Papo com as autoras de Topografias: “Todas nós possuímos uma certa inquietação na forma de narrar”

O álbum Topografias será lançado amanhã (16/7) na Gibiteria, aqui em São Paulo, a partir das 16h. A coletânea chega às lojas especializadas já como um dos grandes trabalhos em quadrinhos publicados no Brasil em 2016. As seis autoras responsáveis pela obra são algumas das quadrinistas mais interessantes em atividade no país hoje. Todas elas também com grandes obras publicadas em 2015: Julia Balthazar (Internet Friends), Bárbara Malagoli (Glitter Galaxxia), Lovelove6 (Garota Siririca), Mariana Paraizo (O Ateneu), Puiupo (Úlcera) e Taís Koshino (Coral).

Com histórias principalmente sobre relacionamentos e de ficção científica, Topografias impressiona principalmente pelas diferentes técnicas utilizadas por cada uma de suas autoras, assim como os estilos individuais de cada trabalho. Publicado pelo Selo Piqui de Brasília, o livro não só reúne boas histórias como propõe reflexões sobre várias possibilidades das linguagens dos quadrinhos. Conversei com as autoras do álbum por email. Uma das responsáveis pelo Selo Piqui, Taís Koshino me falou sobre a origem do projeto, a escolha do tema da obra e a dinâmica de produção do livro. Também fiz perguntas individuais sobre questões relacionadas às histórias de cada uma das artistas. Segue o papo:

[OBS: também recomendo a leitura da entrevista dada pelas quadrinistas à Ovelha e da resenha do Topografias feita pela Laura Athyde lá no Minas Nerds]

“Dentro de cada história de Topografias, há um universo particular, onde percebemos um tipo diferente de experimento, seja através da técnica utilizada, da composição da página, da escrita ou da própria narrativa”

Taís Koshino (Teneusca):

Quando e como surgiu a Topografias?

Nós nos conhecemos pessoalmente no FIQ de 2015. Todas nós já conhecíamos e admirávamos o trabalho uma das outras, através da internet. Durante o evento, constatamos o que já sabíamos: que poucas autoras mulheres são chamadas ou conseguem participar de antologias e coletâneas de quadrinhos. Decidimos pensar em algo pra responder a isso. A vontade de fazer uma publicação com pessoas que você admira vem de forma natural. Ao percebermos a força que nossos trabalhos poderiam ter juntos, todas se animaram com a ideia de uma publicação coletiva. Tornar isso realidade era a parte difícil. Eu era a única que, além de autora, já possuía uma editora independente (o Selo Piqui), então fiquei responsável pela organização e produção gráfica do projeto, que tomou forma como o Topografias, lançado oito meses depois, na Feira DENTE.

No site da revista diz que o tema do projeto “é a passagem, o percurso”, como vocês definiram esse foco e por que ele?

Assim que o FIQ acabou, já criamos um grupo online para nos comunicarmos e darmos continuidade ao projeto, porém, percebemos a necessidade de um tema que guiasse todas as histórias. Eu fiquei incumbida de dar três sugestões de tema a serem votados pelas autoras, e passagem/percurso foi o tema vencedor.

O tema é amplo e possibilita várias formas de abordagem que foram adaptadas pelo estilo de cada autora. A sua potência subjetiva abre muitas possibilidades de interpretação e nos remete a nossa própria história: perdas, procuras e descobertas, o que estamos passando e já passamos em nossas próprias carreiras como artistas. É um tema intimista e afetuoso, que deu uma fluidez ao livro, transformando-o em mais um percurso dos percursos criados pelas autoras.

Vocês seis possuem estilos e traços muito diferentes. Se eu vejo um padrão mínimo nas obras que já li de cada uma, me parece uma vontade de experimentar dentro das possibilidades da linguagem dos quadrinhos – e não apenas contar uma história. Essas investidas na linguagem também estão na proposta desse projeto?

A experimentação na linguagem foi um dos aspectos que uniu o grupo desde o início. Acho que a admiração pelo trabalho uma das outras vem muito dessa característica.

Dentro de cada história de Topografias, há um universo particular, onde percebemos um tipo diferente de experimento, seja através da técnica utilizada, da composição da página, da escrita ou da própria narrativa.

A construção do projeto em si foi um experimento. Mesmo sendo lançado pelo Selo Piqui, não houve um papel de editor e aconteceu como um processo colaborativo. Havia uma forte confiança e conexão entre nós, então cada uma pôde produzir sua história com total liberdade e, no final, as histórias fluem e conversam bastante entre elas.

