Fábio Vermelho e o terror erótico grotesco e bem-humorado de Damnata: Condenados pelo Diabo


Já entrevistei o quadrinista Fábio Vermelho algumas vezes e também publiquei alguns textos sobre as obras dele. Acabei deixando passar Damnata: Condenados pelo Diabo, primeiro volume de uma série em seis edições que ele planeja publicar ao longo dos próximos anos. O álbum de 168 páginas foi lançado no fim do ano passado, em edição independente, com o preto e branco grotesco e bem-humorado já característicos do autor.

Damnata: Condenados pelo Diabo estará na minha lista de 10 melhores quadrinhos de 2024 para o Prêmio Grampo de 2025.

Damnata é ambientado na cidade de Pequenópolis, no ano de 1961. O álbum  tem início com a chegada de uma jovem e da avó dela em um convento local durante uma tempestade. Aos poucos, vão sendo reveladas as intenções obscuras das duas visitantes, assim como os passados misteriosos e trágicos das demais residentes do monastério.

O álbum é vendido por seu autor como uma “novela erótica”. Talvez realmente seja o gênero mais apropriado para definir a obra, mas acho que basta promovê-la como “uma HQ de Fábio Vermelho”. É um gênero à parte. Trata-se de um quadrinista de traço, texto e ambientações tão singulares que fica difícil apontar paralelos com outros artistas e outras obras.

Quadros de Damnata: Condenados pelo Diabo, obra de Fábio Vermelho (divulgação)

A maior parte dos trabalhos de Vermelho foi publicada em sua Weird Comix, revista independente levada por ele desde 2014. De lá, por exemplo, saíram os capítulos que resultaram em Eu Fui Um Garoto Gorila, publicado pela editora Veneta em 2021.

Seus trabalhos mais célebres são os excelentes O Deplorável Caso do Dr. Milton (2019), 400 Morcegos (2020) e Bebês Maníacos da Lagoinha (2021) – todos lançados pela editora Escória Comix. Ele também é o autor de Assassino na Casa, 20ª edição da Coleção Uritos

O traço pesado de Vermelho e algumas temáticas em comum entre seus títulos, como sexo e violência, resultam em rotulações fáceis como “trash” e “underground”. Os títulos dele até têm alguns elementos característicos de obras do tipo, mas vão além disso. 

Nos quadrinhos da Weird Comix, como Garoto Gorila, é explicitada a paixão do autor pelos Estados Unidos dos anos 1950. Em Dr. Milton, Bebês Maníaco e Damnata ele investiu em um Brasil interiorano com ares de anos 1960. 400 Morcegos tá ali beirando nos anos 1970. É bem-sucedido o empenho dele em uma ambientação fidedigna dos cenários das HQs. Aliás, tem algo de quintanilhesco nesse sentido, com o entorno dos personagens pesando tanto quanto os diálogos e a trama.

Página de Damnata: Condenados pelo Diabo, obra de Fábio Vermelho (divulgação)

Talvez O Deplorável Caso do Dr. Milton seja a obra mais marcante de Vermelho por ter sido a primeira longa e também a mais surtada, mas 400 Morcegos é particularmente sensacional em sua ambientação. Também é a obra menos bem-humorada, mais violenta e séria do autor. Damnata vai pelo mesmo caminho, mas sem o aspecto urbano e com tons mais sobrenaturais.

O primeiro volume de Damnata chega ao fim quando engrena para valer. Mérito do autor. Ele me disse que a tendência é lançar a próxima edição lá para 2026. Vai ser sofrido esperar, mas aguardarei de boa. Acho um tremendo privilégio acompanhar em tempo real um artista conceber algo com potencial tão grandioso.

Gosto como Vermelho incorporou a periodicidade, mesmo que irregular, como parte da linguagem de seus trabalhos. Leio com muito prazer seus quadrinhos fechados, mas me divirto com o clima de folhetim das obras seriadas. Já li ele dizendo que se inspirou para Damnata no norte-americano Jason Lutes e seus mais de 22 anos publicando as 22 edições avulsas que compuseram as 592 páginas de Berlim.

Vou torcer para Vermelho limitar Damnata aos seis volumes prometidos por ele – e também que ele não leve mais de 20 anos para fechar a série. Ainda assim, mesmo que demore um pouco, creio que valerá a pena.

Leia mais sobre Fábio Vermelho: 

Papo com Fábio Vermelho, autor da revista Weird Comix: “Quero que as pessoas sintam algo lendo, seja vergonha, diversão, nojo, raiva ou pena”;
Papo com Fábio Vermelho, autor de Eu Fui um Garoto Gorila e 400 Morcegos: “Represento a violência de forma gráfica porque é assim que ela é”;
Escória Comix e Pé-de-Cabra: respostas das HQs brasileiras a tempos sombrios.

Capa do primeiro volume da série Damnata, de Fábio Vermelho (divulgação)
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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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