A editora Escória Comix completou cinco anos em junho de 2021. Criado e editado pelo quadrinista Lobo Ramirez, o selo tem entre seus títulos mais célebres publicações como Úlcera Vórtex e O Alpinista, de Victor Bello; Esgoto Carcerário, de Emilly Bonna; Nóia – Uma História de Vingança, de Diego Gerlach (em parceria com a Vibe Tronxa Comix); e O Deplorável Caso do Dr. Milton e 400 Morcegos, ambos de Fabio Vermelho. Como já comentei em outras oportunidades, considero um dos catálogos mais consistentes do mercado brasileiro de HQs.
Lobo Ramirez celebrou o aniversário de cinco anos de sua editora com o anúncio da revista El Perro Feo, coletânea com chamada aberta para HQs girando em torno da temática “TOSCO, PODRE & RADICAL!” – você encontra outras informações sobre as incrições clicando aqui.
Conversei como o criador e responsável pela Escória Comix sobre esses cinco primeiros anos da editora. Ele me falou sobre as origens da El Perro Feo, refletiu sobre a história de sua editora, comentou algumas das HQs publicadas por ele, adiantou lançamentos de um futuro próximo (trabalhos novos de Victor Bello e Fábio Vermelho) e revelou alguns planos para um futuro mais a longo prazo. Papo bem bom. Compartilho a seguir, posts publicados aqui no blog sobre os títulos da Escória Comix e, em seguida, a íntegra da minha conversa com Lobo Ramirez. Saca só:
*Papo com Lobo Ramirez, editor do selo Escória Comix: “O que realmente importa é a essência de ir contra qualquer pensamento ignorante, falsos moralismos e fanatismos”;
*Papo com Lobo Ramirez, autor de Supermercadinho Brasil: “Tentei me aventurar na dimensão das palavras”;
*Escória Comix e Pé-de-Cabra: respostas das HQs brasileiras a tempos sombrios;
*Papo com Victor Bello, autor de O Alpinista e Úlcera Vórtex: “Quando começo a desenhar eu nunca sei no que vai dar”;
*Papo com Emilly Bonna, a autora de Esgoto Carcerário: “É o resultado de um aglomerado de coisas que consumo desde a infância, de Castelo Rá-Tim-Bum a John Waters”;
*Papo com Riotsistah, autora da Máquina Assassina: “Se for para recomendar um álbum para ouvir enquanto você lê a HQ, seria o Maggot Brain, do Funkadelic”;
*Papo com os autores da coletânea Porta do Inferno: “A gente vê o diabo diariamente e faz de conta que não”;
*Papo com Fábio Vermelho, autor de Eu Fui um Garoto Gorila e 400 Morcegos: “Represento a violência de forma gráfica porque é assim que ela é”;
*Papo com Fabio Vermelho, autor da revista Weird Comix: “Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena”;
“Eu já teria desistido se as coisas não viessem progredindo”
Por que lançar agora a revista El Perro Feo? Por que esse nome? Você teve alguma inspiração em particular para esse projeto?
Deu vontade de comemorar os cinco anos da firma com alguma coisa nova, saca? O nome veio de uma pintura daquelas de cartaz de filmes de Gana, que os caras fazem umas versão foda de filmes ruins e/ou bons. Eu vi uma pintura dessas de algum filme de cachorro e era um puta cachorro feio pra porra, sei lá, achei engraçado na época e ficou na cabeça, CACHORRO FEIO. Aí uns anos atrás eu fiz um quadrinho de uma página só chamado LOS DEFENSORES DEL PERRO FEO, que era um monte de doido com bigode protegendo um pobre cão horrível. A idéia era ser uma série com vários autores fazendo a continuação, com um página apenas, mas só rolou uma página minha e uma do Victor Bello. Beleza, o nome ficou na cabeça e eu decidi usar só o EL PERRO FEO pra revista, porque é um nome que acho engraçado. Mas outro motivo é que o nome em espanhol simboliza a união latino-americana contra os imperialistas estadunidenses.
E por que TOSCO, PODRE & RADICAL! como tema? Quais são as suas expectativas para essa publicação?
Parece uma boa trindade mística para o primeiro volume da revista, resume bastante toda a essência da Escória Comix. Se não me engano, quem deu a ideia desse slogan aí foi o Diego Gerlach, não pra revista especificamente, mas no geral são três palavras que uso faz tempo pra divulgar os trabalhos, me pareceu ornar bem.
