Um dos principais lançamentos da Bienal de Quadrinhos de Curitiba 2018 será o 17º número da coleção Ugritos. A publicação é assinada pela quadrinista Aline Zouvi e tem o título Óleo Sobre Tela. A HQ de 16 páginas é toda ambientada dentro de um museu, tem como pano de fundo uma exposição das obras do pintor surrealista belga René Magritte (1898-1967) e acho melhor parar por aqui e não adiantar muito mais em relação à sinopse.
Com o lançamento do excelente Síncope no final de 2017, Zouvi se tornou um dos principais nomes da nova safra de quadrinistas brasileiros. Óleo Sobre Tela reforça a autora como uma artista a não se perder de vista, por conta de seu traço singular e sua narrativa ímpar. Conversei com a quadrinista sobre as origens e inspirações de seu mais novo lançamento, publicado pela editora Ugra Press. Dá uma conferida:
É a explícita a proposta surrealista de Óleo Sobre Tela e o diálogo do quadrinho com os trabalhos do René Magritte. O que veio antes: a história que você queria contar ou essa abordagem tratando dos trabalhos do Magritte?
O que veio antes foi a história. Há bastante tempo eu queria fazer um quadrinho sobre observar pessoas em museus – eu gosto bastante da temática, genericamente falando, dos bastidores. Perceber o estranho presente nas pequenas coisas que a gente faz todo dia, reconhecer esse silêncio confortável daquilo que acontece por detrás dos panos para que outras coisas legais possam acontecer. Gosto muito de pensar nesses tipos de histórias – sobre cochias de teatro, funcionários de museus, pessoas geralmente escondidas. O trabalho do Magritte me veio depois, de forma natural, pois sou apaixonada (obviamente, haha!) pelo seu modo de olhar as coisas.
Acho que mais do que uma história, o seu Ugrito se propõe mais a brincar com sensações e sentimentos. Algo bem parecido com os trabalhos do Magritte. Você tinha algum/alguma sentimento/sensação específico/especifica que queria passar para o leitor enquanto produzia esse quadrinho?
Acho perigoso fazer uma hq (ou qualquer outra obra) com um objetivo específico em mente, principalmente sabendo que não irei controlar a interpretação do outro sobre o que fiz. Se há alguma sensação que quero passar com este Ugrito, talvez seja essa de que o estranho e o familiar andam juntos. Essa leveza que vem dos quadros do Magritte eu considero interessante de trabalhar, como um exercício de reconfigurar minha visão de mundo e, quem sabe, transmitir isso pra mais alguém também. Mesmo enquanto não tão velhos, a gente já tem uma visão muito engessada da vida. Não tem muito espaço pra brincar, pra ser flexível, sabe?
O seu quadrinho me fez pensar muito na minha relação com museus, como esses espaços que lembram uma espécie de realidade paralela em que o tempo flui num ritmo diferente. Como é a sua relação com museus?
Minha relação com museus é familiar à posição daqueles que desenham: não visitamos museus 100% por trabalho, nem 100% por lazer. Há sempre um limbo a ser percorrido, e devo dizer que este limbo é muito agradável, apesar de às vezes poder ser sufocante. Me interessa muito esta ideia do museu como realidade paralela, pois o tempo realmente flui de outra forma quando nos deixamos absorver por uma exposição. De todo modo, ocupar e apoiar um museu não deixa de ser, também, um ato político. Escrevo isto um dia depois da tragédia do Museu Nacional (no Rio de Janeiro), e a perda histórica, material (e, por que não, sentimental) que sinto e que vejo meus amigos sentirem mostra bem essa nossa relação ambígua com museus: talvez não os visitamos tanto como devíamos, mas sua presença em nossas vidas, enquanto sociedade, é imprescindível.
Uma das graças dos Ugritos está na forma como cada autor faz uso desse formato fechado e pequeno, com um número limitado de páginas. Foi desafiador pra você trabalhar dentro dessas restrições?
Foi muito desafiador pensar em uma história de 16 páginas que tivesse um bom desenvolvimento e, principalmente, um desfecho interessante para o leitor. É como se não houvesse espaço pra respirar. Para mim, foi um desafio muito importante! Eu achava que pensar em narrativas longas era complicado mas, com esta experiência do Ugrito, vejo que o demônio mora, mesmo, nas 16 páginas. Haha!
No que você está trabalhando agora? Você tem mais alguma publicação à vista pra 2018?
Estou trabalhando na publicação que irei lançar na CCXP de 2018. Pretendo fazer uma coletânea de tiras de formato quadrado, pensadas especialmente para publicação via instagram. Estas tiras foram algumas das primeiras publicações que comecei a fazer, quando ainda estava experimentando linguagens e traços. Minha intenção é ordená-las (assim como produzir tiras novas) de modo que construam uma narrativa, quando postas em conjunto.