Está no ar o segundo post da série Thiago Souto e a Av. Paulista. O projeto consiste na reunião de depoimentos de Thiago Souto, autor de Labirinto, sobre os bastidores e os temas abordados por ele em sua próxima HQ, na qual eu estou trabalhando como editor. O título do álbum, a editora responsável por sua publicação e a sinopse da obra serão anunciados nos próximos dias. Por enquanto, adianto que a obra será lançada na Comic Con Experience 2018, é ambientada na Avenida Paulista e aborda a dinâmica de funcionamento da via aos domingos, quando é fechada para veículos e fica aberta exclusivamente para pedestres, ciclistas e skatistas.
Após comentar sobre suas lembranças mais antigas da Avenida Paulista no post de abertura da série, o artista fala agora sobre suas idas iniciais ao local após a abertura para pedestre aos domingos. A medida foi implementada em outubro de 2015 com o objetivo de fazer a população local se apropriar da cidade e o quadrinista tem estado rotineiramente no local aos domingos desde então. A seguir, aspas de Thiago Souto:
Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #2: “É muita gente diferente compartilhando o mesmo espaço”
“É preciso ocupar as ruas”
“Eu não lembro exatamente da minha primeira ida à Paulista aos domingos com ela fechada para carros. É engraçado: a Paulista sempre foi esse lugar democrático em que todo mundo ia pra expressar suas reivindicações e suas ideias, independentemente de quais elas fossem. A abertura dela aos domingos para pedestres fez parte desse movimento da gestão passada da Prefeitura de fazer a cidade e as ruas mais voltadas para as pessoas. Eu simpatizo bastante com a proposta, então lembro que as minhas primeiras idas nela aos domingos, exclusiva para pedestres, foi porque eu acreditava nisso. Óbvio, a Paulista tinha toda essa carga emocional para mim, mas a abertura aos domingos foi um projeto que tomei pra mim. ‘Isso tem que dar certo’, então vamos”.
“Tinha toda uma onda mais conservadora que achava a iniciativa uma péssima ideia, inventavam desculpas completamente absurdas. Eram pessoas que não saiam de casa a não ser para ir a um shopping e falavam besteiras em relação ao projeto. Mesmo que na época, por causa da novidade, alguns questionamentos fossem relevantes, valia à pena fazer um teste, ver o que ia acontecer. Então era importante estar na avenida aos domingos, para que aquilo desse certo. Então minhas idas iniciais foram muito nesse sentido”.
“Não sei se isso corresponde à realidade, mas lembro que uma impressão que eu tinha em relação às pessoas que iam naquela época inicial, nos primeiros fins de semana, era de um sentimento parecido com o que eu e a minha esposa tínhamos: é preciso ocupar as ruas, é preciso ocupar a Paulista para que essas ideias continuem vigorando. A partir do momento que ela ficasse vazia sabíamos que ia ter um carniceiro pronto pra queimar o filme. Íamos e as pessoas que víamos por lá tinham essa mesma vibe. As pessoas iam com essa energia de fazer coisas na rua, começavam a criar uma relação com aquele ambiente. Você via que as bandas e os músicos passavam a te reconhecer, te viam na semana seguinte e cumprimentavam. Então rolava uma cumplicidade entre as pessoas que iam nessa fase inicial e as que estavam por lá fazendo alguma atividade”.
“No nosso caso, por causa da Alice, minha filha, víamos sempre o pessoal das bolhas de sabão, as meninas que levavam bambolês e alguns grupos específicos. Eram bandas que eu, minha esposa e minha filha gostávamos muito e sempre assistíamos”.
“Se é pra ser democrático, então vamos ser democráticos de verdade”
“É engraçado, você vê diversidade nas pessoas que andam por lá, sejam pelas camisas ou qualquer outra coisa. E isso é bom no final das contas. Se é pra ser democrático, então vamos ser democráticos de verdade. Tava claro que a Paulista não era de um grupinho fechado de pessoas que simpatizam com um ou outro grupo político. Aí você ia vendo outros tipos ocupando aquele lugar e a Paulista começou a ficar mais cheia aos domingos e outras atrações começaram a aparecer. Depois de um tempo ela passou a ser usada com mais intensidade aos domingos para manifestações políticas, de todos os tipos inclusive. Aliás, algumas dessas manifestações não teriam público nenhum não fosse a Paulista aberta para os pedestres, elas se aproveitavam para planfetar pra quem estivesse passando”.
“Ainda vamos lá aos domingos, mas não com a mesma frequência do começo, até por ela estar ficando realmente muito cheia. Continua sendo uma experiência legal. Atualmente ela está muito mais com a vibe desse meu novo quadrinho do que na fase inicial, quando a sensação era mais de celebrar a ocupação da cidade, hoje já virou parte da rotina. Acredito que não há nenhuma hipótese dela voltar a funcionar aos domingos para carros”.
