Adágio: as fotos de Rafael Roncato com os nus de Laerte em exposição na Galeria Hipotética de Porto Alegre

O Rafael Roncato expõe a partir do dia 13 de agosto na Galeria Hipotética de Porto Alegre a série Adágio, composta por uma coleção de 10 fotografias da quadrinista Laerte nua. Produzida em 2013 e publicada parcialmente no mesmo ano na revista Rolling Stone, a série também apresentará ilustrações exclusivas feitas por Laerte durante o processo de criação do ensaio. Adágio não é o primeiro trabalho de Roncato com autores de HQs: ele leva há alguns anos a produção da .nankeen., com retratos em preto e branco de vários artistas brasileiros. No entanto, as imagens que estarão em exposição no Rio Grande do Sul são protagonizadas por aquela que talvez seja a mais importante representante das HQs nacionais. Bati um papo com o fotógrafo sobre a produção e as origens desse projeto e o trabalho de criação em parceria com Lerte. Ó:

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Como foi a produção dessas fotos? O quanto vocês já tinham definido do que seria o ensaio quando começaram? O resultado final foi muito diferente do que você tinha em mente quando teve a ideia da série?

No primeiro momento, Laerte me procurou para fazermos algumas fotos de divulgação que ela estava precisando na época. Boa parte da nossa conversa foi pensando nessas imagens que seriam para ela, com trocas de roupas, maquiagem, fundos diversos e em estúdio. Ficamos numa longa troca de e-mails: ela havia me procurado no final de 2012, mas fomos começar a pensar no que fazer no começo de 2013, e as fotos foram produzidas de fato apenas em julho de 2013. A ideia do nu surgiu no meio das nossas conversas por e-mail, foi uma sugestão lançada que nos fez pensar, principalmente a Laerte, que ficou interessado, apesar de uma certa dúvida. As conversas foram rolando até que um dia tive a ideia das tintas – a preta em fundo preto e a branca em fundo branco. Para minha surpresa, as tintas a instigaram e até animaram, ou deram confiança, para o nu. Laerte fez um lindo esboço (esta imagem estará na exposição como um primeiro estudo) com algumas poses e a tinta caindo sobre o corpo; hoje, noto como uma ou outra posição das fotos até se parecem com o estudo.

O resultado final foi próximo ao que havia pensado, claro que com algumas surpresas muito importantes. Como são fotos que dependem de outra pessoa, é impossível ter o controle completo da situação. Estar no estúdio já dava certo controle sobre o ambiente e algumas decisões ali dentro. A felicidade do ensaio foi realmente a Laerte ter se doado por completo, dando a liberdade que eu precisava para fazer as imagens que eu bem quisesse e acrescentando algumas ideias dela que surgissem na hora. Foi muito fluido e acredito que a confiança foi um fator importante, uma confiança mútua.

Pelo que você conta, o conceito do ensaio parece ter sido uma construção conjunta entre você e a Laerte. Acho que poucas pessoas tiveram a oportunidade de criar um trabalho tão próximo dela ou em parceria com ela como você. O que foi mais revelador pra você nesse processo?

Sem ela esse trabalho não teria sido possível. Como eu disse anteriormente, o fato dessa confiança e generosidade em se doar ao processo artístico do outro foi muito importante. Conversamos muito sobre as fotos de divulgação, com ideias minhas e dela, mas na parte do nu e das tintas tive uma liberdade quase que completa, com possibilidades de criação infinitas dentro do estúdio. O esboço que ela fez com a ideia das tintas me fez perceber o quanto ela havia realmente entendido o que eu queria/pretendia, foi uma sintonia bacana. Eu fico muito feliz com esse trabalho, muito orgulhoso por tudo que representa. Não é apenas Laerte nua e com tintas, mas um trabalho que envolve questões muito importantes, pontuais, como discussão de gênero, de individualidade e liberdade, seja de expressão ou corporal. Foi importante ser ela neste ensaio justamente por tudo que representa. Ela é uma inspiração e um exemplo, mais ainda após essas fotos, principalmente para mim. Ficamos cerca de oito horas no estúdio, desde a produção das fotos de divulgação, passando para o nu e depois as tintas. Foi extremamente puxado e difícil: se pintar inteira, posar, e ainda depois ter que tirar a tinta com banho de mangueira para a próxima rodada e após tudo terminar. Ela se doou por completo, acho que é o mais lindo de tudo isso.

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Você é leitor de quadrinho e acompanha a obra da Laerte. Além do fato óbvio e explícito dela ser a protagonista das imagens, que diálogo você faz entre essas fotos e as tiras e HQs dela?

Sempre gostei dos quadrinhos da Laerte, comecei a ler e acompanhar mais na adolescência e achava incrível (como não perder o chão com A insustentável leveza do ser?) Parte do trabalho tem a ver com esse diálogo entre ela, sua produção e um certo entendimento meu em cima de tudo. Não posso falar por ela, mas eu vejo muito essa conexão do trabalho com ela mesma, como pessoa, indivíduo. Toda sua mudança foi feita quase que em paralelo com os quadrinhos, como se ele funcionasse como um teste ou uma forma de libertar-se de quem não era. O uso das tintas, a princípio mais inconsciente, remete a essa ideia da transformação, de um luta para ser quem se realmente é e em paralelo com a sua produção, como um personagem de sua própria obra. As tintas que ela trabalha, como artista, agora fazem parte dessa construção no próprio corpo. É evidente as diversas mudanças que ela passou, seja ao assumir quem se realmente é, como também no próprio trabalho e toda essa relação que se dá e se deu.

O título, Adágio, faz uma alusão conceitual e metafórica a esse processo. Adágio pode ser entendido por um trecho musical de andamento vagaroso, uma dança na qual a ordem dos movimentos, passos ou posições são desenvolvidos nesse ritmo lento. Por mais que pareça estático, há andamento, o movimento nunca cessa, é contínuo e em seu próprio tempo, que mesmo assim pretende chegar à conclusão; ou, então, busca expandir-se para novos compassos e ritmos. Acho engraçado como o título fala, de certa forma, tanto do processo dela quanto o meu para o entendimento dessas imagens. Fiz as fotos em 2013, mas considero esse trabalho finalizado em 2015. Ele teve que ser maturado comigo mesmo para chegar numa forma final, quase dois anos de pensar, editar e entender o significado do trabalho além da plasticidade óbvia que ele possui.

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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