Grandes expectativas para a REVISTA EL PERRO FEO. A ideia é não ser apenas uma antologia de quadrinhos nacionais e dessa vez ter até material de gringo (se eles mandarem e estiverem à altura, pensarei com carinho se aceito), textos elucidantes sobre o futuro da humanidade, dicas culinárias para sobreviver numa ilha remota, resenhas de bandas, filmes e etc. Então vai ser uma mistura de vários quadrinhos e umas coisas que teria em alguma revista doida. A princípio vai ser uma por ano, sempre com algum tema novo, e, possivelmente, um dia virar um programa de variedades de domingo, em algum canal aberto na TV. O apresentador vai ser Carlos Panhoca, mas ele não sabe disso ainda. Bom, espero que o perro feo seja divulgado para o mundo todo e alcance sucesso intergaláctico bem maior que a própria Escória .
Queria saber mais sobre as origens da Escória Comix. Quando você teve a ideia de criar a editora? Qual era o seu objetivo com ela? Você tinha algum artista em mente para publicar?
Cara, vou começar bem na gênese da podreira, se liga, tudo começou num verão caliente muito tempo atrás, numa era em que a coxinha na padaria ainda custava um real. Minha versão jovem, sem bigode, mas com cabelos longos de metaleiro punheteiro, decidiu parar de procrastinar e terminar de desenhar um quadrinho. Até então eu só tinha feito um monte de rabisco imbecil. Monstrinhos e pirocas voadoras. Minha ideia genial pra não pensar muito foi pegar uma folha sulfite, desenhar seis quadros iguais e xerocar uma porrada de cópia, assim era só ir preenchendo os quadros com a história e pronto, deu certo. Enfim, terminei incríveis oito páginas de uma história chamada Escrotum – Vaginal Vortex, mas ficou por isso mesmo, até que no ano seguinte, 2014, conheci a criatura horrível Luiz Berger. Realmente não consigo lembrar como foi que tive esse azar, mas fato é que ele me concedeu a oportunidade de lançar um gibi pelo selo dele, Gordo Seboso. Decidi usar o Escrotum como base para um zine de mesmo nome, desenhei mais umas páginas e pronto, meu primeiro gibizinho estava em mãos. E daí pra uma mesinha em uma feira de quadrinhos independentes foi um peido.
Nas feiras fui conhecendo a mística CENA DE GIBI “BRASILEIRA”, claro que como estava em São Paulo talvez o correto fosse ”cena de gibi paulistana, meo”, mas ainda assim vinha muita gente de outros estados, então acho que dava pra ter uma visão geral. A questão é que, com o tempo, percebi que tinha pouca coisa nova que eu realmente gostava e me incomodava muito a quantidade enorme de trabalhos ditos artísticos (sabe aqueles zines em formato de triângulo conceituais, feitos por um hipster universitário que se acha um gênio e vende aquela merda por 100 reais?!). Passei muito tempo reclamando e ficando pistola com qualquer quadrinho metido a besta de algum designer de 17 anos fazendo autobiografia sentimental. Essa raiva toda e a frustração de não ter ficado milionário vendendo zine tosco me fizeram repensar toda a minha existência, eu estava cansado de só reclamar e decidi fazer alguma coisa. Foi quando me veio na cabeça a ideia de criar um selo/editora que juntasse vários autores de quadrinhos mais podres, imbecis, toscos, sujos, drogados, retardados, engraçados e etc. O objetivo era divulgar essa gloriosa produção que eu sabia que era vasta e com ótimos quadrinistas. O primeiro deles que quis publicar foi ninguém menos que o próprio Victor Bello.
Nessa origem da Escória, o quanto você já tinha resolvido sobre a linha editorial com a qual você queria trabalhar? Você tinha algum filtro específico em mente?
Veja bem, meu caro mastodonte do jornalismo, nunca pensei em linha editorial ou nada nesses termos. Apenas segui o lema “se eu gosto disso aqui deve ter outro doido que nem eu que gosta também”. Claro que eu gosto de muita coisa que não se encaixaria na Escória, mas sempre foi muito simples seguir o filtro do “É divertido? Desenho tá massa? Não se leva muito a sério? Se permite ser idiota, mas sem deixar de ser sexy?” .
“O divisor de águas para o selo foi Úlcera Vortex, do Victor Bello”
E nesse começo da Escória, o que mais te surpreendeu? Aliás, qual era a sua experiência com edição e publicação antes da Escória? Qual era a sua bagagem em relação a lidar com autores e lojas de quadrinhos antes de começar a editora?