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Por ter saído pela Piqui imagino que você tenha atuado de forma mais intensa como editora. Hoje, quando você vê esse projeto impresso, ele está muito diferente do que você imaginou que ficaria? Que balanço você faz dessa empreitada? Há a possibilidade de um segundo número?

Eu não diria que tive um trabalho intenso como editora. Cada autora teve a liberdade de fazer a sua história da maneira que gostaria, algumas até postaram as páginas que tinham feito perguntando a opinião das outras, então eu nunca tive esse poder de edição, de cortar alguma coisa ou modificar a narrativa, cada uma pôde escolher o estilo e a quantidade de páginas livremente. Acho que meu trabalho foi mais como produtora, no sentido de definir as datas, cobrar das meninas, fazer os orçamentos, ir na gráfica, acompanhar o processo de impressão, fazer planilhas, esse tipo de coisa.

Hoje, quando eu vejo o projeto impresso, eu fico muito feliz e realizada com o que conseguimos produzir. A publicação ficou linda e é sempre muito bom conseguir concluir um projeto sentindo orgulho daquilo que foi feito. Claro que está diferente de quando tivemos a primeira ideia, porque para imaginar não tem limites financeiros e técnicos, né? Mas no fim, eu acho que foi um projeto super bem sucedido, tanto na forma como se deu o processo: construimos a ideia do projeto de forma colaborativa, tudo foi discutido entre nós, desde o formato até a escolha das cores; quanto no resultado final: a impressão ficou muito boa, o formato deu super certo, a forma como as histórias foram organizadas resultou num fluxo bem interessante; e acho que escolhemos as pessoas certas para colaborar com a gente: a Ingrid Kita na capa e a Livia Viganó no projeto gráfico. A possibilidade de um segundo número sempre existe, mas vamos com calma hahaha

Você disse que a dinâmica de produção de vocês foi muito livre, com cada uma contando a história que queria contar. Mas você, a Bárbara e a Puiupo acabaram criando histórias que acho possível classificar (dentre outras coisas), como ficções científicas. Além desse padrão, você vê algum outro relacionado ao tema de cada história?

Todas as histórias se relacionam por ter em comum o tema do percurso e da passagem. Além disso, todas as autoras possuem uma certa inquietação na forma de narrar, isto está presente e é pulsante em todas as narrativas de Topografias. Outra coisa que as histórias têm em comum é o protagonismo feminino, que é uma forma de resistência à sociedade machista em que vivemos, e se pensarmos dentro do cenário dos quadrinhos, esse protagonismo ganha uma força maior ainda. É muito recente essa discussão, no cenário nacional, de mulheres produzindo quadrinhos. Acho que ela começou/tomou força em 2013/14 com a Zine XXX, quando muitas mulheres que viram que era possível e começaram a produzir quadrinhos. E veja só: isso faz apenas três anos! É muito importante reforçar esse movimento e manter essa discussão sempre em pauta. Por isso, o nosso projeto foi todo encabeçado e realizado por mulheres, foi uma escolha consciente com o propósito de dar visibilidade a todos os trabalhos feitos por mulheres, tanto no âmbito da autoria quanto da edição.

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Julia Balthazar (Chuva de Verão):

Como foi a criação da Chuva de Verão? Você já tinha a ideia do quadrinho fechada quando vocês pensaram o conceito do álbum?

Na verdade eu comecei e passei bastante tempo trabalhando uma história completamente diferente antes dessa, planejando, tirando fotos de referência, entevistando umas amigas… até tava gostando dela, mas o processo tava sendo terrível pra mim, acho que tava pensando demais. Então descartei tudo e comecei uma coisa nova, menos planejada, que acabou sendo a Chuva de Verão.

Foi um processo bem mais visual: ela foi surgindo conforme fui desenhando as páginas, a partir de diálogos soltos que tinha anotado e cenas que fui pintando no meu caderno, ainda sem contexto.

Foi importante pra mim por ser a primeira hq que produzi que foi impressa em cores, acho que é uma parte bem importante do meu trabalho. Só no final, enquanto pintava, que senti a história se formar mesmo, que pensei “ok, é isso!”

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Bárbara Malagoli (Frumello):

A sua história na Topografias é composta por sete páginas, cada uma com um único painel e cada uma delas com uma cena. Nos seus trabalhos na Nébula, no Suplemento, no Altamira e no Glitter Galaxxia você também brinca com a disposição/ausência de quadros/quadrinhos. Como você chegou nesse formato de painéis únicos da Frumello?

