Volto a reunir por aqui a íntegra do depoimento de um artista participante da Série Postal sobre a produção de um dos números do projeto. Dessa vez, publico a íntegra das falas da quadrinista Deborah Salles sobre os bastidores do trabalho dela para a quarta edição do projeto no ano de 2018. Aproveito a deixa pra recomendar um pulo lá no Tumblr da coleção – no momento estão saindo por lá os comentários de Diego Gerlach sobre a quinta e última edição da Série Postal 2018. A seguir, aspas de Deborah Dalles:
“A primeira coisa em que pensei foi o formato. O convite para participar do projeto veio na época em que eu estava finalizando o meu TCC e fiquei refletindo em como pensar o quadrinho a partir do meu trabalho como designer, em como compor uma página e etc. Refleti sobre a proporção do postal e o que esse formato trazia pra mim.
A segunda coisa foi como as pessoas usam o postal e manipulam esse objeto. Quando você tem um postal em uma mesa, a chance de pegá-lo do lado certo é de 50%. É muito comum você virar um postal, virar de um lado e pro outro, ver o verso e a frente. É algo muito caraterístico do objeto, então pensei como trabalhar isso na história também. Esse era o meu gancho: como falar dessa manipulação”
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“Quando veio o convite pra participar eu tava numa época em que ia começar a usar óculos. Eu tava desenhando muito, aí minha visão ficou zoada e precisei dos óculos para ela ficar mais descansada. Achei que seria uma boa história, contar isso e também pensar nesse movimento das coisas pra ver melhor, seja aproximando ou afastando. O postal tem muito disso também: você pega e aproxima para poder ver melhor e depois joga de volta pra algum lugar”
“Eu queria fazer esse movimento de aproximação significar coisas diferentes. Quando você está vendo o zoom mais fechado na pessoa, você não consegue identificar o que está acontecendo. Na letra é o contrário, quando está o zoom mais aproximado é quando você entende. Então eu queria fazer esse jogo de um mesmo movimento significar duas coisas distintas”
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“Essa ideia surgiu dentro do consultório do oftalmo. Você tá lá, faz o teste pra ver o seu grau, com letras que parecem a mesma coisa e vão ficando mais claros. Eu achei que isso ia dar a mesma ideia. Eu queria fazer a coisa do postal girar. Então eu fiz uma coisa que fosse inversa uma da outra. Quando você está vendo a personagem mais de longe, a coisa que está em baixo disso é a letra mais de perto, é o movimento inverso e acho que fecha um ciclo”
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“Foi bem fácil entender na minha cabeça o que eu queria fazer, mas muito difícil fazer um desenho pra explicar o que eu queria fazer. É muito recente para mim trabalhar com outras pessoas e mostrar meu trabalho antes dele estar pronto. Eu peno muito pra fazer um desenho que fique claro. É muito estranho… Eu tô fazendo um livro com uma amiga, ela tá escrevendo e eu tô desenhando e eu tenho que deixar claro o que eu vou fazer antes de fazer, né? Nossa, é muito difícil. Achei que essas leituras do A-B-C iam funcionar melhor, mas nunca sei se isso vai ser claro pra outra pessoa”
“Eu tenho um interesse nesses temas banais e cotidianos, é algo que vai além dos quadrinhos. Seinfeld e essas histórias sobre nada sempre me chamam mais atenção, tem uma sutileza de histórias simples que eu gosto muito. A graça tá em outras coisas, não em grandes acontecimentos, sabe? Isso me interessa, trabalhar com o mínimo possível pra poder expandir as coisas, trabalhar além de uma narrativa com um grande arco ou um grande acontecimento”
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“No meu Trabalho de Conclusão de Curso na faculdade eu queria falar um pouco disso, de rotina dessa designer que vive em São Paulo e vê a cidade tendo designs muito diferentes do que ela faz. É um quadrinho que fala desse isolamento. Tem todas essas marcas ao redor dela, identidades visuais que mudam toda hora, enquanto o trabalho que ela faz é muito mais lento, tem outro tempo outro contexto, algo que já não tem lugar. Pra isso eu pensei do mesmo jeito do postal: resolvi primeiro o formato do livro, como ele ia ser, e a partir disso eu fiz a histórias”
“Como eu tava nessa de pensar o formato e pensar no objeto, eu também queria deixar o postal mais relacionado ainda com o design gráfico e lembrar quem estiver usando que aquilo é algo impresso. Uma das coisas muito características da impressão em offset são as quatro cores CMYK – ciano, magenta, amarelo e o preto. Como a impressão seria em quatro cores, pensei em mostrar essas cores como elas são, puras. Por isso eu queria que o preto fosse não composto, esse preto que é uma chapa só, assim como azul, e o vermelho fosse uma composição exata de amarelo e magenta. Isso fala do processo de impressão, né? A ideia era aproximar a pessoa desse processo. Também por isso, o desenho foi feito na mesma escala em que foi impresso. Quando você vê um desenho impresso no mesmo tamanho que o desenhista fez, te deixa mais perto da coisa”
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“No colegial eu usava mais postais, geralmente com amigas. Alguém viajava e mandava um postal. Aí eu recebi um monte de um amigo no primeiro ano da faculdade, o meu pai viu, gostou e agora ele sempre me manda postal. Se ele vai pra Minas Gerais ele me manda um postal. Então é uma coisa que está presente na minha vida”