Claro que o mais surpreendente é ainda não ter largado tudo e ir viver da minha dança sensual e da venda de fotos eróticas para amantes de mullets. Mas, na real mesmo, o que sempre me surpreende são os quadrinhos que os autores me entregam para publicar, sempre uma coisa mais animal que a outra. Fico muito feliz de poder publicar tanta gente foda.
Minha experiência anterior veio de ter lançado o zine Escrotum, pelo selo Gordo Seboso. Então, pra mim, edição é saber mandar o arquivo certo pra gráfica, imprimir e não vir com páginas na ordem errada. O resto é só propaganda e papo de vendedor que fui aprendendo com tentativa e erro.
Em relação a lidar com autores, acho que por eu mesmo ser um autor e saber como é ficar meses desenhando um treco que não vai vender o suficiente pra pagar as horas perdidas da minha vida, ajudou e ajuda bastante. Com as lojas de quadrinhos tive que sacar como funcionam as coisas. Eu nunca tinha lidado com lojas antes, mas tive sorte de conhecer o Douglas [Utescher] e a Dani [Utescher], da Ugra, que sempre me ajudaram muito e deram os toques todos.
Qual balanço você faz entre as suas expectativas quando deu início às atividades da Escória e o que o selo é hoje? E quais você considera as principais lições dessa empreitada? Quais são os seus principais aprendizados nesses cinco anos?
O plano inicial sempre foi insistir por cinco anos e se, depois desse tempo, a editora fosse autossustentável, então sucesso puro. Essa era minha expectativa e, pra ser sincero, ela não se realizou, a Escória não é autossustentável, porém eu teria desistido já se as coisas não viessem progredindo. Sinto que aos poucos consegui construir algo relativamente sólido, sabe? A Escória é coerente com sua proposta e alcançou uma certa consistência, mas acho muito importante que ela se torne autossustentável e talvez falte muito pouco pra isso. Enquanto enxergar essa possibilidade, vou lutar. E só pra deixar claro, a importância disso é poder ter uma base forte para se manter a longo prazo e realmente entregar os frutos maduros (ou podres mesmo) dessa árvore mutante.
Mas é isso aí, a Escória começou desconhecida e agora até que tem uma certa visibilidade. A principal lição disso tudo é se manter verdadeiro com o objetivo inicial: divulgar o quadrinho tosco, podre e radical.
Rapaz, acho que o principal aprendizado nesses cinco anos foi encontrar o meu “papo furado interior de vendedor” e pôr em prática essa arte da mentira. Afinal, é tudo uma questão de saber entreter o cliente o tempo suficiente para que meus comparsas possam roubar suas carteiras.
Suspeito que a primeira vez que conversamos pessoalmente foi em alguma feira de quadrinhos. Para mim, a Escória é um desses selos muito associados a eventos de HQs e publicações independentes. Como está sendo para a editora esse quase um ano e meio sem eventos por conta da pandemia?
Com certeza foi em um ambiente insalubre desses que tivemos nosso encontro cósmico. Ter uma editora é só uma desculpa para ir nas feiras e eventos e dar rolê, conhecer lugares novos, se embebedar com novas bebidas e ainda conseguir pagar uma parte dos custos dessa mini-férias vendendo gibi podre. Ou seja, está sendo uma merda essa vida sem fazer o que realmente importa que é diversão e curtição.
Agora, em relação à editora, as feiras e os eventos são muito importantes para o ecossistema da produção independente. Porém, nunca quis depender delas para encontrar meu público, então sempre mantive uma divulgação constante nas redes sociais. As vendas no site aumentaram um pouco na pandemia e foi o suficiente para manter a editora rodando e lançando material novo, que também é o que importa.
“Sempre fui ativo nas redes sociais, não queria depender somente das feiras”
E apesar dessa presença constante da Escória em feiras, você também sempre foi muito ativo em redes sociais, divulgando as suas publicações. Imagino que esse trabalho nas redes ganhou um outro peso desde o início da pandemia, certo?
Exatamente, sempre fui ativo nas redes sociais porque não queria depender somente das feiras. Mas é engraçado porque no começo eu tinha a ideia de também procurar outros meios de divulgação para não depender apenas das redes sociais também, isso foi por água abaixo. O que antes era uma parte importante, mas não exatamente o principal foco, acabou se tornando o principal foco durante a pandemia. Resta apenas gerar conteúdo infinito para o deus algoritmo do Instagram, rezando para que as novidades da editora continuem chegando aos fiéis leitores.
