Entrevistei o escritor inglês Alan Moore, autor de alguns dos maiores clássicos das HQs mundiais. A nossa conversa teve como ponto de partida Iluminações, coletânea de contos do autor britânico publicada no Brasil pela editora Aleph, com tradução de Adriano Scandolara e capa de Pedro Inoue. O meu papo com Moore é conteúdo exclusivo da edição nacional de Iluminações, disponível nas melhores livrarias e no site da editora Aleph.
Publico agora a segunda de três perguntas da entrevista que o pessoal da Aleph liberou para compartilhar aqui no blog (você lê a primeira clicando aqui). No trecho da conversa abaixo, Moore refletiu sobre sua classificação de quadrinhos de super-heróis como “escapismo insalubre”. Saca só:
Você já classificou os gibis de super-heróis como “escapismo insalubre”. Qual sua opinião quanto ao fato de esse tipo de escapismo continuar tão popular para o público em geral após tantas décadas sem grandes mudanças no gênero (mesmo após a aparição de obras revolucionárias criadas por você e alguns de seus pares da década de 1980 em diante)?
Acho que, na década de 1980, as pessoas alegavam que os quadrinhos tinham crescido, quando na verdade deram de cara com a idade emocional do público, que estava indo na direção oposta. Desde o começo, com o Super-homem de Siegel e Schuster, os super-heróis eram as necessárias fantasias de poder da classe trabalhadora do período da Grande Depressão, feitas por criadores da classe trabalhadora no que era então um formato de trabalhadores visando a um público de trabalhadores. Hoje, os quadrinhos são cotados e embalados quase que exclusivamente para hobbyistas de classe média e de meia idade, por isso servem como fantasias de poder para os que já detêm o poder. Acho que sua existência prolongada até o dia de hoje é parte de uma reação de pânico contra a complexidade cada vez maior do mundo: as pessoas ficam ansiosas e com medo, compreensivelmente, diante de um mundo que é complicado demais para ser compreendido ou controlado. Quando a narrativa da vida moderna se torna complexa demais para se suportar, talvez muitos sintam a compulsão de recuar até uma narrativa mais simples que, embora seja uma bobajada delirante, pelo menos é compreensível. O festival de teorias da conspiração dos anos Trump é um exemplo perfeito. O conceito Q-Anon de demônios pedófilos subterrâneos do Partido Democrata devorando as glândulas adrenais das crianças apresenta uma ameaça ridícula, simplista e inexistente, de gibi, que só pode ser combatida por um herói de gibi igualmente ridículo, simplista e inexistente, a saber, “O Donald”. Super-heróis, em sua encarnação atual – histórias infantis que são aparentemente as únicas com as quais os adultos relutantes de hoje estão preparados para se engajar – desempenharam um imenso papel na infantilização da cultura ocidental ao longo desta última década. E eu argumento que essa foi uma imensa contribuição para a ascensão do fascismo popular nesse mesmo período. Minhas obras, que eu mesmo já reneguei, como Marvelman e Watchmen, não foram concebidas como uma revitalização desse gênero decadente, mas como uma sátira e crítica. O super-herói hoje só pode ser uma figura invulnerável de compensação para uma nação com medo de dormir sem uma pistola na mesinha de cabeceira ou uma representação orgulhosa do excepcionalismo norte-americano. Imagino que eles só vão morrer ou perder o apelo quando morrer a necessidade psicológica de super-heróis, o que pode demorar um tempo, dado o estado atual da cultura e da sociedade.
(Na imagem que abre o post, arte original de Garry Leach para a primeira edição de Miracleman, com roteiro de Alan Moore, lançada em agosto de 1985)
o velho magobardo de Northampton, como já disseram mto apropriadamente, does knows the score!
EXCELENTE CONTEÚDO