O quadrinista Daniel Lopes bateu um papo muito interessante comigo sobre o trabalho dele pro nono número da Série Postal. Ele falou sobre suas inspirações para a disposição dos quadros de sua obra, o diálogo da HQ com o álbum Marco – O Macaco do Espaço lançado por ele em 2015 e vários outros tópicos relacionados à criação do quadrinho. Como tenho feito desde o começo do ano, publiquei as falas do artista primeiramente lá no site da Série Postal e agora reproduzo na íntegra por aqui. Saca só:
“A primeira coisa que fiz foi tentar criar uma narrativa que coubesse naquele espaço pequeno. Aliás, pequeno em termos. Eu já estava acostumado a fazer tirinhas, quadrinhos de uma página e tal. Mas por conta do formato seria interessante explorar algo diferente. De certa forma não foi assim tão desconfortável, mas fiquei pensando o quanto de história cabe dentro do cartão? O quanto de história eu consigo fazer nesse espaço? Na época em que fui convidado eu estava fazendo o meu inktober de 2016 e o personagem surgiu lá. Eu já estava trabalhando com essa ideia das narrativas mudas, tentando resolver só com a imagem, achei que isso poderia ficar legal no cartão. Já que é um cartão postal e pode ir pro mundo inteiro, eu não queria que a linguagem escrita fosse uma barreira”
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“Eu cheguei nesse formato dos quadros também pelo que vinha fazendo no inktober. Eu já tinha feito alguma outra história nessa ideia. Gosto bastante de trabalhar esse pensamento do Scott McCloud sobre a sequência de quadros e dos diferentes tipos de mudança de um quadro pro outro. Um desses tipos de transição não tem uma sequência lógica. Eu cheguei a explorar algo assim na Mês. Teve algo que fui percebendo a medida que fazia o inktober: às vezes você pega uma página e vai diretamente pro final dela, você já sabe como vai terminar. O cartão postal também tem isso. A pessoa vai ver o cartão inteiro como uma coisa só. A gente pode pensar como uma página de quadrinho, mas também é uma história inteira. Eu sempre penso assim quando estou criando uma página, eu imagino que primeiro a pessoa vai ler a página inteira antes de ir para cada quadro. Nessa coisa de ver toda a página, o foco principal tá no início e no final e a narrativa que ocorre entre os dois vai apenas acrescentar informações. Eu gosto de brincar com essa ideia, de fazer a pessoa ver o todo e querer saber como uma situação levou àquela outra. Alguns desses quadros no meio são o que o Scott McCloud chama de transição de aspecto ou de sequência não lógica. Eu estava mostrando um detalhe do cenário, ambientando onde o personagem está, ou revelando algum detalhe desse personagem”
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“Eu já tinha resolvido que queria explorar algo relacionado a comunicação, não necessariamente entrando no mérito da linguagem do postal, mais na ideia do cartão que carrega uma mensagem. Tentei colocar alguns elementos disso, não só reduzindo ao formato do postal, mas também tendo esse personagem que você não sabe necessariamente o que é e o que ele tá tazendo. Queria passar a ideia dele estar querendo se comunicar, recebendo ou enviando uma mensagem. Fui tentando colocar umas ideias que tivessem a ver com o conceito de comunicação. Tem um quadro que mostra um gibizinho no chão, tem a televisão, tem o satélite, tem a antena… Eu joguei essas peças nesse contexto pra dar informações sobre qual é a mensagem que eu queria passar”
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“A história começa com dois quadros pequenos e termina com dois quadros pequenos. Se eu já imaginava que o foco não estaria tanto no início e no final, deixei os quadros maiores pro meio. Quase tudo acontece numa ação temporal única. O personagem praticamente só executa uma ação o tempo inteiro e a maior parte dos quadros está mostrando vários aspectos dessa mesma ação. Na verdade, o mais difícil, já sabendo qual era a ideia principal, foi montar esse quebra-cabeça. Eu tinha alguns quadros mais ou menos fixos e outros espaços em que cabiam outros. Ainda nos thumbnails eu fiz alguns esquemas vendo como ficaria com um quadro no lugar do outro e qual chamaria mais atenção, se ia confundir a leitura. Tanto que tem um quadro, o que ele aperta o botão, que ficou confuso no começo, quando ainda estava em preto e branco, não dava pra saber se ele estava dentro da nave ou não. Com as cores acabou ficando mais claro”
“Resolvi muitas dessas questões com as cores, que determinam qual é o próximo quadro a ser lido. Essa paleta é praticamente a mesma que utilizei no Marco – O Macaco do Espaço. Da mesma forma que penso a página como algo que será visto como um todo, eu tento dar uma harmonizada geral pelas cores. Quadros com cores de alto contraste, que brigam muito, não conectam direito. Eu tentei usei cores que fossem mais nessa paleta do roxo e do rosa. Tanto que acho que o quadro que mais grita é o da televisão – mas apesar de ter uma grande quantidade de cores ele é pequeno, então acaba dando uma equilibrada. O quadro do meio, propositalmente o maior, tem um contraste interessante. Ele tem o satélite grande, branco, enterrado e o céu preto, é o quadro de maior contraste do postal”
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“Quando eu comecei a fazer quadrinhos esse tipo de coisa retrô e pulp não era nem o que eu lia. Há uma diferença entre o tipo de quadrinho que a gente gosta de ler e o tipo de quadrinho que a gente acaba fazendo. Eu sempre me inspirei mais na Heavy Metal e Vertigo, pelo menos gostaria que meus trabalhos fossem nessa pegada. Em alguns pontos eu consigo perceber uma aproximação com a Heavy Metal, mas a Vertigo tem essa configuração de HQs de 22 páginas mensal e tal. Essas influências acabam sendo um pouco mascaradas. Por exemplo, eu gosto muito de uma fase do Monstro do Pântano viajando pelo espaço e consigo perceber algumas coisas disso aí no Marco. E no Marco, apesar de ter feito pensando em algo meio Flash Gordon e colocado os títulos como tiras dominicais, a principal referência eram animações no estilo do Cartoon Network, O Laboratório de Dexter e essas coisas. A medida que vou fazendo percebo mais essas aproximações com essa coisa meio pulp mesmo. Até mesmo no Inktoober os personagens foram monstros de horror clássicos. O Marco, o postal e o inktoober vão na mesma linha. A medida que vou ficando mais consciente disso passo a forçar um pouco mais essas coincidências”
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“Gosto muito das histórias curtinhas da EC Comics e como eles exploram algumas ideias muito boas em poucas páginas. No Marco tem um monte de citações que nunca vi. Fui ler Planeta dos Macacos depois que fiz o Marco, por exemplo. De alguma forma tem alguns resquícios que vão ficando imersos na nossa cultura. O próprio robô, o conceito dele, o que me veio a cabeça foi um filme que eu nunca vi, O Planeta Proibido. Ele tem aquela imagem bem clássica do robô carregando uma mulher. Inclusive surgiram ideias de dar continuidade a essa personagem. É tudo bem inicial, com o robô nesse planeta, explorando coisas. Talvez sejam tiras, todas mudas, talvez nessa mesma pegada, nesse conflito do que o robô está fazendo, se ele tem consciência disso ou se é só programação. Posso humanizar esse personagem ou sugerir o quanto ele é só uma máquina”