E qual é a situação da Escória hoje? O selo é autossustentável?
QUASE. Como disse anteriormente, falta bem pouco pra que isso aconteça. Pode não parecer grande coisa, mas, cara, esse lance é significativo demais. Uma editora de quadrinhos podres nacionais, gerenciada por um desenhista preguiçoso e desorganizado, estar prestes a se pagar e ainda gerar grana suficiente pra rodar sozinha é um feito e tanto. Eu mereço o Nobel da Paz ou o Lobo de Ouro, no mínimo, não acha? Sei que muita gente ainda acha piada tudo que eu faço ou não da valor, mas foda-se, porque fatos são fatos e a realidade é que a situação da Escória hoje é QUASE boa e isso ninguém me tira.
Quantos títulos a Escória publicou até hoje? Tem algum título do catálogo da Escória que tem algum significado especial para você? Alguma obra que tenha um peso mais marcante para a história do selo?
Porra bixo, eu queria contar certinho pra saber mas vou arredondar, por volta de uns 30 títulos. E com certeza, o quadrinho divisor de águas para a história do selo foi o Úlcera Vortex – Volume I, do Victor Bello.
Acho que a obra que realmente chamou minha atenção para o seu trabalho foi a primeira edição de Úlcera Vórtex. O que esse título representa para a história da Escória? O que você vê de mais especial no trabalho do Victor Bello (e não me refiro apenas ao Úlcera, no geral mesmo)?
Olha aí, não disse? Úlcera Vortex, do Victor Bello, é foda. Eu não sei o que seria da Escória sem esse lançamento, devo tudo ao Bello. Cara, ele é o melhor quadrinista dessa porra toda e ponto final. Não tem chororô, o jogo acabô!!! É isso mano, Quintanilha meu cu, Victor Bello que é o rolê.
Veja bem, o dia que tu me mostrar um quadrinista que consegue juntar todo aquele caldo de referências nostálgicas de filmes trash, videogames e desenhos animados, sem parecer um nerd bosta que fala easter egg, e misturar tudo com personagens memoráveis e carismáticos, saídos diretamente da realidade brasileira, sem parecer uma novela da Globo, ainda assim adicionar uma pitada de ficção científica retardada, num roteiro frenético e alucinante criado coerentemente, com lindos desenhos preto e branco abarrotados de detalhes obsessivos, mas ao mesmo tempo com uma simplicidade acessível e expressiva, inserindo imagens vindas diretamente de um quadro de Grant Wood, com a naturalidade de quem entendeu tudo, e conseguir contar histórias extremamente divertidas, aí sim eu posso pensar duas vezes. Mas, mesmo assim, vai ter que ser um quadrinista que tem uma frequência na produção e que vive uma vida honesta, longe das drogas, cuidando de suas queridas galinhas e que quando menos você esperar lance um videojogo de texto chamado 5 DIAS COM TONY BUMBUM!!!
“Precisei encontrar um jeito de fazer a máquina funcionar, com muita tralha e zoeira”
E acho que publicar um quadrinho do Diego Gerlach, Nóia, também teve algum peso, porque era você investindo em um autor já conhecido das HQs nacionais. O que significou para você publicar o Nóia? O que esse título representa para o catálogo da Escória?
Eis aí a outra pedra fundamental da história da editora, o icônico NÓIA, do Gerlach, lançado em conjunto com a editora dele, Vibe Tronxa Comix. Significou credibilidade para a Escória, afinal se o cultuado, nos círculos internos, Diego Gerlach, estava sendo publicado por essa nova editora, alguma coisa ela deve ter, talvez milhões para investir nas contas offshore do magnânimo.
Certamente a editora foi posta à vista naquele momento, aos olhos de alguns figurões reptilianos da indústria dos gibis nacionais. Eu, particularmente, gosto muito do NÓIA porque é um gibi divertido, com um ritmo acelerado, que entrega justamente uma história de vingança e é isso, simples. E é um puta quadrinho. Claro que tem toda aquela história de usar a imagem do Cebolinha com cabelo de maconha ,mas é tudo parte do apelo sensacionalista de marketing agressivo, o que importa mesmo é que, com NÓIA, a Escória Comix conseguiu pôr na prateleira da locadora aquele VHS que pode ser alugado todo fim de semana e ainda vai ser diversão para a família toda.
