O quadrinista Kainã Lacerda lança a terceira edição da revista Cintaralha Comix na Butantã GibiCon, em São Paulo, no dia 1º de dezembro. O álbum terá 52 páginas coloridas e vai marcar o início de uma saga em três partes batizadas pelo autor de A Ascensão, o Auge e a Queda do Bebe-Mijos – protagonizada por um personagem que tem como única motivação sua obsessão por urina.
Conversei recentemente com Lacerda pouco antes da abertura da exposição de originais do autor da 9ª Arte Galeria. Seus trabalhos tem como principais características forte teor pornográfico – e possivelmente ofensivas para muitos. É um quadrinista extremamente técnico e habituado ao uso do nanquim, prática inspirada pelos trabalhos de autores como Daniel Clowes e Peter Bagge.
Em meio à produção dessa terceira Cintaralha Comix o quadrinista escreveu um texto de bastidores sobre o desenvolvimento do quadrinho. Ele falou sobre o ponto de partida da obra e a criação de seus personagens e também compartilhou algumas imagens mostrando o making of da HQ. Texto bem massa, dá uma lida:
“O personagem do BEBE-MIJOS surgiu num zinezinho que eu fiz em 2017, chamado DUMP COMIX, que eu fiz com o intuito de ser uma compilação de historinhas escatológicas sem nada mais além disso, só pra ser maneiro mesmo. Eu tive a idéia de criar o personagem do Bebe-Mijos numa madrugada que eu tava sem conseguir dormir e tava lendo coisas aleatórias no meu celular. Dentre elas, eu resolvi revisitar um site que eu via anos e anos atrás, não lembro quem me apresentou, mas é uma parada incrível. Se chama THE CHURCH OF EUTHANASIA (Igreja da Eutanásia). A Igreja da Eutanásia é uma instituição gringa que prega o fim da raça humana. O lema deles é “Salve o planeta, se mate”. Enfim, eles tem vários artigos malucos super-interessantes que envolvem suicídio, aborto, sodomia (ou qualquer forma de sexo que não resulte em procriação) e canibalismo (sem envolver homicídio, canibalismo de pessoas previamente mortas). É morbidamente incrível!
Dentre esses artigos, eles têm um sobre os benefícios de beber a sua própria urina, chamado “A Água da Vida”. Foi lendo esse artigo numa madrugada de insônia que me veio a primeira inspiração pra criar um personagem que sua única motivação é beber mijos“.
“Inicialmente, o personagem do Bebe-Mijos ia ser um carinha humano normal. Eu cheguei a rascunhar a primeira página com ele como um cara, mas eu não gostei muito do resultado e achei que o personagem precisava de uma característica mais própria. Foi numa dessas, que olhando meu sketchbook, eu vi um desenho que eu tinha feito um tempão atrás, de um monstrinho, super simples, e eu achei ele perfeitamente carismático o suficiente pra ser a encarnação do Bebe-Mijos.
Eu fiz essa primeira história dele e lancei na Dump Comix, atualmente esgotada. Nela, aparecem como personagens, o Bebe-Mijos e uma outra personagem chamada Joanna Esquisitona”.
“A Joanna foi uma personagem que eu criei pra ser o corta-barato do Bebe-Mijos. Eu criei ela pra ser apática e indiferente ao sofrimento dele, da sede insaciável por urinas. Achei que foi uma combinação legal e é isso aí. Fim da história.
Quando eu lancei o Dump Comix, um amigo muito próximo meu curtiu muito a história e me falou que eu deveria expandir o LORE desse personagem. E foi daí que veio A ASCENSÃO, AUGE E QUEDA DO BEBE-MIJOS, uma história em três atos, em três edições diferente da minha revista, CINTARALHA COMIX, a primeira edição que vai ser lançada agora na Butantã GibiCon, se a gráfica colaborar”.
“Inicialmente, parecia uma idéia de boa expandir esse personagem, mas eu percebi que era muito difícil desenvolver um personagem do qual sua única motivação era beber mijos. Não tem muito pra onde ir. Eu tive que pensar em várias paradas pra deixar ele interessante e no final das contas eu comecei a criar todo um universo em volta dele. A história se passa numa sociedade paralela à nossa, que coisas aconteceram que meio que mudaram o rumo da história, mas isso é algo que eu vou expandir mesmo no segundo capítulo”.
“Eu acabei criando uns personagens coadjuvantes e secundários que eu acho que acabam enriquecendo a história. Entre elas está uma chamada NICOLE, que eu queria que fosse o exato retrato do mal encarnado. Ela é fortemente baseada em algumas pessoas que eu já conheci, só que exagerada ao extremo.
O meu processo nessa história é todo no digital. Desde os thumbnails até a finalização, e eu tô adorando trabalhar dessa forma. Eu consigo me organizar bem mais no computador e eu acho que combina com o visual que eu queria que essa história tivesse. Eu queria algo mais limpinho, meio parecido com estilinho de animação do Cartoon Network, pra dar contraste com o conteúdo da história, que provavelmente é o aposto disso”.