A cagada épica do HQMIX [atualizado]

Sempre acompanhei de longe o HQMIX, prêmio máximo das HQs nacionais. Achava a premiação divertida, mesmo questionando VÁRIOS resultados, e usava o troféu como referência para bons quadrinhos na época que comecei a me interessar por gibis. Daí hoje os organizadores da festa colocaram no Facebook um campanha tosca pra divulgar a próxima premiação, que rola daqui algumas semanas no Sesc Pompéia. É tão estúpida que vi gente cogitando que a fanpage do prêmio tivesse sido hackeada. Apesar de já terem tirado os anúncios do ar, o print dado pela Aninha Costa da Gibiteria tá aqui em cima pra confirmar a cagada. Uso o Vitralizado pra falar de coisas legais, mas foi uma idiotice tão próxima de tudo que trato por aqui que vale MUITO o registro. Sei que muita gente ainda vai dizer um tanto de coisa sobre esse ocorrido e deixo o post em aberto para quem quiser se pronunciar – inclusive os organizadores do prêmio. Reproduzo a seguir os depoimentos do Pedro Cobiaco e da Aninha, duas pessoas no centro do universo dos quadrinhos nacionais que fizeram reflexões extremamente lúcidas. Ó:

[Atualização às 18h30 do dia 3 de setembro: enquanto o pessoal do HQMIX não pede sequer uma desculpa mínima, o pessoal do grupo Mulheres em Quadrinhos publicou uma carta aberta para os organizadores do prêmio. Republico o texto no final do post]

[Atualização às 21h30 do dia 3 de setembro: foi publicada na página do HQMIX no Facebook o que parece ser uma resposta em relação ao ocorrido. A publicação vem sem qualquer pedido de desculpa relacionado à campanha polêmica. Assim como fiz com as principais manifestações relacionadas às imagens publicadas mais cedo pelos organizadores do prêmio, reproduzo no final do post a mensagem do pessoal do HQMIX]

[Atualização às 22h do dia 3 de setembro: após a resposta do pessoal do HQMIX, darei um pequeno pitaco nessa história. Está clara a dificuldade dos organizadores do prêmio em compreender a falha, assumir o erro e pedir desculpas. Eles tratam a repercussão do ocorrido como exagero e não entendem a gravidade do material de divulgação postado mais cedo. Compartilho das opiniões da Aninha, do Pedro e de todos que assinam a carta aberta publicada pelo grupo Mulheres em Quadrinhos. E vale ressaltar: a incapacidade de interpretar e entender as críticas levantados por editores, desenhistas, escritores e leitores permite questionar a capacidade dos responsáveis do HQMIX como avaliadores de histórias em quadrinhos. Antes de ler HQs é necessário saber ler o mundo e seus principais dilemas no presente.]

[Atualização às 11h30 do dia 7 de setembro: foram necessários quase cinco dias para os organizadores do prêmio darem o braço a torcer. Hoje de manhã foi publicado um pedido de desculpas pela campanha de divulgação do troféu na página do HQMIX no Facebook. Precisou de tanto assim para aceitarem o erro? A demora pelo pedido de desculpa tornou o ocorrido ainda mais absurdo. Seja como for, reproduzo no final do post a mensagem do pessoal do HQMIX]

[Atualização às 15h30 do dia 7 de setembro: as desculpas do HQMIX não foram muito bem aceitas. Reproduzo no final do post uma mensagem publicada no facebook pela quadrinista Lovelove6]

[Atualização às 20h30 do dia 9 de setembro: entrei em contato com a assessoria de comunicação do Sesc Pompeia na última sexta-feira (4/9), em busca de um posicionamento da Instituição em relação ao ocorrido envolvendo o HQMIX. Recebi um retorno hoje, às 19h37, para os seguintes questionamentos: 1) o Sesc estava ciente da campanha de divulgação do prêmio? 2) o Sesc foi consultado em relação ao material de divulgação produzido pelos organizadores do HQMIX? 3) o Sesc assume alguma postura em relação a essa polêmica? 4) o Sesc entrou ou pretende entrar em contato com os organizadores do prêmio para ter esclarecimentos em relação ao conteúdo do material de divulgação? Reproduzo a resposta da assessoria de comunicação do Sesc Pompeia no final do post.]