Acho que como uma ilustradora, acabo imaginando a página de uma forma que foge um pouco do formato dos quadrinhos tradicionais. Sinto muita necessidade de me expressar esteticamente e fazer com que o leitor entre totalmente no espaço do cenário e ambientação criado, geralmente fantástico com muitos detalhes, e que isso consiga falar mais ou tanto quanto o próprio texto em si. Cada página é um momento, cada tela conta uma história individual, que se conectam entre si. Gosto de criar uma linguagem mais subjetiva e metafórica, que possa ser livremente entendida, lendo uma página ou todas. E que a história reflita o que o leitor estiver passando e sentindo em relação a cada uma delas.

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Puiupo (Flagelo):

Gosto muito daquelas três últimas páginas da sua HQ na Topografias, divididas em 28 quadros cada uma. Como foi o seu processo de criação nesse gibi? Foi muito diferente do que você utilizou em outros trabalhos? Você tinha um roteiro fechado quando começou a criar?

O processo foi semelhante com o de projetos anteriores. Eu crio um conceito bem básico e faço anotações em cima dele, depois desenho página por página sem um roteiro fechado. A coisa vai ganhando forma gradativamente.

Tanto a Úlcera quanto a Flagelo me soam como misturas de ficções científicas e terror. Eu queria saber mais de suas influências. Li na sua entrevista pro Flerte da Mulher Barbada do seu gosto por Cowboy Bebop e Uzumaki. Você pode, por favor, falar um pouco mais de suas influências? Não só de filmes/livros/quadrinhos/música que têm um peso na sua produção quanto outras que você esteja consumindo hoje.

Ah, eu sou bem ligada em manga/anime de sci-fi e terror mesmo. Minhas principais influencias são Junji Ito, Nekojiru, Suehiro Maruo e Masaaki Yuasa. Ambos Úlcera e Flagelo foram feitos com bastante influência de Montanha Sagrada, dJodorowsky, e trampos do Moebius. Ultimamente tenho criado um interesse bem grande pelo trabalho de artistas independentes mais “recentes”, tais como Gréc, htmlflowers e Noah Einar.

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Mariana Paraizo (Sátira Latina):

No Ateneu e nas suas histórias na Nébula, você já tinha usado recortes e colagens com bastante frequência. Na Topografias a sua história é contada na íntegra nessa técnica. Eu fiquei curioso em relação à dinâmica de produção dessa HQ. Você tinha um roteiro fechado quando começou a produzir? Como foi a produção da Sátira Latina?

O que eu faço com as hqs basicamente tem a ver com lidar com o material papel e o scanneamento de mais papel e outros elementos pra serem impressos. No caso, em Sátira Latina eu tinha o material e uma premissa bem clara na minha cabeça: eu juntei os jornais de 5 a 30 de novembro de 2015 e recortei antes de tudo o horóscopo de peixes de cada edição. O plano era usar o texto de horóscopo como um fio condutor narrativo, mas era muito intragável rs. Comecei a fazer colagens com os textos que eu achava em revistas e misturar as palavras dos horóscopos, e aí, depois de separar algumas imagens, a história foi acontecendo. Na primeira página eu já sabia o que eu queria, que era o homem que foi empurrado pelo companheiro do navio, e que ele entraria nesse mundo subaquático fantástico, com figura feminina central, com a qual ele se identificaria. Mas não como se fosse uma narrativa fechada, tentei criar relações sequenciais em potência mais do que em descrição.

Em compensação, a hq q eu fiz pro Badboyfriends, por exemplo, é super roteiro, às vezes eu trabalho mais com thumbnails, mas as coisas sempre vão mudando no processo, não tem como fugir da realidade de material. Tem coisas que você imagina como boas e na hora que você vê não se resolvem muito bem, ou então você percebe outras potências que o material tem que eram inesperadas.

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Lovelove6 (Árvores):

O estilo do quadrinho, do seu traço, está muito diferente, por exemplo, do que você utiliza na Garota Siririca. Como você determinou a estética/o visual dessa HQ? Você já tinha a história fechada quando optou por esse traço?

Eu tenho explorado o grafite e suas texturas nos quadrinhos que faço à parte da Garota Siririca, tentando descobrir o desenho que pra mim é o mais prazeroso de desenhar. Atualmente vai nesse sentido da Árvores. Meus outros quadrinhos podem ser vistos no www.lovelove6.com!

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

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