A saga de Miracleman

Entrevistei o editor do Bleeding Cool, Rich Johnston, o autor da biografia não autorizada do Alan Moore, Lance Parkin, o responsável pela provável última entrevista do autor de Watchmen, Pádraig Ó Méalóid, e um dos editores da Marvel no Brasil, Levi Trindade, pra falar do relançamento de Miracleman. A matéria saiu hoje, no Caderno 2 do Estadão. Só clicar na imagem pra ver a página do jornal. A íntegra da matéria tá logo em seguida.

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A saga de Miracleman

Obra-prima de Alan Moore retorna às bancas após 25 anos sem ser impressa.

Ramon Vitral – Londres – Especial para O Estado de S.Paulo

“Kimota!” – grita um jovem jornalista ao descobrir que o mundo é invadido por vilões do futuro. Um raio atinge o rapaz, ele vira o herói conhecido como Miracleman e parte em defesa da humanidade. Opa. O grito não era “Shazam!” e o herói, o Capitão Marvel? A versão britânica do personagem da DC Comics era apenas um plágio até passar a ser roteirizada pelo escritor mais celebrado dos quadrinhos mundiais, Alan Moore, em 1981. O personagem ganhou personalidade própria, estrelou uma das obras-primas do gênero de super-heróis e suas aventuras estiveram inéditas nos últimos 25 anos. Mas as histórias ganharam novas versões impressas no final de 2013 e é prometida para chegar às bancas brasileiras “o mais breve possível”, segundo os editores nacionais.

“É um clássico que transformou o gênero”, explica ao Estado o editor do principal site de notícias de quadrinhos do mundo, Bleeding Cool, o jornalista inglês Rich Johnston. Segundo ele, as edições de Miracleman assinadas por Moore são ainda mais impressionantes que seu trabalho em Watchmen: “Miracleman é provavelmente sua melhor história de super-heróis”.

O retorno do personagem às lojas especializadas marca o fim de uma batalha jurídica de duas décadas de duração vencida pela Marvel Comics e o escritor de Sandman, Neil Gaiman. No entanto, as origens do personagem em 1954 surgem de outra disputa: considerado plágio do Super-homem, o Capitão Marvel teve sua revista cancelada nos Estados Unidos e na Inglaterra. Insatisfeitos, os britânicos deram novos nomes, uniformes e uma continuidade própria ao personagem. “Shazam!” virou “Kimota!”, Billy Batson passou a ser Micky Moran e os coadjuvantes também foram rebatizados.

Em 1981, Moore assumiu o roteiro da fase hoje sendo republicada. “Foi a primeira tentativa de imaginar o que realmente aconteceria caso heróis existissem no mundo real e provavelmente ainda é o melhor exemplo desse conceito”, conta o jornalista irlandês Pádraig Ó Méalóid, especialista na obra do escritor.

O enredo das histórias de Moore mostram o protagonista já adulto, sonhando com um passado no qual podia voar e tinha superpoderes. Aos poucos, o sonho começa a parecer realidade e suas habilidades retornam.

Após a editora que publicava a série na Inglaterra falir, Moore pôde encerrar suas histórias em uma editora dos Estados Unidos. A fase foi sucedida por Neil Gaiman, que não conseguiu concluir seu trabalho após a nova empresa também fechar as portas. Desde então, o final está em aberto após anos de disputas sobre os direitos do herói contra a Image Comics, que comprou o personagem da detentora anterior dos direitos.

“É a fase mais aguardada pelos fãs, escrita pelos dois maiores autores britânicos. Tudo será recolorizado e reletreirado. E é com grande entusiasmo que o público recebeu a notícia de que Neil Gaiman concluirá a história que deixou incompleta”, conta o futuro editor do título no Brasil, Levi Trindade.