[Atualização às 23h do dia 13 de setembro: ontem estive na entrega do HQMIX, mas só hoje consegui tempo pra comentar a premiação. Apesar de poucas, foram enfáticas as críticas feitas aos organizadores. Felipe Nunes (Artista Revelação, por Klaus), André Dahmer (Melhor Tira Nacional, por Malvados), Eloar Guazzelli (melhor Adaptação para os Quadrinhos, por Grande Sertão Veredas) e Rogério de Campos (melhor Editora, Veneta) ressaltaram que por mais importante que o prêmio seja para os quadrinhos nacionais, seus organizadores precisam assumir o erro cometido, mudar seus conceitos e evoluir em acordo com os tempos em que vivemos. Ana Recalde, vencedora na categoria Melhor Webtira por Beladona e uma das organizadores da carta aberta do grupo Mulheres em Quadrinhos, voltou a expor sua insatisfação com o material de divulgação com depoimento na mesma linha do conteúdo presente na carta. Vencedora na categoria TCC, Maria Fernanda Milão Fuscaldo subiu ao palco e afirmou estar de acordo com a fala de Ana. Ótimos questionamentos, principalmente aqueles vindos das mulheres premiadas. Saiu barato para o HQMIX e seus organizadores, mas os registros foram feitos. Torço para que os responsáveis pela premiação entendam finalmente que o debate iniciado em seguida ao trabalho de divulgação de péssimo gosto está apenas começando. É a hora deles tomarem partido. A relevância futura do troféu depende da postura assumida por seus organizadores a partir de agora – e mesmo assim eles já estarão atrasados.]

*Primeiro a Aninha:

Prezados organizadores do Troféu HQMIX,
Por favor, parem.
A “campanha” de divulgação que vocês estão fazendo com o slogan “Venha bombar” é terrível. Não só pouco inspirada como, do ponto de vista da promoção do evento, mal-planejada e pouco eficiente. Fora que, mesmo a organização estando cheia de ilustradores, o visual está deplorável. Nada se relaciona com artes gráficas e HQs. Não vende a ideia de que o Troféu HQMIX é o mais importante prêmio de quadrinhos do Brasil. Muito pelo contrário: denigre a imagem da premiação e de sua organização. Recomendaria que vocês consultassem alguém com alguma experiência de marketing digital para orientá-los, porque postar trocentas imagens em seguida não vai trazer trocentos pageviews pra fanpage. Não funciona assim. Ainda mais com uma “sacada” e execução tão fracas. Considerando o número de curtidas nas imagens, suspeito que vocês tenham percebido a baixa receptividade do público em relação à “campanha”, né?
Agora, vocês realmente acham de bom tom, em um ano em que há tanta movimentação feminista dentro do universo dos quadrinhos brasileiros, e com tantas reivindicações sendo feitas pelas mulheres do nosso meio, fazer uma “peça” objetificando o corpo feminino desta forma?
Ai, gente. Por favor, parem.

*E agora o Pedro:

O HQmix, vulgo “oscar do quadrinho brasileiro”(começa ai o desmerecimento) deletou a imagem que usava para divulgar a premiação, que se valia de uma piada tosquíssima e do uso de uma foto de um ensaio sensual de uma mulher (completamente dissonante de TUDO que poderia ter a ver com a própria premiação) para chamar atenção.
Um desserviço total, um ato nocivo, no meio de uma campanha ridícula que não faz nada se não desmerecer um movimento importante que é o feminismo e também a própria cena de quadrinhos brasileira.
Sendo que, poxa. Era tão difícil tentar? Sabe? Não se passa um dia sem que vejamos matérias sobre feminismo, eventos deploráveis (como o recente caso dos cineastas Cláudio Assis e Lírio Ferreira) sendo criticados e esmiuçados, discussões sendo geradas.
Daqui a algum tempo teremos, por exemplo, o I Seminario Queer em SP (https://www.facebook.com/events/451569808360229/) e me deixa muito triste a sensação de que todos esses assuntos, esses problemas cruciais de serem pensados, explorados e tratados, pareçam não causar nenhuma reação de nomes importantes do noso cenário e do nosso “principal troféu”. Pelo contrário.
E com diversas quadrinistas mulheres do nosso país tratando diretamente desses assuntos e de tudo que se deriva disso dentro de suas próprias obras e também como personas públicas, numa base quase que diária, se torna imperdoável ignorar essa voz.
Diversas questões importantes que poderiam se tratar com algum cuidado e inteligência pelo troféu, num período efervescente de discussões onde isso seria além de tudo uma bola dentro e boa publicidade pro evento, um bom incentivo a uma cena mais justa, ou ao menos a uma tentativa disso.
Zueira é legal? Às vezes é, eba, mas isso aqui é não só idiota e nocivo como PORRA, CARA. Que memetização ridícula.
É um troféu, caralho, uma premiação que deveria movimentar e impulsionar pra frente, tanto no ambito de qualidade quanto de inteligência e consciência pra questões importantes, nosso quadrinho. Eles tão não só se botando do lado errado de todas essas discussões, como tão incentivando que elas não sejam feitas, que o nosso quadrinho não se leve nem um pouco a sério, e porra. Olha essa campanha como um todo: piadas ridículas de tiozão pra chamar a atenção, nenhum cuidado estético ou de conceito. Poxa. Num tempo onde você vê diversas autoras fazendo várias reclamações, exigindo mais respeito e atenção desse troféu, esse anúncio, independente da intenção (que só deus sabe qual foi e o quão idiota quem bolou era) soa como uma respostinha nojenta e desrespeitosa. Tudo que não se espera de quem deveria dar visibilidade e representação pra discussões e trabalhos importantes.
O HQmix já vem recebendo críticas constantes à diversos aspectos, esses mais referentes à própria validade do troféu como incentivo e como método de julgamento, e isso vem quase que como a gota d’água pra um desabamento completo de qualquer possível moral o notoriedade do prêmio.
Me recuso a levar o HQmix a sério, não só como premiação, nesse âmbito tendo deixado de fora esse ano nomes importantíssimos do nosso cenário atual (e deixado de premiar, por exemplo, o Cumbe do Marcelo D’Salete – a organização pode me acusar de “estar pregando gosto pessoal” e a organização bem pode ir se fuder também) e agora por estar sendo esse pedaço de retrocesso pulsante, essa máquina de polêmicas baratas e desincentivo.
Torço por um troféu mais justo no futuro, um novo troféu de preferência, que respire novas ideias modernas e mais justas, e até lá recuso de bom grado qualquer indicação ou premiação que pudesse surgir à respeito do meu trabalho dentro dessa premiação.
Deixo aqui o post da Aninha Costa, com as imagens e um texto próprio dela que merece ser lido:
https://www.facebook.com/ana.c.eduardo/posts/1002127413141766
—–
ANEXO/LINKS
Tempos atrás tivemos o caso da Laura, que merece atenção. – https://medium.com/…/o-que-aconteceu-com-o-pink-vader-df445…
É muito triste ver que acontecimentos assim geram não uma resposta mas um reflexo deprimente do nosso cenário.
No post que eu tinha feito antes, alguém (não me lembro quem, desculpe!) compartilhou esse podcast: http://www.b9.com.br/…/anticast-198-o-machismo-e-outras-co…/
Vou deixar o post em aberto para edições com novos links que possam ser úteis para discussão. Fiz uma busca em alguns perfis para ver se algumas quadrinistas já tinham se manifestado para que eu linkasse aqui, mas como ainda é tudo muito recente deve levar algum tempo. Quem puder me mandar os links dessas postagens, quando começarem a surgir, pra que eu incorpore aqui no post, agradeço.
Alguém tem alguma opinião? É tempo de debater, de se importar.

*A carta aberta do Mulheres em Quadrinhos:

Carta aberta para a organização do Troféu HQMIX
Nessa quinta-feira, 3 de setembro de 2015, o Troféu HQMIX, considerado o “Oscar dos Quadrinhos e Humor Gráfico no Brasil”, publicou por meio de sua página oficial no Facebook (www.facebook.com/hqmix) uma série de imagens como convites para entrega do prêmio HQMIX 2015, que acontecerá no dia 12 de setembro. As imagens faziam referência à bomba que simboliza o logotipo do prêmio, todas acompanhadas do texto “Venha bombar!”. Entre as peças, foi publicada a foto da modelo Renata Molinaro de biquíni, que de costas exibe sua bunda para o espectador. A campanha ficou no ar das 10h00 às 14h30 do mesmo dia e as imagens foram deletadas após diversas manifestações contrárias à mesma, na página do evento, em perfis pessoais e em grupos de discussão.
Vivemos um momento em que o debate sobre a representação feminina no mundo do entretenimento alcança proporções globais e é um dos principais temas em evidência no cenário de quadrinhos independentes também no Brasil. Sejam motivados pela crítica de leitoras, jornalistas e quadrinistas, ou pelo bom senso, muitos sites, podcasts, editoras e eventos estão revendo e adaptando sua relação com o público, contemplando cada vez mais produções diversas. Por outro lado, o avanço do debate de gênero provoca respostas cada vez mais hostis e absurdas de uma parte conservadora e machista da cena e do mercado.
Nós quadrinistas, leitoras, jornalistas, grupos e entidades diversas que assinamos esta carta de repúdio, desejamos expressar nosso desconforto e indignação com a atitude do Troféu HQMIX. Utilizando-se da imagem não autorizada de uma modelo, em pose emblemática para a discussão da representação feminina nos quadrinhos, expressa que tanto não se sensibiliza às muitas articulações e críticas das mulheres quadrinistas e feministas, como reafirma seu poder e desejo em continuar naturalizando a representação compulsória de mulheres como objetos sexuais. Este episódio é ainda mais infeliz ao considerarmos que a modelo em questão demitiu-se de um programa de TV por sentir-se objetificada e humilhada, fato noticiado pela imprensa no início de 2015.
Os quadrinhos são um produto da cultura de massa e reproduzem discursos, sentidos, representações e valores da nossa sociedade. Há alguns anos, mulheres e pessoas diversas envolvidas na produção e consumo de histórias em quadrinhos lutam por mais espaço e representatividade. É inadmissível que um prêmio, que se propõe tão importante para o reconhecimento e valorização das HQs brasileiras, produza uma campanha desrespeitosa como essa, invisibilizando e ridicularizando a articulação das mulheres quadrinistas e outras agentes.
Aproveitamos para relembrar que o Trófeu HQMIX já havia sido recentemente criticado por reconhecer entre seus indicados do ano de 2015, apenas 13% de autoras, além de ignorarem iniciativas importantes para os quadrinhos brasileiros, como os eventos 1º Encontro Lady´s Comics e DesEnquadradas, a Zine XXX e o projeto Mulheres nos Quadrinhos. Seria esse o reflexo de ter apenas uma mulher no “Júri de Indicações” (segundo o site oficial www.hqmix.com.br)? O que nos parece, pela maneira como o evento vem lidando com as diversas manifestações, é que consideram os esforços, produções e falas das mulheres participantes da cena de quadrinhos, no mínimo irrelevantes, quando não dignas de retaliação.
Nós repudiamos absolutamente a atitude do Trófeu HQMIX, não aceitaremos que o universo dos quadrinhos permaneça restrito e hostil às mulheres, exigimos sermos tratadas com respeito e retratadas de forma mais inteligente e digna, lembradas e consideradas como agentes, produtoras e representantes importantes dessa linguagem. Exigimos que os produtores de eventos e prêmios, jornalistas, pesquisadores e autores de quadrinhos repensem suas atitudes discriminatórias e reconheçam as responsabilidades inerentes de se contar histórias.
Exigimos, por fim, uma retratação pública do Troféu HQMIX e a garantia de um comprometimento real com a promoção da igualdade e do respeito às mulheres.
Ana Luiza Koehler
Ana Recalde
Anna Mancini
Beatriz Blanco
Beatriz Lopes
Beatriz Perini
Cris Camargo
Cris Peter
Daniela Karasawa
Didi Helene
Emilio Baraçal
Fefê Torquato
Gabriela Borges
Jessica Daminelli
Jordana Andrade
Karina Goto
Lauro de Luna Larsen
Lovelove6
Lucas Ed
Luiza Meira
Montserrat Montse
Natalia Matos
Natalia Schiavon
Petra Leão
Rafael Rodrigues
Renata Gil
Renata Nolasco
Roberto Quirino
Sirlanney
Tais Koshino
Thaïs Gualberto
Aninha Costa – Gibiteria (www.gibiteria.com)
Carolina Ito – Salsicha em Conserva (https://www.facebook.com/salsichaemconservahq)
Collant sem Decote (http://www.collantsemdecote.com/)
Cuzcuz Literário (http://www.cuzcuzliterario.com.br/)
Editora Mino (https://www.facebook.com/editoramino)
Estídio Black Ink (https://www.facebook.com/BlackInk.Cursos)
Estúdio Complementares (https://www.facebook.com/estudiocomplementares)
Feira Dente (https://www.facebook.com/feira.dente)
FIQ – Festival Internacional de Quadrinhos (http://www.fiqbh.com.br/)
Girl Gang – Coletivo (https://www.facebook.com/girlgangcoletivo)
Lady´s Comics (http://ladyscomics.com.br/)
Manifesto Irradiativo (https://manifestoirradiativo.wordpress.com/)
Mina de HQ (www.facebook.com/minadehq)
Minas Nerds (https://www.facebook.com/minasnerds)
Monotipia (http://www.editoramonotipia.com/)
Mulheres nos Quadrinhos (https://www.facebook.com/MulheresNosQuadrinhos)
Nada Errado (https://www.facebook.com/NadaErrado)
Renegados Cast (http://renegadoscast.com/)
Revista Farpa (https://www.facebook.com/revistafarpa)
Rio.on.comics (https://www.facebook.com/rio.on.comics)
Roberta AR (http://facadax.com/)
Studio Seasons (https://www.facebook.com/studioseasons)
Supernova Produções (https://www.facebook.com/supernovahq)
Tayla Nicoletti – Debaixo do Farol Quadrinhos (https://www.facebook.com/debaixodofarol)
Zine XXX (https://www.facebook.com/pages/Zine-XXX/497725700334932)