Uma autora que você publicou e eu queria ler mais trabalhos dela é a Emilly Bonna. Como você chegou nela? O que você vê de mais especial no trabalho dela?
Eu também queria. Acredite, sempre que posso encho o saco dela pra fazer mais quadrinhos.
Foi o Luiz Berger que me mostrou o instagram dela, na época de nome NECROSE. Continha alguns desenhos podres bem lindos e foi paixão à primeira vista pelo trabalho dela. Mandei mensagem perguntando se ela tinha interesse em fazer um quadrinho pra Escória, acho que na época ela tava sem ideia, mas depois de um tempo acabou rolando o maravilhoso ESGOTO CARCERÁRIO. Caramba, que gibi divertido né? Um dos meus preferidos.
Bixo, ela tem aquele senso de humor particular que envolve uma dose grande de nojeira e perebas, com um existencialismo singelo que é como uma flor de lótus carnívora que desabrocha num aterro sanitário atrás da sua casa. Dá vontade de abraçar todas aquelas criaturas gosmentas que ela desenha e sentir o fedor de pertinho, até ele corroer suas narinas. E tudo isso com um estilo autêntico de desenho que é claramente de alguém que se diverte e curte o que está fazendo.
Queria saber mais também sobre a sua relação com o Fabio Vermelho. Eu já conhecia os trabalhos dele pela Weird Comix, mas acho que foi o lançamento do Dr. Milton que chamou atenção para a produção dele – e 400 Morcegos, depois, foi um dos meus títulos preferidos do ano passado. Enfim, como você conheceu o trabalho dele? O que você vê de mais especial nos quadrinhos dele?
Eu acho que tinha visto alguma coisa dele numa Revista Prego ou até mesmo depois, na Revista Pé-de-Cabra, mas estava tudo em inglês. E apesar de ter gostado do desenho com mil hachurinhas eu tinha preguiça de ler, mas foi o Panhoca [editor da Pé-de-Cabra], que disse que valia à pena trocar uma ideia com o doido e eu mandei mensagem pelo instagram mesmo, perguntando pra ele se tinha interesse em lançar algo em PORTUGUÊS pela Escória e o Fábio topou. Porra, o puto ia ficar só fazendo revista pra gringo? Tinha que lançar alguma coisa pra gente ler também e o maldito é daqueles maníacos que tem tesão em desenhar, saca? Depois que mandei umas ideias pra ele desenvolver e fechamos a ideia geral do Dr.Milton ele desandou a desenhar, sem saber onde ia parar, e deu no que deu, um belo romance gráfico, também conhecido como gibi de putaria, com 150 páginas.
Eu vejo de especial essa insanidade pelo desenho que ele tem e também como ele consegue fazer um novelão banal com finais péssimos, mas mesmo assim você curte a viagem, esperando aparecer alguma putaria doida ou desmembramento.
Entre as suas publicações de 2021 estão o Máquina Assassina, da Riotsistah, e o Jimmy Pizza, do Atópico. São artistas que nunca tinham publicado nada impresso de quadrinhos. Como você chegou nesses dois autores?
Duas grandes surpresas e ótimas pessoas. No caso da Riotsistah, eu não conheço ela pessoalmente, conheci o trabalho dela pelo Instagram. Ela é leitora da escória já faz um tempo e estava sempre lá nas redes sociais, curtindo os gibis da firma. Vi que ela desenhava e, principalmente, curtia umas coisas locas (filmes trash no geral), então faltava apenas um incentivo para se criar o monstro (quadrinista), mandei mensagem perguntando se ela faria um quadrinho. Acho que na época ela tava sem ideia, mas se interessou e, felizmente, um tempo depois, ela conseguiu fazer seu primeiro quadrinho, MÁQUINA ASSASSINA, um gibi divertido que entrega o sexo com lagartos que promete na capa. Já o Atópico também é leitor da Escória faz tempo, mas esse caba eu conheci pessoalmente em alguma feira ou lançamento de quadrinhos. Depois de trocar ideia, ver que ele tinha os parafusos a menos necessários e desenhava, soube que poderia ser um futuro autor de quadrinhos. Ele tinha interesse em fazer algum gibi e eu sempre disse ‘faz aí e depois nois vê!’ e para a nossa alegria ele fez um puta gibi loco, fritado, com uma história maluca de gangue de pizza e magia retardada, então lancei a braba.
