A Antílope está de volta: “Parte da proposta da revista é criar uma sensação de desafio ao leitor”

A revista Antílope chegou finalmente à sua segunda edição. A publicação será lançada hoje (5/8), a partir das 19h30 na Biblioteca Mário de Andrade em São Paulo. Editada por Luis Aranguri e Victor Gáspari Canela, a revista ganhou seu primeiro número em 2013 e marcou época reunindo em suas 118 páginas grandes obras de quadrinistas nacionais e estrangeiros, entrevistas e reflexões sobre quadrinhos como poucas pessoas se propuseram a fazer aqui no Brasil – sério, se você ambiciona algum dia ser crítico de quadrinhos, deveria ler algumas vezes o texto da Maria Clara Carneiro presente nesse número inaugural. Enquanto a segunda edição da Antílope era produzida, seus realizadores ainda criaram e distribuíram de graça quatro números do jornal Suplemento, outra pérola misturando quadrinhos e pensamento crítico sobre a linguagem das HQs.

A segunda edição da Antílope chega às lojas especializadas com uma entrevista com o quadrinista Chester Brown, dois artigos e quadrinhos assinados por autores do naipe de gente como Dash Shaw, Nick Drnaso, Simon Hanselmann e outros que terei o prazer de conhecer. Ainda não tive acesso a uma edição, mas aposto alto na qualidade de seu conteúdo. Mandei algumas perguntas para os dois editores da revista e eles me falaram sobre suas leituras da cena autoral de quadrinhos no Brasil e no exterior, o público leitor da Antílope, o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre HQs no país e projetos futuros relacionados tanto à Antílope quanto ao Suplemento. Papo bem bom. Ó:

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As duas edições da revista foram lançadas em um intervalo de quase três anos. Durante esse período, quais as principais reflexões e críticas que vocês fizeram em relação ao primeiro número e como esse balanço da estreia influenciou a produção da segunda edição?

A primeira edição da Antílope foi nosso primeiro projeto como editores, então, para nós o resultado não é satisfatório como teríamos gostado. É uma mistura de felicidade por termos feito algo e desconforto por só conseguir enxergar os erros. Não tínhamos absolutamente nenhuma experiência com publicação e muita coisa acabou passando por nós, editorialmente falando. Começamos a fazer meio na louca, em 2011, e não existia um prazo de verdade, então acabamos trabalhando por quase um ano e meio até juntar todo o material, afinar tudo e ter o projeto gráfico pronto. No final, só queríamos lançar de uma vez essa primeira edição. O anúncio de que iria acontecer a primeira Feira Plana, em março de 2013, foi um grande empurrão para termos um deadline e darmos um gás.

Várias ideias nasceram e morreram nesses três anos e muita gente nos perguntou se haveria mesmo uma segunda edição. Mas como a primeira Antílope foi bancada integralmente por nós mesmos – e não tínhamos disposição ou dinheiro pra fazer isso de novo nesses termos –, foi preciso vencer um edital pra levar adiante o projeto (no caso, o ProAC de publicação cultural da Secretaria de Cultura do Estado de SP, já que não nos encaixávamos no de quadrinhos).

Tendo passado todo esse tempo, sentimos que nossas bases editoriais já estavam mais sólidas pra segunda edição e foi mais fácil pedir colaborações com a Antílope 1 debaixo do braço. Com ela como parâmetro, nosso trabalho foi mais de afinar a proposta e cortar aquilo que passamos a ver como desnecessário. Por exemplo, acreditamos que a seleção de quadrinhos desta edição é um retrato bastante consistente do que acreditamos – em termos gráficos e narrativos – que quadrinhos conseguem alcançar.

Vocês veem muitas mudanças em relação à cena de quadrinhos – tanto nacional quanto estrangeira – nesse intervalo entre o lançamento das duas edições?

Na cena de quadrinhos, a Turma da Mônica continua ajudando a vender maçã e salsicha de frango, seja na forma infantil padrão, na versão “mangá” para adolescentes ou na versão “graphic” para adultos.

Na cena independente também não parece terem havido mudanças muito significativas – para melhor ou para pior. As coisas seguiram em frente sem muita surpresa. Livros bons foram lançados, com cada vez mais preocupação com a produção gráfica. Surgiram algumas editoras, outras se estabeleceram, outras acabaram de vez. O fim recente da Narval, do Rafael Coutinho, que lançou muitos títulos ótimos, é provavelmente a pior notícia desse período; mas isso foi equilibrado pela abertura da loja da Ugra, que dá uma atenção especial pra produção independente.

Lá fora, o fechamento da PictureBox e a morte do Alvin Buenaventura talvez sejam os acontecimentos mais marcantes pra cena independente americana, já que eles publicaram trabalhos muito variados e importantes. Mas, por lá, parece que eles sempre se ajeitam.

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Na cabeça de vocês, qual é o público leitor da Antílope?

Nosso alcance demográfico é meio previsível: mulheres e homens que geralmente têm entre 25 e 35 anos, vivem em São Paulo ou Rio de Janeiro e pelo menos simpatizam com quadrinhos. A esmagadora maioria é de ilustradores, designers, arquitetos, jornalistas, artistas visuais, quadrinistas e correlatos.

