Quando o cartunista Allan Sieber diz que gosta de limites, ele obviamente não está se referindo a restrições temáticas. Sua primeira HQ infantil narra as muitas mortes trágicas de um gatinho fofo e gordinho chamado Jouralbo. Ele morre esmagado por uma bigorna, comido por um tubarão, atingido por uma bala de canhão e paro com os spoilers por aqui. As Sete Vidas do Gato Jouralbo acabou de sair, em parceria da editora Bebel Books com o estúdio de comunicação Mandacaru. O prefácio do álbum é de Fábio Zimbres, autor dos clássicos Música para Antropomorfos e Vida Boa, ambos publicados pela editora Zarabatana Books.
Sieber também publicou há pouco Satã Amigo das Crianças Boas (Veneta), com desenhos de Rafael Sica. O título é autoexplicativo: a obra é protagonizada por um diabo gente boa em situações de camaradagem com crianças legais.
Os limites apreciados por Sieber dizem respeito a restrições técnicas e espaciais. O quadrinho do gato Jouralbo é integralmente composto por páginas com quatro quadros em preto, branco e jade. Já Satã intercala versinhos bem-humorados com as ilustrações de Sica.
“Gosto de coisas limitantes assim”, me diz Sieber sobre as restrições e os padrões autoimpostos nos dois livros. “Não poder tudo eu acho bem mais interessante do que poder tudo. Eu gosto de limites. Acho interessante trabalhar dentro de limites”.
Jouralbo é o que se espera de uma obra infantil de Sieber. O quadrinho é divulgado por seus editores como voltado para leitores a partir de cinco anos, mas eu diria “leitores a partir de cinco anos com predisposição ao humor agressivo do autor”. Sabe aqueles acidentes do Coiote tentando pegar o Papaléguas? Ou os infortúnios do Tom tentando capturar o Jerry? A vibe é a mesma.
Sieber põe em prática em Jouralbo suas crenças em torno do que faz uma boa obra para crianças.
“Uma boa história, né?”, resume o autor. “Basicamente. Um livro que não subestime a criança, que quando possível entre nessa onda de fantasia da criança, que tem um mundo interno muito rico. Então, nesse sentido, é muito bom escrever para criança. Porque elas são muito malucas. Então, entre aspas, elas ‘compram’ uma ideia muito maluca”.
Ele também é coerente com suas preferências em relação a um bom quadrinho: “Ah, eu espero que não seja só um exercício de virtuosismo. Ângulos, luz e sombra e… Enfim, eu tenho um certo pé atrás com quadrinhos assim. Um desenho muito lambido, acho uma merda. Pessoalmente, dou preferência sempre para um desenho chutado, que não briga com o texto. Às vezes o desenho é tão primoroso que quase abafa o texto”.
Em Satã Amigo das Crianças Boas, Sieber adapta seu texto para outra proposta. Ele mantém o bom humor, mas escreve em versos – “canhestros”, segundo ele.
A proposta para o projeto partiu de Rafael Sica, a partir de uma serigrafia de Sieber com o título Satã Amigo, retratando o diabo oferecendo um sorvete para um garoto.
“O Rafael destruiu, né? Ele tá com o desenho muito, muito sofisticado. Eu fiquei muito feliz com esse resultado aí”, comemora o autor. “A ideia era, sei lá, botar Satã como um tio bonzinho. Ele tá sempre ajudando as crianças. Ele fala para as crianças não serem preconceituosas, não serem egoístas e tal. É basicamente o contrário do que Deus… [risos] Se Deus existisse, Deus falaria justamente o contrário, ‘sejam preconceituosos, odeiem seu próximo’”.