Escrevi pro Estadão de hoje sobre a exposição de fotografia do David Lynch na Photographer’s Gallery aqui de Londres. São apenas imagens em preto e branco dedicadas a fábricas abandonadas, uma das paixões do diretor. Conversei com a curadora da exposição e ela me contou sobre a semana que passou no estúdio do David Lynch, em Los Angeles, selecionando as fotografias. Só clicar na imagem pra ver o pdf da página. Segue a matéria:
As ruínas de David Lynch
Exposição em Londres reúne 90 fotografias feitas pelo cineasta ao longo dos últimos 30 anos
Ramon Vitral – Londres – Especial para O Estado de S.Paulo
Uma série de noventa fotografias em preto e branco de fábricas antigas e decadentes ocupa o quinto andar da The Photographer’s Gallery de Londres até o dia 30 de março. O ambiente lembra a abertura do seriado Twin Peaks, com as imagens das estruturas em ruínas acompanhadas por uma trilha sonora tão macabra quanto a assinada pelo compositor Angelo Badalamente para o programa sobre a investigação da morte de Laura Palmer. As semelhanças são consequência do autor das imagens e da música da exposição, o cineasta David Lynch, responsável por Twin Peaks e por filmes como Cidade dos Sonhos (2001), Veludo Azul (1986) e O Homem Elefante (1980).
“Terminei a seleção após passar uma semana no estúdio do David Lynch”, conta em entrevista ao Estado a curadora da mostra David Lynch: The Factory Photographs, a alemã Petra Giloy-Hirtz. Além das 90 imagens em exibição, outras 60 compõe o livro de mesmo título lançado em janeiro pela editora alemã Prestel. “Eu acho que ele gostou das minhas escolhas, mas depois separou algumas das imagens favoritas dele e pediu que eu as incluísse no material que formaria a exposição”, explica. Já a música ambiente é a canção Station. Com quase 13 minutos, ela foi composta pelo próprio Lynch para uma retrospectiva francesa de suas pinturas, realizada em 2007, e é tocada em looping na galeria londrina.
Viagem. As fotografias de Lynch apresentam fábricas inglesas, americanas, polonesas e alemãs, fechadas ou funcionando parcialmente, mas todas bastante distantes de suas épocas de glórias. Sem qualquer presença de homens ou animais, as imagens focam em espelhos quebrados, máquinas desligadas e na grandiosidade das estruturas. Segundo Giloy-Hirtz, a coleção das imagens começou no início da década de 80, quando o diretor foi ao norte do Reino Unido para estudar o ambiente industrial da Inglaterra Vitoriana durante a pré-produção do filme O Homem Elefante, narrado durante o período.
No entanto, como lembra o próprio diretor em depoimento na abertura do livro, sua paixão por máquinas já existia antes e pode ser percebida nos cenários de diversos de seus filmesdo inícioda carreira, como o surreal Eraserhead, de 1977. Em seguida veio O Homem Elefante, Duna e Twin Peaks, todos repletos de ambientes industriais decadentes. O tema também está presente em algumas das pinturas e ilustrações do cineasta, assim como em seu musical de 1990, Industrial Symphony nº1, protagonizado por Nicolas Cage e Laura Dern.
De acordo com a curadora, as imagens expostas também evocam um outro elemento bastante comum na filmografia de Lynch, presente em filmes como Veludo Azul (1986), Cidade dos Sonhos (2001) e Império dos Sonhos (2006), além de Twin Peaks.“Os fãs em especial vão reconhecer uma assinatura dele: as imagens surreais com conteúdo, sombras e clima lembrando partes de sonhos.” A curadora explica que ainda não há planos para levar as fotos para o Brasil, mas ela não descarta a possibilidade: “É uma ideia fantástica”.
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Entrevista. Petra Giloy-Hirtz, curadora alemã
‘Ele captura uma época em extinção’, diz curadora
Para ela, ao retratar histórias de destruição, desaparecimento e perda, cineasta também está em busca de certa magia
Quando ficou sabendo da existência da coleção de fotos de fábrica de David Lynch, Petra Giloy-Hirtz entrou em contato com o diretor para saber mais sobre os registros.
A partir do primeiro contato, veio o convite para a curadora visitar o estúdio do diretor e pesquisar as imagens presentes em seu arquivo. A viagem aos Estados Unidos resultou na exposição e no livro David Lynch: The Factory Photographs, projetos sobre os quais ela fala na entrevista a seguir.
Como você ficou sabendo das fotos? O David Lynch não gosta de falar muito sobre elas.
O David Lynch ama essas fotos e tem se dedicado ao tema “fábricas” nas últimas três décadas. No entanto, sim, ele não gosta de falar sobre isso, apesar de convidar as pessoas a escutar: “Todos os trabalhos ‘falam’ com você”, ele costuma dizer, “e se você escutar, ele vai te levar para lugares que você nunca sonhou”. Eu fiquei impressionada com algumas das imagens que tinha visto e quis descobrir se existiam outras. Tive a oportunidade de visitar o David Lynch no estúdio dele em Hollywood e, sim, existiam várias.
Quanto tempo levou a seleção dessas imagens?
Terminei o trabalho após passar uma semana no estúdio dele, selecionando as 150 fotografias do livro, incluindo na conta as 90 que fariam parte da exposição. Eu acho que o David gostou das minhas escolhas, mas depois ele acrescentou algumas favoritas dele. Mais tarde, quando dei o livro de presente, tive a sensação de que ele ficou bastante feliz.
Como você interpreta essa relação dele com as fábricas em ruínas?
Há muitas facetas e camadas de significados nessas lindas fotografias. O que você sente é que ele ama fábricas: “Sou surtado com indústrias e fábricas”, ele diz quando perguntamos sobre o seu fascínio por elas. Como um poeta fotográfico, ele está capturando uma época em extinção, está contando histórias de destruição, de desaparecimento e perda. Mas quando ele volta o olhar para os resquícios desse mundo perdido e desabitado de terra desolada, ele também está procurando a mágica. Ele está em constante busca por um estado de espírito.
Quais detalhes e aspectos dessas fotos você acha mais interessantes?
A tamanha percepção estética, a paixão pelo belo, pelo sombrio, por algo que é mágico e misterioso. Os fãs em especial vão reconhecer uma assinatura dele: as imagens surreais com conteúdo, sombras e climas lembrando pedaços de sonhos. Os ambientes sobrenaturais,as metamorfoses desses lugares e a obsessão com máquinas: tudo isso me lembra dos aspectos labirínticos, enigmáticos e ameaçadores de alguns dos filmes dele. De certa forma, estes são os cenários perfeitos para você criar sua própria história.
Há algum plano de levar a exposição para o Brasil?
Ainda não. Mas é uma ideia fantástica levar as fotografias para o Brasil.