Dois ensaios de fotos do Rafael Roncato estarão expostos na Monkix, aqui em São Paulo, a partir de amanhã (7/8). O mais famoso deles é .nankeen., projeto que cataloga os rostos de todo quadrinista que passa por perto da câmera do Roncato. Nas palavras do próprio fotógrafo, “o .nankeen. começou de uma frustração. Como é possível gostar de quadrinhos e quadrinistas, de seus trabalhos e estilos, mas não saber como realmente são; o rosto do criador de cada um daqueles personagens?”. Já o Barathrum é composto por uma série de fotos que deu origem a um zine/dobradura/pôster homônimo bonito pra caramba – que estará a venda na Monkix. Bati um papo rápido por email com o Roncato, sobre a exposição e suas inspirações para cada ensaio. Lembrando: amanhã, 7 de agosto, na Monkix, a partir das 19h. Vai lá, aprecia tudo e não esquece de perguntar pro Roncato: e quando rola a exposição com as fotos da Laerte? Ó a nossa conversa:
Na primeira vez que conversamos sobre o .nankeen., em 2012, você tinha fotografado 57 quadrinistas. Quantos são hoje? O projeto ainda está em rolando?
Não tenho muita certeza para falar a real, hahaha. Acho que por volta de 120 quadrinistas, talvez até mais. O projeto deu uma parada no momento para conseguir colocar outros projetos e alguns estudos em ordem. Às vezes acho que ele nunca terá de fato um fim, daqueles projetos que uma hora ou outra aparece mais gente para ser fotografada, sempre aparecendo novos quadrinistas e gente com trabalhos incríveis que merecem uma cara. E tem também o meu descontentamento com algumas fotos antigas: o jeito que fotografei os primeiros 57 acabou ficando datado para mim e esses retratos são bem diferentes dos que fiz depois, no FIQ ou no HQBR21; diminuiu a timidez, evoluí na técnica e pessoalmente também. Cheguei a refazer algumas fotos que não tinha gostado tanto na primeira vez, como a Julia Bax, Roger Cruz e o Mutarelli. Quando comecei o .nankeen. eu era bem cru, travado, era o meu primeiro projeto e acabei não explorando tudo que deveria com essas pessoas incríveis. O Mutarelli é um dos casos que me arrependi depois: fiquei nervoso por ser um dos meus autores favoritos e depois de fotografá-lo não achei que a imagem condizia com o artista incrível que ele é, não tinha brilho, era apenas uma imagem, um registro fraco. Minha sorte foi conseguir refazer o retrato alguns meses depois, ufa!
Imagino que não estejam todas as fotos nessa exposição. Qual recorte você escolheu pra exposição?
Infelizmente não consegui colocar todo mundo que fotografei até então. O recorte, na verdade, foi de algumas impressões que fiz há um tempo – coisa de 2 anos – em papel fineart para ser um portfólio impresso. Escolhi alguns retratos que gostava do todo: a composição, o olhar dos fotografados e uma certa troca entre fotógrafo e fotografado; são retratos que gosto por um detalhe ou como um todo. Os caras que estarão expostos são: Laerte, DW Ribatski, Go Carvalho, Rafael Grampá, Allan Sieber, Flavio Luiz Nogueira, Daniel Wernëck, Yuri Moraes, Gabriel Bá, Gabriel Góes e Marcelo Campos. Claro que hoje em dia tenho muitos outros que gosto tanto quanto, como o retrato do Andrício de Souza ou do Mateus Gandara, ambos com um olhar muito profundo, como estivessem te encarando bem no fundo da alma.
O Marcelo Bicarato, da Monkix, mandou muito bem na montagem das fotos no espaço. Ficou arranjado de um jeito delicado, com as fotos flutuando sobre os quadrinhos. To na torcida que o pessoal que for comprar quadrinhos por lá também goste de ver o rosto de alguns dos autores permeando o espaço.
Você tem alguma foto preferida? Alguém que tenha sido mais difícil conseguir e por isso você tem um carinho especial pelo registro?
