrevistar, transcrever, checar os fatos, e construir um roteiro, depois desenhar toda a história e finalizar. Só com o livro pronto eu fui atrás da editora. O processo não se diferencia de uma reportagem tradicional.
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“A relação com a fonte é complexa pelo teor das reportagem, mas qual relação não é?”
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Sempre esteve claro para você que você estaria presente no quadrinho como um personagem?
Sim, acho que é um recurso do jornalismo em quadrinhos que, se bem usado, enriquece e contextualiza melhor o conhecimento do fato.
No livro você deixa claro como sempre acompanhou a carreira do seu protagonista e como foi necessário criar uma relação de confiança e intimidade entre vocês. É difícil manter um distanciamento em relação à sua fonte por causa dessa proximidade entre vocês?
Quanto mais próximo você é de uma fonte, mais difícil é manter a objetividade. Porém, quanto mais próximo você é de uma fonte, mais informações exclusivas você consegue. É uma linha tênue que você tem que andar para chegar próximo de um fato novo. Jornalismo é lidar com isso diariamente. A relação com a fonte é complexa pelo teor das reportagem, mas qual relação não é?
E tendo você acompanhado toda a vida desse personagem, você consegue se distanciar a ponto de não julgar as escolhas dele?
Eu não julgo ninguém e nem as escolhas dele, mas lamento que ele não tenha conseguido viver do que mais gostava de fazer e tenha engrossado a estatísticas de jovens que foram para o mundo do crime.
Eu já te fiz essa pergunta na mais recente Bienal de Quadrinhos de Curitiba, mas queria repetir por aqui, é aquela reflexão proposta pelo Joe Sacco no prefácio de Reportagens: como conciliar a subjetividade inerente aos desenhos com a verdade objetiva que se aspira em uma matéria jornalística?
Conciliar isso é o desafio de toda a prática jornalística. Existe subjetividade no texto, com o tom, com a edição, com a opinião. Também existe subjetividade na fotografia, pelo ângulo escolhido, pelo que se destaca. Um desenho pode ser mais fiel ao retratar uma situação do que um texto ou uma fotografia, dependendo do objetivo quem os faça. No meu trabalho, uso as técnicas tradicionais de apuração, mas a tentativa do jornalismo de retratar “a” verdade é uma utopia.
Você pode falar, por favor, da sua decisão de manter quase todos os rostos do livro sem feições explícitas?
Foi um desafio estético que eu me impus inspirado no fato de não poder revelar a identidade do entrevistado. Como desenvolvi um novo estilo de desenho para esse trabalho achei que seria interessante esse desafio de não poder usar o recurso da expressão. Como seria fazer a pessoa reconhecer os personagens sem que eles tivessem rosto ao longo de toda a história ? Isso criou a necessidade de explorar outros recursos visuais e narrativos.