*Mensagem publicada pelos organizadores do HQMIX na fanpage do prêmio:

AMIGAS E AMIGOS,
Vocês conhecem Nair de Teffé?
Muitos e muitas não conhecem. Ela foi a primeira mulher caricaturista do Brasil e talvez a primeira no mundo. Tanto que na época dela, ao final do século 19, no Brasil e no mundo, as mulheres não eram aceitas como desenhistas. E muito menos como caricaturistas. Por isso, para poder publicar seus desenhos ela teve que adotar o nome RIAN como assinatura ( Nair ao contrário, ou a palavra “nada” em francês). Atriz, pianista e cantora Nair de Teffé chamou a atenção do presidente da recente república brasileira, Hermes da Fonseca, que pediu sua mão em casamento. Ela aceitou com uma condição: não deixaria de continuar a fazer suas caricaturas da sociedade, mesmo como primeira dama. Hermes da Fonseca se rendeu à essa mulher. Imagine só isso acontecendo nos dias de hoje! Estava ali, então, alguém que batalhou para que a mulher usasse calça, para que o violão, então considerado instrumento menos nobre, pudesse ser aceito no palácio do governo do Catete em recitais e que a mulher tivesse seu valor reconhecido como deveria ser.
Em 1978, Rian estava doente e dificilmente saia de casa em Petrópolis/RJ. Ex-primeira dama do país estava sendo despejada de sua residência. Normal em nosso país, infelizmente. Gualberto Costa organizava o 2º Salão de Humor e Quadrinhos do Mackenzie e conseguiu trazê-la para São Paulo para homenageá-la. Mas, mais que isso, era para mostrar o que estavam fazendo com a história do Brasil com aquela pessoa tão importante e tão esquecida. Foi no Salão Mackenzie que eu conheci o Gualberto e formamos um par em vários projetos, inclusive o Troféu HQMIX. Rian morreu cinco anos depois com 95 anos e para lembra-la, mais uma vez nos unimos com mais um amigo, Dirceu Amadio, e criamos o Centro Artístico Rian. Uma escola de arte que tinha professores do maior quilate ensinando desenhos, pintura, teatro e quadrinhos. Na inauguração conseguimos trazer o filho de Nair de Teffé e realizamos a última exposição de seus trabalhos. Ela já não tinha originais, nem conseguia mais levantar da cama, mas em seu fim de vida pegava papel que embrulhava pão e continuava a fazer suas caricaturas de atores de novelas. Essa foi a exposição de inauguração do Centro Artístico Rian. E com isso, mais uma vez, conseguimos repercussão na imprensa para que as pessoas soubessem o que nós, brasileiros, fazemos com nossa história.
Desculpem o romance, mas sabem porque estou contando essa história? Porque hoje aconteceu algo que me fez refletir muito. Fomos chamados de “machistas” por uma postagem de campanha humorística sobre o próximo troféu HQMIX. Essa postagem foi mal interpretada por várias pessoas. Aconteceram críticas. Sou o primeiro a aceitar críticas, pois se não aceito também não sou digno de poder exercer essa função de crítico. A democracia vive da crítica. Mas do modo que vieram e sem saber o nosso lado, que é a primeira regra da informação correta, me fez ficar muito triste. Será que somos tão ruins assim? Logo retiramos do blog essa campanha. Creio já ser uma ação de quem não quer causar por causar ou de nariz empinado. Mesmo assim, estamos sendo bombardeados como se não houvesse um passado. Como se bastasse qualquer fato para que tudo o que foi feito por uma vida fosse esquecido. Alguém que ao menos tivesse o bom senso de lembrar que a gente não tem essa característica machista e que pode ter sido um engano. Sempre estimulamos em nossas exposições e eventos a mulher. Conceição Cahú, nossa maior desenhista de bico de pena, fez poucas exposições e a melhor dela, como chargista, foi em nossa escola já que mulheres chargistas são pouquíssimas. Assim como a grande Hilde Weber que nos visitava e dava palestras de sua vitoriosa história (procurem no google).
As redes sociais criaram um espaço democrático e necessário para que todos possam dar suas opiniões. Ao mesmo tempo nos dão a possibilidade de pesquisar sobre o que queremos escrever. Mas a pressa e nosso pouco tempo talvez estejam fazendo caminharmos ao contrário e não pensarmos com tranquilidade sobre o que estamos falando. Por isso, ao mesmo tempo, as redes sociais estão desfazendo amizades antigas. Ou por briga por políticos (imaginem só), ou por qualquer mazela feita no impulso.
A prova disso é que várias pessoas que esperam essa posição de um de nós ( pois essa posição aqui é pessoal e de desabafo) provavelmente vão preferir não falar de Nair de Teffé, mas de um problema que eu imaginava resolvido. Uma postagem que já foi retirada. Não sei se me entendem. Trabalhamos 27 anos no HQMIX para não valer nada do que foi feito com muito trabalho, sacrifício e dinheiro colocado do bolso?
Gostaria que toda essa energia que mobiliza tantas críticas também pudessem ser em prol de um Troféu que chegou até aqui por conta de pessoas que se doam voluntariamente. Só isso eu peço. Claro, se realmente o Troféu é algo importante para todos assim como para nós.
Se houve quem se sentiu desrespeitado(a), posso garantir que não foi nossa intenção.