Acho que os dois são exemplos de autores que tiveram uma influência direta da Escória e o fato de nunca terem publicado nada antes não faz diferença nenhuma. O que importa é que eles fizeram bons quadrinhos e entenderam a proposta da editora. E espero que continuem fazendo muitos outros quadrinhos, sejam publicados pela Escória ou não.
“Um sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa. Quem sabe?”
É bem evidente esse seu olhar para novos artistas, para autores com pouca experiência e que muitas vezes nunca publicaram nada. Como você equaciona o risco de investir em alguém que nunca foi publicado? Emendo outra sobre o tema: é importante para você investir nesses artistas sem histórico de publicações?
Vejo principalmente se a pessoa tem o potencial e a vontade para continuar crescendo e desenvolver o próprio trabalho. O primeiro quadrinho não tem que ser perfeito ou excelente, mas se tiver qualidade e potencial as pessoas vão ficar de olho nos próximos lançamentos daquele autor, que com o tempo vai amadurecendo e aí teremos ótimos quadrinhos para ler.
É extremamente importante investir em novos autores, assim a gente mantém a produção de quadrinhos variada, possibilitamos ótimos quadrinhos, novas surpresas aparecem por aí e com o tempo geramos novos quadrinhos fodas. E também penso nos milhões que vou ganhar quando emprestar o autor da categoria de base pra jogar no Barcelona.
Eu compreendo o seu humor e acho divertidos os brindes e o material de divulgação que você produz – e acredito que isso tudo contribuiu muito para a manutenção da Escória ao longo desses cinco anos. Mas acho que isso tudo só funciona e só faz sentido porque você publica bons quadrinhos. Enfim, o que quero saber: é difícil administrar a imagem da Escória? Como você concilia o combo zoeira+podreira com o seu trabalho editorial?
Pra variar, é tudo misturado na minha cabeça, mas eu nunca pensei em administrar a imagem de nada, simplesmente tento me manter na linha do que eu curto e me divirto. E acredito que a consequência disso é a Escória permanecer coesa. O foco é nos quadrinhos e todo o resto é ferramenta para divulgar e conseguir grana para as publicações. Beleza, você pode comprar um bonézinho engraçadinho no site, e eu quero mais que você faça isso mesmo, mas, por favor, tente ler os quadrinhos também, são eles que importam. Mas é isso, né? Precisei encontrar um jeito de fazer essa máquina funcionar e é com muita tralha e zoeira, mas pode analisar friamente aí o trabalho editorial e você vai ver que a editora permanece na ativa, lançando um material de qualidade, 100% independente e nacional. É o puro creme do milho, não deixe as piadinhas ofuscarem todo esse ouro da sétima arte.
Como você vê o futuro da Escória Comix? Você administra a editora pensando o quanto à frente? Quais são seus planos para os próximos anos? Você pode adiantar algum título que planeja publicar ou autor com quem pretende trabalhar?
Tenho várias ideias e caminhos que posso seguir daqui para frente e vai depender de como as coisas andam. Por exemplo, existe o sonho de criar uma loja física em algum momento. Ou transformar a Escória num buteco, só lançar um título por ano e olhe lá. Ou talvez virar uma produtora de filmes B semi-eróticos e vender os direitos para Bollywood. Outro grande sonho é conseguir publicar alguma coisa da Escória na gringa, mas não fui atrás disso ainda com o devido afinco. Quem sabe? Veremos, mas por enquanto tento pensar apenas no ano seguinte, afinal muitos quadrinhos demoram pra ficar prontos. Então pra ter algum lançamento parrudo no ano que vem eu preciso já negociar agora.
Falando especificamente de 2022, tenho um grande lançamento aí do Victor Bello, não vou dizer nada sobre ele por enquanto, e gostaria de tentar desenhar alguma coisa pro ano que vem também. Existem sim alguns autores que eu gostaria muito de lançar e já conversei com eles, mas é uma vida corrida, de muito trabalho, e nem sempre rola definir datas, mas eles sabem que tenho o interesse e quando tiverem a idéia é só chegar chegando que a gente vai fazer um puta lançamento foda. Por enquanto só posso adiantar o Bebês Maníacos da Lagoinha, que sai ainda esse ano, e é do Fábio Vermelho, a criatura já está trabalhando nessa obra horrível.
Você poderia recomendar algo que esteja lendo, ouvindo ou assistindo no momento?
Leiam As Veias Abertas da América Latina, do Eduardo Galeano. Recomendo a banda Sakuran Zensen e assistam Wet City no YouTube.