O quadrinista japonês Naoki Urasawa está ocupado. Aos 59 anos e atualmente o maior nome da indústria japonesa de histórias em quadrinhos, lá chamadas de mangás, ele já vendeu mais de 128 milhões de exemplares apenas em seu país natal e segue produzindo em ritmo frenético. No momento, seu principal foco de atenção está no pôster que foi convidado a produzir para os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio 2020 pelo comitê organizador do evento.
O prestígio atual de Naoki Urasawa como autor de quadrinhos no Japão só não é equiparável ao de seu ídolo-mor, Osamu Tezuka (1928-1989), criador do clássico Astro Boy e conhecido por muitos como o Deus dos Mangás. Por isso a agenda atribulada do artista e seu impedimento de vir à versão brasileira da exposição Isto é Mangá – A Arte de Naoki Urasawa, mas ele garante: as artes, os cenários e tudo relacionado à mostra são de sua autoria.
“Eu produzi todos os assuntos envolvidos nela, desde o conceito da exposição até a criação do espaço expositivo”, diz Urasawa em entrevista ao Vitralizado sobre a mostra, em cartaz na Japan House de São Paulo até o dia 5 de janeiro de 2020 após passar por Los Angeles e Londres.
A exposição sobre a vida e a obra de Urasawa, que conta com mais de 600 ilustrações originais assinadas por ele, chega ao Brasil simultaneamente ao anúncio do retorno às bancas de dois dos três únicos trabalhos do autor publicados no Brasil: o policial Monster e a ficção científica Pluto. O primeiro, publicado originalmente no Japão entre 1994 e 2001, retorna em edição de luxo, narrando a história de um cirurgião que investiga os crimes cometidos por um ex-paciente. O segundo, lançado entre 2003 e 2008, em apenas oito volumes, é um releitura de O Maior Robô da Terra, arco de histórias de Astro Boy, publicado entre 1952 e 1968.
(Na imagem que abre a matéria, arte original do mangá 20th Century Boys, assinada pelo quadrinista Naoki Urasawa e exposta na mostra Isto é Mangá – A Arte de Naoki Urasawa. Crédito: Divulgação)
Finais definidos
A visita a Isto é Mangá – A arte de Naoki Urasawa é uma experiência imersiva na carreira do autor. A mostra apresenta desenhos, rascunho e originais de capítulos inteiros de Pluto, Monster, 20th Century Boys – sua terceira obra publicada no Brasil – e também de outras publicações ainda inéditas em português. Estão por lá fascículos completos de obras como Yawara! (1985-1993), seu primeiro trabalho solo, Master Keaton ReMaster (1988-1944), Billy Bat (2008-2016) e Mujirushi (2017-2018). O contato com esses originais é revelador sobre as técnicas do autor.
“Eu desenho o esboço do esboço em papel sulfite. Não uso o caderno porque preciso rasgar a página quando acho que que errei. Se for papel sulfite, posso jogá-lo logo no lixo”, conta o artista. “Fora isso, tento trabalhar com materiais relativamente comuns e fáceis de achar. Usar algo muito raro pode acabar gerando dependência e o medo de que um dia possa ficar indisponível”.
Urasawa também diz ter um padrão em relação ao desenvolvimento de seus trabalhos, tendo sempre definido o final da obra antes de começá-la a desenhar.
“Há casos em que depois de passar cinco anos desenhando, a história acabou ficando bastante diferente do que era previsto. Isso acontece porque um drama gera outro drama, os personagens são desenvolvidos ao longo do tempo e principalmente eu, que sou o autor, acabo sendo desenvolvido pela minha própria obra”, diz.
Número de requadros
Para os não habituados à leitura de mangás, o autor pede atenção especial à forma como ele faz uso dos quadros em suas páginas. Na avaliação dele, as HQs japonesas tendem a apresentar um número muito maior de quadros do que as norte-americanas ou europeias e isso acaba tendo efeito direto nas tramas.
“Acredito que a grande diferença entre o mangá e os quadrinhos europeus e os comics americanos seja a quantidade de quadros. Eu acho que o mangá usa vários quadros e páginas em uma cena que uma banda desenhada ou um comic fariam com apenas um desenho”, analisa. “Penso que isso transmite com mais profundidade, e de forma mais detalhada, o impacto e a alteração das emoções”.
Mas Isto é Mangá – A Arte de Naoki Urasawa não se limita às reflexões mais recentes de Urasawa acerca da linguagem dos quadrinhos. A exposição apresenta inclusive as primeiras experiências do autor com HQs, com reproduções de cadernos inteiros preenchidos por ele durante a infância e adolescência, suas primeiras experiências com quadrinhos. O autor diz que esses experimentos iniciais foram fruto de seu contato com duas das obras mais famosas de Tezuka quando tinha apenas cinco anos, Astro Boy e Kimba, O Leão Branco.
Já adulto, por Monster, ele venceu o Grande Prêmio Mangá do 3º Prêmio Cultural Osamu Tezuka, entregue pela Tezuka Productions Co. Ltd., corporação responsável por administrar o legado e o licenciamento de qualquer conteúdo relacionado às obras de Tezuka. Em 2002, os agentes de Urasawa procuraram os representantes da empresa propondo a releitura do arco de Astro Boy sobre um assassino serial de robôs. Pluto saiu em 2003, ano no qual o protagonista da série foi criado no mangá de Tezuka.
Pelo projeto, Urasawa levou o Prêmio Intergerações do Festival de Histórias em Quadrinhos de Angoulême, na França, o mais tradicional evento de quadrinhos da Europa. Posteriormente, ele ainda recebeu dois Eisners Awards, prêmio máximo da indústria norte-americana de HQs, em 2011 e 2013 na categoria Melhor Edição de Material Asiático nos EUA, pela edições locais de 20th Century Boys.
Asa Branca
Sobre aquilo que vê de mais interessante na linguagem dos mangás, Urasawa afirma: “Histórias maravilhosas, falas que mexem o coração e o mais importante, a originalidade dos desenhos de cada um dos mangakás [quadrinistas]. Acho que o que faz fisgar o coração dos leitores são as emoções vívidas dos personagens que são expressadas, e que por sua vez, expressam a paixão dos mangakás”.
Urasawa ainda vê uma relação entre os quadrinhos e outra de suas paixões, a música. Em suas raras aparições públicas, há registros dele cantando composições próprias e de outros artistas. O protagonista de 20th Century Boys é inclusive um músico fracassado que busca salvar o planeta dos planos apocalípticos de um vilão por meio de sua música.
“É uma cultura de fácil entendimento como o rock, por isso, penso também que seria muito bom se o mangá se tornar uma ponte que liga as pessoas do mundo inteiro”, diz o autor.
Interessado por canções das mais diversas origens, o quadrinista diz ter comprado recentemente um disco do conjunto recifense Quinteto Violado. Urasawa conta ter ficado especialmente impressionado com a versão do grupo para a clássica Asa Branca, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.
“Lendo a apresentação do disco, descobri o que a palavra ‘asa’ significa em português, e a minha mais recente obra ‘Asa Dora’ é sobre uma menina chamada Asa que é piloto de avião. Fiquei muito emocionado por ter encontrado esse disco, é como um destino”, afirma.
Isto é Mangá – A Arte de Naoki Urasawa
-Até 5 de janeiro de 2020, na Japan House (Avenida Paulista, 52, São Paulo);
-Entrada gratuita;
-Terça-feira a sábado, das 10h às 20h;
-Domingos e Feriados, das 10h às 18h.