O que faz algum sentido, já que nosso impulso inicial pra fazer a Antílope foi a sensação de que não havia uma publicação pra pessoas com interesses e curiosidades parecidos aos nossos em relação a quadrinhos. A maioria das outras antologias publicadas por aqui era (e ainda é) um apanhado de trabalhos que têm certa semelhança, mesmo que discreta. Isso acontece porque são publicadas por grupos de quadrinistas cujo denominador comum é justamente a afinidade, a amizade. Isso por si só não é um problema. O problema é a falta de alternativa pra isso, é a ausência de uma publicação com outro perfil.

Parte da proposta da revista é criar essa sensação de desafio ao leitor, fazendo ele pensar e ler quadrinhos de uma forma diferente daquela com a qual ele se acostumou. Os leitores da revista são pessoas que se sentem confortáveis em reconsiderar a própria perspectiva. Os textos são mais um passo neste sentido.

Mesmo com apenas dois números, publicados em um intervalo de quase três anos, a Antílope é referência como espaço de reflexão e crítica sobre quadrinhos no Brasil. Nesse período entre o lançamento das duas edições da revista saíram outras iniciativas semelhantes, como a Risca e a Farpa, e foram realizados vários congressos e encontros com a proposta de refletir sobre a linguagem das HQs. Que análise vocês fazem da crítica nacional de quadrinhos e desses espaços e iniciativas de reflexão sobre gibis?

É meio engraçado pensar na Antílope como referência. Temos uma boa quantidade de exemplares da primeira edição circulando por aí desde 2013, e até 2015 praticamente quase nenhuma presença online. É difícil inclusive saber até que ponto as pessoas que criaram esses projetos sabem da existência da revista.

Mesmo quando trazem quadrinhos, estas iniciativas capitaneadas por mulheres, ou exclusivamente feitas por mulheres, como a Risca ou a Farpa, me parecem muito mais herdeiras de uma revista Capitolina (esta sim um grande fenômeno) do que uma revista Antílope.

De todo modo, reflexão nunca é demais, então é sempre bom saber que tem gente se organizando pra fazer esse tipo de coisa acontecer porque, na verdade, ainda vemos a coisa engatinhando. Quando a crítica tem profundidade, não tem alcance, e quando tem alcance, não tem profundidade. Espaço demais é dado aos super-heróis, e de menos aos alternativos. É um trabalho de formiga, mudar este quadro, a percepção geral de quadrinhos e a atenção que recebem nos grandes meios de comunicação – mas quem sabe com o tempo não acontece?

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Chama atenção a curadoria de vocês em relação aos quadrinhos publicados na revista. São obras de quadrinistas que estão na vanguarda do meio e a maior parte deles estrangeiros. Que balanço vocês fazem da cena brasileira de quadrinhos a partir dessa experiência de vocês com quadrinistas de outros países?

A Antílope nos fez conhecer autores brasileiros e estrangeiros, mas foi o Suplemento que nos fez ter um contato maior com o que anda sendo produzido no país e que não é de autores que conhecemos.

Muito do que nós vemos sendo produzido aqui ainda parece não conseguir ou estar interessado em explorar as fusões entre palavra e desenho em favor da história. Muita gente fica mais preocupada em criar um “estilo próprio”, um traço pelo qual vão ser reconhecidos, do que com aquilo que se quer passar ao leitor. E não estamos nem falando que deveriam ter mais trabalhos “experimentais”, os quais não correm menos risco de serem chatos, só de como é desproporcional o cuidado que se dá ao visual e ao narrativo.

Outra coisa que notamos também é algo que talvez seja só uma tendência: tem muito quadrinho “edificante”, muita lição de moral. Qualquer obra “boa”, na nossa opinião, tem significados diferentes e aponta mais pra perguntas do que pra respostas. É assim que ela se mantém viva ao longo do tempo e é por isso que ela consegue se atualizar em diferentes contextos. Essa doutrinação através de quadrinhos é algo muito cansativo, mesmo quando se concorda com a posição do autor. Mas, claro, tem um bom número de gente com um trabalho que nos interessa. Muita coisa publicada aqui não fica devendo em nada ao que é produzido lá fora.

Vocês podem, por favor, falar um pouco mais sobre essa união do Suplemento com a Antílope?

Tanto a Antílope quanto o Suplemento têm como grande norte a ampliação do público de quadrinhos “autorais”, “alternativos”. A revista tem uma preocupação maior com a produção gráfica, mas um alcance mais restrito do que o jornal, já que ele é grátis. A ideia, porém, é praticamente a mesma: colocar na frente do leitor quadrinhos de qualidade.

Como são as mesmas pessoas por trás dos dois projetos, não faz sentido mantê-los separados.
A melhor forma que encontramos de concentrar nosso trabalho foi essa união online dos dois projetos. Em breve vamos começar a disponibilizar o conteúdo das edições anteriores do Suplemento na internet e também vamos vender online a Antilope, então manter duas páginas diferentes parece ser um esforço desnecessário.
Se nosso plano der certo, uma coisa vai ajudar a divulgar e manter a outra — e assim evitamos intervalos grandes entre as edições de ambos os projetos.

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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