Conversei com o quadrinista/cartunista Allan Sieber sobre seus dois trabalhos mais recentes, As Sete Vidas do Gato Jouralbo (Bebel Books/Mandacaru) e Satã Amigo das Crianças Boas (Veneta) – em parceria com Rafael Sica. Transformei esse papo em texto que você lê clicando aqui. Compartilho agora a íntegra da minha entrevista com o autor. E deixo a dica: dia 6 de agosto rola o lançamento de As Sete Vidas do Gato Jouralbo no Rio de Janeiro, na livraria Argumento. A seguir, meu papo com Sieber. Ó:
“Crianças são muito malucas”
Eu concordo com o texto da atriz Maria Ribeiro na quarta capa de As Sete Vidas do Gato Jouralbo, também não sou de acreditar muito em livro infantil. Livro bom é livro bom, seja para qual público for. Mas fico curioso: muda muito a chave na sua cabeça quando você vai criar um livro / uma HQ / uma obra pensada para adultos ou para crianças?
Sim. Não que eu tenha virado a chave, mas eu tomei alguns cuidados para não usar palavras muito rebuscadas. Ter um texto mais claro e objetivo possível. Não um texto idiota, né? Sem tratar a criança como idiota. Um texto sem muito rococó. Eu tive esse cuidado.
E o que você acha que faz uma boa obra para crianças?
Uma boa história, né? Basicamente. Isso é óbvio, para crianças e adultos. Um livro que não subestime a criança, que quando possível entre nessa onda de fantasia da criança – que tem esse mundo interno muito rico. Então, nesse sentido, é muito bom escrever para criança. Porque elas são muito malucas. Então, entre aspas, elas “comparam” uma ideia muito maluca.
Aliás, o que você gostava de ler quando era criança?
Eu lia muito, muito, muito quando era criança. Eu pirei com Monteiro Lobato. Nossa, Monteiro Lobato eu lia muito. Enfim, Reinações de Narizinho, Os Trabalhos de Hércules… Adorava. Eu gostava muito também de Edy Lima que tinha uma série da Vaca, A Vaca Voadora, a Vaca Não Sei O Quê. Essa pessoa, que agora eu realmente não sei dizer se é homem ou mulher (eu acho que é uma mulher), enfim… Ela escreveu livros maravilhosos. Li um pouco de Júlio Verne também. Eu gostava muito de ler.
O que você espera de uma boa HQ?
Ah, eu espero que não seja só um exercício de virtuosismo. Ângulos, luz e sombra e… Enfim, eu tenho um certo pé atrás com quadrinho assim. Um desenho muito lambido acho uma merda. Pessoalmente, dou preferência sempre para um desenho chutado, que não briga com o texto. Às vezes o desenho é tão primoroso que quase abafa o texto. Não sei, isso é muito pessoal.
Que tipo de retorno você teve até agora de crianças que leram o livro? Nos eventos de lançamento, como tem sido a reação do público do livro para os muitos destinos trágicos do Jouralbo?
Olha, eu tive dois lançamentos em São Paulo. Confesso que para mim é meio complicado essa coisa de sessão de autógrafos e tal, acho um puta de um… Eu não gosto de muita gente junta, acho bem aflitivo. Mas teve um lançamento numa livraria muito legal chamada Miúda, uma livraria só de livro infantil, que foi sensacional. Porque só foi criança mesmo, entendeu? Eu gosto muito de criança, eu gosto de falar com as crianças, ouvir elas. Eu tenho um filho de 10 anos, então foi muito bom. O retorno que eu tive… Teve uma garota que falou, ‘ah, mas não vai ter uma continuação? Por que só sete vidas?’. Tenho gostado.
Queria saber um pouco sobre seus métodos de trabalho em Jouralbo. Você chegou a finalizar um roteiro todo antes de começar a desenhar? Quanto tempo você levou para produzir esse livro?
Sim, eu finalizei todo o roteiro antes, eu sempre faço isso. Já dividido em quadros, em páginas. E eu levei, sei lá, para escrever o roteiro, desse jeito assim, CDF… Não sei, eu levei uma semana. E para desenhar foram dois meses.
“Acho interessante trabalhar dentro de limites”
Queria saber também sobre a sua dinâmica com o Rafael Sica no Satã Amigo das Crianças Boas. Que tipo de interações e trocas vocês tiveram durante a produção desse livro?
Foi o Rafael, que eu conheço há muito tempo, de Porto Alegre, que me propôs esse livro, baseado em uma serigrafia que eu vendo, Satã Amigo das Crianças Boas, com um diabo dando um sorvete para uma criança. E ele me propôs, ‘vamos fazer um livro a partir disso’. Aí eu fiz uns versinhos meio canhestros, umas rimas. E o Rafael, nossa, ele destruiu, né? Ele tá com desenho muito, muito sofisticado. Eu fiquei muito feliz com esse resultado.
Ainda sobre o livro da Veneta, a arte do Sica é sempre espetacular, mas gosto muito da concisão e do bom-humor do seu texto. Você tem outros trabalhos só como roteirista, mas como foi escrever esse trabalho e pensar em cada uma dessas situações envolvendo Satã e crianças?
Na verdade eu tinha outros trabalhos como roteirista. Eu tinha uma produtora de animação, eu fiz vários curtas, escrevi roteiro de longa, fiz coisa para TV. Mas confesso que hoje em dia eu detesto audiovisual. Acho muito chato. Sei lá, um ano atrás, dois anos atrás, me chamaram para escrever uma série, colaborar em uma série, eu realmente não tive saco. Eu cansei de audiovisual, não tenho mais saco para fazer roteiro. A ideia era, sei lá, botar Satã como um tio bonzinho. Ele tá sempre ajudando as crianças. Ele fala para as crianças não serem preconceituosas, não serem egoístas e tal. É basicamente o contrário do que Deus… [risos] Se Deus existisse, Deus falaria justamente o contrário, ‘sejam preconceituosos, odeiem seu próximo’.
Pelo que leio e já conversei por aí, nem todo artista se diverte durante a criação de suas obras. Mas eu me diverti muito lendo esses seus dois trabalhos recentes. Enfim, você se divertiu durante a produção desses dois livros mais recentes?
Sempre sofro um pouco. Porque, por incrível que pareça, eu sempre tento entregar uma coisa bastante íntegra e honesta. Isso demanda um certo esforço, não gosto de coisas mal feitas, feitas nas coxas. Meu desenho é propositalmente bem chutado, mas não é uma coisa desleixada. É outro conceito. Mas eu me diverti, me diverti muito fazendo o livro do gato Jouralbo. Porque eu tive que trabalhar com duas cores, né? Preto e um jade, para não ficar uma coisa muito óbvia. Usei muita ridícula, misturei tanto preto quanto jade. Misturei um pouquinho dos dois e usei retícula. Foi divertido esse processo. Eu gosto de coisas limitantes assim. Na verdade, eu prefiro tudo preto e branco [Risos]. Mas essa coisa de não poder tudo, eu acho bem mais interessante do que poder tudo. Eu gosto de limites. Acho interessante trabalhar dentro de limites.