Difícil escolher alguma, mas tenho as que gosto mais por causa dessa troca entre fotógrafo e fotografado. O legal de fotografar pessoas é cada imagem ser realmente única e o desafio é conseguir ser simples e tentar transparecer algo dessa pessoa em um, dois ou três cliques no máximo.
Tenho quatro retratos que gosto muito por situações diversas. O retrato do André Dahmer foi dificílimo, por exemplo. Ele não gosta de ser fotografado e na primeira vez que nos encontramos ele praticamente implorou para que não fizesse o retrato; acabei não fazendo. Na segunda vez que nos encontramos ele veio falar comigo que o Arnaldo Branco encheu o saco dele para deixar disso e fazer o registro de uma vez. Na hora da foto, ele tremia, suava e não conseguia ficar de olho aberto com o flash; o jeito foi pedir para fechar os olhos e acabou que virou uma das imagens que mais gosto, simples, bonita, delicada.
Para o retrato do Rafael Sica fiz uma luz bem dramática, sombria, bem como vejo o trabalho dele, apesar do humor que há ali. É outro retrato simples que gosto muito e mesmo sem o olhar eu sinto que consegui captar algo ali. E tem os retratos de Luiz Ge e Laerte, mestres supremos. Não sei se foi por ter sido o primeiro contato com eles, e por gostar há tempos do trabalho, mas considero ótimos retratos: o olhar de Laerte e a simpatia do Luiz Ge.
Eu ainda sonho em conseguir fazer um belo retrato do Angeli, mas esse é mais difícil, já que não é tão simples entrar em contato com ele. Tomara que um dia dê certo!
E como surgiu o Barathum? Como você definiu aquele formato do zine? Quantas fotos serão? Estarão todas as fotos do zine expostas?
O Barathrum começou, por incrível que pareça, pelo texto. Cheguei em casa correndo e escrevi o texto que acompanha as fotos de primeira, mas engavetei logo em seguida. Era um texto angustiante, pesado, que veio num momento que não estava lá tão bem e foi bom exteriorizá-lo. Comecei a fazer uma ou outra imagem, sempre com ele em mente, guardando para um dia, quem sabe, dar cara a ele. Nessa época estava participando do grupo de estudos de fotografia do curador Eder Chiodetto e senti que aquele texto realmente precisava ter imagens acompanhando, traduzindo toda angústia e perturbação que ele transmitia. Separei algumas imagens que tinha feito pensando nele, comecei uma pesquisa sobre o abismo, um tipo de submundo interno da mente, labiríntico, e cheguei a alguns conceitos e ao nome Barathrum. Barathrum, além de submundo, abismo, algo que te devora e te consome, também tem por definição ser o inferno e um poço ou local rochoso no qual os criminosos eram jogados na Grécia antiga. Pesado, mas eu busco no meu trabalho sempre mexer com a fotografia como uma forma de expressão e exteriorização, além de brincar e mesclar realidade com ficção, criar narrativas com isso.
O formato do zine veio na tentativa de criar uma narrativa com essas imagens. Foi uma dificuldade em não tentar priorizar algumas imagens em relação a outras, mas jogar com o universo individual e coletivo delas, além do texto. Fiquei um tempo matutando em como não influenciar a leitura das imagens por conta do texto, se ele tinha que ser antes, depois, no meio… Pensei muito para tentar conseguir uma narrativa que tivesse a cara do projeto, colei todas as imagens na parade para olhar dia a dia, troquei de lugar, reposicionei, tentei novas relações, até o dia que cheguei e vi que elas poderiam estar realmente ligadas umas nas outras. Colei todas as imagens, as imaginei como um grande totem, opressoras… então notei que as fotos tinham a possibilidade de serem alteradas, remanejadas, por dobraduras; conforme dobrasse o projeto, novas narrativas se formavam.
Na exposição da Monkix são todas as imagens do projeto, 22, mas dessa vez soltas em lâminas. Como também é o lançamento oficial tardio do zine, achei que poderia ser mais solto, já que o produto físico também estará lá à venda.