Créditos incompletos. No expediente das duas edições de Miracleman publicadas até o momento pela Marvel, ao lado do nome do ilustrador Garry Leach, é creditado como autor da história “o escritor original”. Alan Moore exigiu que seu nome não constasse na revista. “Se alguém pode exigir o direito de ser creditado como autor, com certeza uma pessoa também pode exigir o contrário, certo?”, brinca o jornalista Rich Johnston.

Em 1985, quando o personagem chegou aos Estados Unidos, a Marvel proibiu que o personagem usasse seu nome original, Marvelman então Moore avisou que jamais trabalharia para a editora. “Ele não gosta da Marvel e não quer ela vendendo quadrinhos com o nome dele”, explica o biógrafo de Moore, o jornalista americano Lance Parkin.

Nas edições digitais vendidas pela Marvel, outra polêmica: uma arte da segunda edição foi modificada para esconder o corpo da esposa do protagonista, que aparecia nua de costas. “Acho meio bobo e não é a primeira vez que acontece na Marvel. Não faço ideia como vão fazer na edição em que o herói faz um parto”, diz o editor do site Bleeding Cool.

Amigo de Moore e autor de uma entrevista recente que o quadrinista afirmou provavelmente ser sua última, Pádraig Ó Méalóid defende a postura do escritor, mas recomenda a leitura de Miracleman: “Pois ele é um gênio e tem coisas importantes a dizer para todos nós, não importa o meio para o qual ele escreva. Simples assim”.

Entrevista. Lance Parkin, jornalista, biógrafo de Alan Moore

‘As pessoas vão ficar surpresas, o quadrinho ainda é chocante’

O jornalista norte-americano Lance Parkin lançou em dezembro uma biografia não autorizada do autor de Miracleman, Magic Words: The Extraordinary Life of Alan Moore (Palavras Mágicas: A Vida Extraordinária de Alan Moore, Aurum Press, US$21,35). Em entrevista ao Estado, ele falou sobre o passado do super-herói e de como Moore aprovou seu livro logo em seguida à publicação.

O que significa Miracleman para a carreira de Alan Moore?
Miracleman foi o trabalho que o projetou, a primeira vez que Alan Moore escreveu uma série de longa duração. Não é exagero dizer que a primeira edição da série foi o quadrinho de super-herói mais importante desde que a Marvel lançou a primeira edição do Quarteto Fantástico, de Stan Lee e Jack Kirby. Muitos fãs ouviram falar mas nunca leram. Acho que as pessoas vão ficar surpresas, Miraclemen ainda é chocante e nunca perde o fôlego. Acho que as pessoas vão perguntar: “Isso é realmente de 30 anos atrás?”.

Como foi a produção da biografia?
O Alan Moore deixou claro que não queria ter qualquer relação com o livro. Tentei contar o máximo de histórias e ser o mais honesto possível. Conversei com várias pessoas e levei três anos pra escrever. Quando foi publicado, meu editor mandou uma cópia pro Alan Moore e alguns dias depois ele me ligou dizendo que adorou. Ele ajudou a divulgar e participou do lançamento, foi bastante generoso. É um pouco estranho… Escrevi uma biografia não autorizada e ele gostou do resultado. Só encontrei ele uma vez e sei que ele se afastou do meio dos quadrinhos, deu algumas declarações polêmicas e magoou pessoas. Mas ele não é maluco, ele apenas briga com pessoas que abusam da confiança dele. Não é verdade que ele odeia os fãs. No lançamento do livro, ele gastou horas conversando e distribuindo autógrafos por vontade própria.

O que você acha dele não deixar o nome estar presente nos créditos?
Miracleman resultou em muitos problemas. Ele brigou com o editor e um dos desenhistas que era seu amigo. A Marvel proibiu o uso do nome original e, em 1985, o Alan Moore disse que jamais trabalharia pra eles. Ele passou os direitos do personagem pro Neil Gaiman, anos antes dele escrever Sandman, a editora que publicava faliu e os direitos do personagem passaram anos em disputa. A verdade é que ele guarda más memórias. Ele não gosta da Marvel e não quer ela vendendo quadrinhos com o nome dele.

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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