*O pedido de desculpas do pessoal do HQMIX:

“PEDIDO DE DESCULPAS”
Erramos. Gostaríamos de deixar bem claro que lamentamos o ocorrido com nossa divulgação, não tivemos a intenção e pedimos desculpas a todas as pessoas que se sentiram ofendidas.
E também queremos reforçar o convite para a cerimônia de entrega do Troféu, no sábado, dia 12 de setembro, às 17h, onde estaremos para prestigiar os ganhadores deste ano.
Comissão do 27º Troféu HQMIX

*Post da quadrinista Lovelove6:

O Trófeu HQMIX pediu enfim “desculpas”, que não vieram com o comprometimento a atender as reivindicações que fizemos na carta de repúdio.

Não pela carta de repúdio escrita a várias mãos por autoras e pesquisadoras. Não pelas mais de 300 assinaturas, de mulheres e homens, entre quadrinistas, leitoras, pesquisadoras, jornalistas, editoras, feiras e lojas especializadas.
Mas com uma matéria na Folha de São Paulo, não deu mais pra desprezar a manifestação, rs.

Acredito que a discussão da representação e representatividade das mulheres na cena de quadrinhos, que nos motivou a criticar o prêmio, tenha ficado abafada e em segundo plano, enquanto muitos homens e o próprio prêmio tentavam atribuir a perversidade do episódio às próprias mulheres que se sentiram ofendidas e ousaram denunciar.

Por isso convido as quadrinistas, leitoras, pesquisadoras e jornalistas a continuarem debatendo a respeito e se manifestando até o dia da premiação, dia 12, para deixarmos bastante clara a nossa crítica e nossa força. Me disponho a ajudar encontrando espaços para as suas manifestações.