“Espécie de rugido…”
“Tem uma imagem que é muito impressionante para mim, me marcou principalmente nas primeiras vezes em que estive na Paulista aos domingos aberta só para pedestres: a hora, naquela época às 17h, em que a avenida é aberta para os carros. É uma transformação brutal. Em um momento você só escuta as vozes e o barulho da música, mas a medida em que os carros vão chegando, você começa a ouvir uma espécie de rugido. Era impressionante como o ambiente se transformava em questão de minutos.
“Toda essa inversão ligada à proposta inicial de tornar a Paulista mais humana tinha como objetivo mostrar como aqueles lugares poderiam ser muito mais aproveitados se as pessoas pudessem andar por eles, pudessem ter uma relação diferente que não envolvia o fluxo por carro ou ônibus. A mesma coisa vale pro Minhocão, que acho que já abria aos domingos antes da Paulista. É um lugar super barulhento que de repente tem gente andando e crianças brincando”.
“Eu gosto muito de andar, então o que for possível fazer a pé é melhor para mim. Quando você anda, tem uma relação muito diferente com o espaço que está ocupando. Até mesmo nesse momento da Paulista da semana, caótica, andando você passa a reparar mais o ambiente e as pessoas. De carro você não vê nada, só o cara que tá querendo te fuder no carro da frente (risos)”
“Tudo vira diversão”
“Quando a abertura pra pedestres aos domingos começou a valer, íamos pelo menos três domingos por mês. Hoje vamos, no máximo, uma vez por mês. Mas tem, sim, isso da rotina. No começo, tinham algumas bandas que gostávamos de ver. Por exemplo, o Grande Grupo Viajante, que ficava ali em frente ao Conjunto Nacional. Eles misturavam rock, brega, forró, funk, o tecno-brega do Pará, era bem divertido. Uma menina tocava sax e outra trompete, tinha um cara que tocava guitarra, um vocalista que fazia uma espécie de rap, um tecladista, um baixo… Era um grupo grande e eles estavam sempre lá. Íamos tanto que decoramos as músicas. A Alice adorava. Mas a rua acaba sendo muito dinâmica, alguns grupos, como esse, você não vê mais por lá. Pelo menos não encontrei nas últimas vez em que fui”.
“Sempre começamos os nossos passeios na Consolação, ali por perto do Metrô Consolação, subimos, almoçamos ali na Augusta, depois vamos em direção à Paulista e ao Conjunto Nacional. Aí andamos, andamos bastante, andamos e paramos no que gostamos”.
“Gostávamos bastante de parar com as meninas do bambolê. Nessa época do Grande Grupo Viajante tinha um grupo de meninas que ficava ali por perto que levava vários bambolês e a Alice tinha aprendido a girar e curtia. Era no mínimo meia hora parado por ali. Um pouco mais pra frente tinha um cara que fazia bolha de sabão gigante. Mais meia hora, pelo menos. Sabe aquelas saídas de ar do metrô? Fica uma ventania imensa e a Alice subia e ficava jogando jogando água pra ver a água flutuar… Crianças se divertem muito facilmente. É muita imaginação e ficávamos por lá esperando, olhando e chamando, ‘vamos, vamos ver o que tem mais pra frente’ (risos). Acaba sendo um parque grandão para as crianças”.
“Quem é pai talvez entenda: já é uma diversão ficar só olhando o seu filho brincar. Eu nunca fui o tiozão das crianças, mas depois que a Alice nasceu mudou a dinâmica. Você também passa a se divertir com muito menos, ver ela brincando passa a ser parte do entretenimento. Ela aprendeu a rodar bambolê na Paulista, por exemplo. Depois de umas três ou quatro vezes indo aos domingos. Teve épocas que de dentro do metrô, da Ana Rosa até a Consolação ela ficava girando (risos). Só isso já é parte da diversão”.
“Cada um no seu rolê”
“É muita gente diferente compartilhando o mesmo espaço. Mas nem sempre parecem estar no mesmo lugar. Cada um tá muito no seu próprio rolê. Eu tô fazendo isso aqui e não me importo muito o que tá rolando ali. Quando você para e olha tudo que tá acontecendo ao redor, você percebe como é esquizofrênica a coisa. Você tem de tudo. O cara de bicicleta, o cara do show, o louco dançando na rua, alguém pedindo intervenção militar em frente à FIESP, sabe? Essas merdas todas e tudo ao mesmo tempo, agora. Uma loucura, uma montanha-russa, mas ninguém está nem aí”.
“De certa forma as pessoas mantém a dinâmica que elas se comportam na cidade durante a semana, algo bem individualista, cada um na sua. Tirando quando tem um show com muita gente e acaba unindo muitas pessoas. Também naquelas, né? Todo mundo vendo, mas o nível de interação entre as pessoas não é muito grande. Sinto que isso se intensificou com o aumento do número de pessoas que passaram a ir aos domingos. Com menos gente, as pessoas interagiam um pouco mais, mas acho que isso é natural e, sei lá, tudo bem”.
CONTINUA…
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>>Thiago Souto e a Av. Paulista – Parte #1: “Parecia coisa de ficção científica”.