Entrevistei o escritor inglês Alan Moore, autor de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais. A nossa conversa teve como ponto de partida Iluminações, coletânea de contos do autor britânico publicada no Brasil pela editora Aleph, com tradução de Adriano Scandolara e capa de Pedro Inoue. O meu papo com Moore é conteúdo exclusivo da edição nacional de Iluminações, disponível nas melhores livrarias e no site da editora Aleph.
Publico agora a primeira de três perguntas da entrevista que o pessoal da Aleph liberou para compartilhar aqui no blog. Ela vem acompanhada de uma pequena introdução, na qual falo com Moore sobre o contexto no qual Iluminações foi lançado no Brasil – nos últimos instantes do governo de Jair Bolsonaro. Saca só:
Vivemos tempos estranhos em todo o mundo, mas o Brasil passa por um período extraordinariamente catastrófico. Temos um presidente de extrema-direita, um homem que repetidamente expressou (e pôs em prática) suas visões autoritárias e antidemocráticas. Parece-me que a situação no Reino Unido talvez seja menos catastrófica, mas vocês também estão convivendo com as consequências do Brexit e do período durante o qual Boris Johnson foi primeiro-ministro. Digo isso para explicar como a publicação do seu livro e a oportunidade de conversar com você representam um alívio em meio a todo esse obscurantismo.
O título Iluminações soa muito pertinente para este período sombrio pelo qual estamos passando. Existe alguma luz que permita algum otimismo quanto ao futuro da humanidade?
O otimismo, justificado ou não, é a única postura funcional, e o pessimismo, não importa quão bem fundamentado, é quase sempre inútil; um ato de entregar-se às circunstâncias que torna essas mesmas circunstâncias praticamente inevitáveis. Em quase todas as frentes – a contínua destruição do meio-ambiente; a intenção óbvia dos bilionários do mundo de roubar o dinheiro de todos; a invasão da cultura de vigilância em todas as vidas humanas do planeta; a desestabilização da realidade consensual sob uma avalanche de idiotice ridícula; a ascensão de algo que sequer dá para chamar de fascismo; o desejo em massa de escapar para uma realidade de fantasia, seja a Second Life ou o Metaverso, como se fosse existencialmente possível – nossa espécie parece estar numa condição terminal, sem a menor esperança. O meu próprio otimismo, tal como é, nasceu da minha percepção de que o desenvolvimento humano pode estar seguindo a fórmula alquímica de solvé et coagula, onde solvé é o processo de análise, de desmontar algo até o seu componente mais ínfimo, a fim de compreender plenamente o todo, e coagula é o processo de síntese, de reunir os componentes de volta de uma forma aprimorada. Minha esperança é que a fragmentação que vemos hoje em quase toda parte na sociedade seja o último estágio necessário de solvé, o desmantelamento do antigo mundo, para que a parte de coagula possa começar a construir o novo. Pode ser uma esperança frágil, mas é a única fonte de iluminação que eu consigo discernir no que, fora isso, é um apagão moral pestilento.
(Na imagem que abre o post, a arte original de John Totleben para a edição 60 de Monstro do Pântano, com roteiro de Alan Moore, lançada em maio de 1987)
MUITO BOM CONTEÚDO .