Os recantos do conservadorismo e do machismo nos quadrinhos finalmente são confrontados por um grupo maior e muito mais articulado do que os preconceitos permitem que eles sejam. Vamos continuar! O machismo não passará e esse espaço também nos pertence! Que esse episódio sirva principalmente para demonstrar a nossa presença e força de mobilização.

A tirinha que ilustra o post é da Carolina Ito, da Salsicha em Conserva, procure no Facebook.

O “pedido de desculpas” do Trófeu Hqmix pode ser visto na página oficial do evento no Facebook.

A carta de repúdio pode ser lida e assinada aqui http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR84536

A tal matéria da Folha
http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2015/09/1677859-oscar-dos-quadrinhos-trofeu-hqmix-e-criticado-por-propaganda-machista.shtml?cmpid=facefolha

HQMIXBombando

*A resposta da assessoria de comunicação do Sesc Pompéia:

Caro Ramon Vitral,

Em relação às perguntas sobre a divulgação do Prêmio HQ Mix, o Sesc SP tem a informar que:

– apoia a premiação que acontece no Sesc Pompeia e, em decorrência disso, a equipe da unidade mantém contato frequente com os organizadores para essa realização;
– tomou conhecimento da polêmica sobre recentes postagens do perfil administrado pelos organizadores em redes sociais, por acompanhar e também realizar ações próprias nesse meio;
– as atividades do Sesc em redes sociais buscam informar e trazer ao público conhecimento sobre a programação e os serviços oferecidos pela instituição, com postagens que se caracterizam por uma adequação de formatos e com linguagem acessível;
– a percepção é a de que a polêmica mencionada permaneceu restrita ao âmbito pessoal dos administradores do perfil nas redes sociais, conhecidos artistas dos quadrinhos e organizadores do prêmio HQ Mix que, inclusive, já se manifestaram em público sobre esses fatos.

Atenciosamente,

Sesc São Paulo

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

12 comentários

  1. Sabe, o Brasil é uma vergonha, tanto quem lê é idiota como quem critica o quadrinho nacional. O quadrinho sempre foi no Brasil o lado errado, sempre. Quem vive de quadrinho sabe como é difícil. E sempre tem aqueles que querem ferrar. Se colocaram com o Oscar do quadrinho nacional, é verdade. E não tem nada de machista, só porque coloca uma mulher semi-nua? Vocês deveriam ter vergonha de falar em machismo, pois no quadrinho nacional sempre usaram as mulheres peladas e em posições sensuais! Dizer que os quadrinhos são machistas é hipocrisia porque sempre foi machista. Me lembro de ter desenhado vários quadrinhos com mulheres nuas e quantos quadrinhos foram usadas as mulheres até mesmo para vender. Não acho que isso é machismo e sim muita da realidade do quadrinho nacional. Rê Bordosa, Barbarela, e outras tantas mulheres foram tratadas com maestria por grandes escritores do quadrinhos. Estou aqui para defender a beleza da mulher brasileira, que seja semi-nua ou totalmente vestida, não interessa. O machismo está na sua mente, na mente das pessoas que veem tudo putaria. O quadrinho sempre foi feio, sujo e largado. Pois, nunca tivemos o direito de publicar algo decente no quadrinho nacional. As editoras puxa-saco dos quadrinhos americanos que nunca deram o valor ao quadrinho nacional. É uma vergonha que as pessoas dizerem que a propaganda está errada. Pois está correta, é o OSCAR, aquele exemplo de xenofobia dos americanos, e ” merda” do nacionalismo hipócrita brasileiro. Tem que escrever a verdade, os editores brasileiros sempre deram mais valor ao americano, e nunca deram o valor ao quadrinho brasileiro. Agora, todos fogem do quadrinho machista? Do quadrinho que foi brasileiro, do quadrinho indígena que sobreviveu por muito tempo às custas do machismo brasileiro! É uma vergonha que as pessoas queiram acharem-se diferentes do que o Brasil sempre fez nos quadrinhos, exploraram as mulheres desde que me li meu primeiro quadrinho. A mulher sempre foi usada no quadrinho, sempre, e nua, semi-nua. Estou defendendo, porque isso hipocrisia. Não tem nada a ver com machismo. Como se ninguém ficasse pelado no Brasil. Ridículo! Se colocasse um homem pelado não seria machismo?!!

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