Sobre a remuneração de profissionais para a mediação de eventos de histórias em quadrinhos

O mercado brasileiro de histórias em quadrinhos jamais será profissionalizado enquanto profissionais contratados para a mediação de mesas, bate-papos e painéis não forem devidamente remunerados. Por mais óbvio e lógico que seja esse raciocínio, são cada vez mais comuns os convites que recebo para trabalhar de graça em eventos públicos ou privados, com patrocinadores e, ocasionalmente, com cobrança de ingressos caros e fins lucrativos.

Não me importo em mediar de graça eventos envolvendo artistas e publicações independentes. Faço mediações do tipo constantemente e continuarei a fazer sempre que estiver com a agenda livre, o local seja de fácil acesso e as obras a serem debatidas sejam do meu interesse. No entanto, considero ofensivos convites do tipo partindo de eventos com suporte – seja público ou privado – que não envolvam nenhum tipo de remuneração. 

Recebi dois convites do tipo recentemente partindo de organizadores de convenções de cultura pop de grande porte que me deram como justificativas: 1) “não dispomos de recurso de cachê” e 2) “gastamos tudo para conseguir trazer os convidados”. Desculpas amadoras e inaceitáveis. São eventos que cobram ingressos caros, ostentam seus convidados nacionais e internacionais e cobram de seus expositores.

Não dispõe de recurso de cachê? Pois deveria dispor. Gastou tudo para trazer seus convidados? Pois deveria ter administrado melhor. Repito: desculpas amadoras e inaceitáveis.

Nos sete anos do Vitralizado já imprimi uma coleção composta por 21 postais assinados por ilustradores, designers e quadrinistas, e todos foram remunerados. Não faço mais do que a obrigação de alguém que encomendou um serviço a outra pessoa, mas lembro que o blog é uma empreitada independente e sem fins lucrativos que, ainda assim, jamais deixou de pagar a um colaborador. Não faz sentido que um evento de grande porte com artistas internacionais e cobrança de ingressos não aja da mesma forma. 

Na maior parte das vezes, convites para mediações não remuneradas partem de empresas que se aproveitam de uma cena criativa para promover suas marcas às custas de um trabalho profissional, seja ele artístico ou jornalístico – no meu caso. Não se trata de “paixão pelos quadrinhos”, justificativa canalha e ingênua. É exploração mesmo.

Exploração inclusive que fomenta de forma deliberada esse amadorismo conveniente aos interesses dessas empresas. A infantilização crescente nos debates relacionados às histórias em quadrinhos no Brasil (sobre a qual falei na coluna que publiquei semana passada no site do Itaú Cultural) passa pelo uso de mão de obra não gabaritada para conduzir discussões e pelo escanteio de profissionais com formação, estudo e currículo para tratar desses temas em mesas, debates e bate-papos. Sem massa crítica, resta apenas massa de manobra, colecionismo, ostentação e consumismo.

Aguardo os próximos convites.

(na imagem que abre o texto, arte do Basil Wolverton tirada lá do sensacional The Bristol Board)

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

10 comentários

  1. Pertinente. Esse eterno “vamos fazer na amizade porque aqui na cena é todo mundo amigo” é um dos principais motivos pelo qual o quadrinho no Brasil continua uma cena.

    As pessoas só vão levar os quadrinhos a sério quando os profissionais da área se levarem e se portarem como tal.

    Mandou bem!

  2. Oi Ramon! Tenho rejeitado muitos convites e muito provavelmente alguns dos mesmos eventos que você, por falta de remuneração.
    Infelizmente além de toda a desvalorização e exploração por parte dos contratantes, sem a consciência e comprometimento dos nossos pares no sentido de se posicionarem e recusarem trabalhar de graça, as coisas continuarão de mal a pior.
    Pessoalmente fico muito decepcionada com colegas que já foram diretamente questionadxs e que inclusive sustentam nas redes sociais discursos politizados, aceitando convite após convite para trabalhar de graça.

    Seu posicionamento é muito bem vindo.

  3. Mas sempre foi assim, se o artista é estabelecido pagam ele para ir, se não é estabelecido tem que, na melhor das hipóteses, trabalhar de graça em troca de visibilidade e projeção.

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