A tira mais recente do blog do quadrinista Breno Ferreira é a número 176 da série Cabuloso Suco Gástrico. A publicação inaugural entrou no ar dia 5 de junho de 2012 e pouco mais de três anos depois está sendo lançada a primeira coletânea de tiras do autor. Publicada pela Editora Elefante, Cabuloso Suco Gástrico reúne 100 tiras de autoria de Ferreira, 10 delas inéditas. O prefácio da obra é escrito pela publicitária Luciana Foraciepe, responsável pela Fanpage e editora Maria Nanquim. No texto ela conta ter sido procurada pelo quadrinista logo que criou sua página no Facebook. Desde então, o autor virou figura constante por lá e suas tiras refletem muito da linha editorial seguida por Foraciepe. O trabalho de Ferreira é sujo como o de Ricardo Coimbra, reflexivo como os quadrinhos de Bruno Maron e muitas vezes é poético como os argentinos Liniers e Kioskerman.
Bati um papo com Breno Ferreira por email. Ele me falou sobre a produção do livro, algumas de suas inspirações para o Cabuloso Suco Gástrico, o tom poético de certas tiras e o pessimismo de outras. Ele comentou sobre sua primeira experiência de publicar no papel uma projeto solo e também listou algumas de suas compras no FIQ. Papo bem legal. Ó:
“Não consigo ter um desenho tão ‘limpinho’, então acabo ficando com esse estilo meio tosqueira mesmo, poesia de bar”
Antes de tudo, uma curiosidade: você lembra da primeira vez que veio na sua cabeça a imagem das duas mãos segurando as dentaduras?
Não lembro exatamente quando foi, no meio de 2012 talvez, fiz uns rabiscos num caderno que carrego comigo onde dentaduras trocavam uma idéia. Eram diálogos simples e diretos, as vezes bobos, e achei que ficariam interessantes como falas para elas. Logo depois pensei no lance das mãos, que no caso seriam uma mão esquerda e uma mão direita, dessa forma pertencendo a um pessoa só, brincando de conversar com ela mesma. Nunca expliquei isso, até porque nunca achei muito necessário, é mais importante funcionar sem explicações prévias, né? E também é uma viagem meio interna eu acho…
Gosto muito da ponte que você faz entre a sujeira de algumas tiras nacionais e a poesia de trabalhos como o do argentino Kioskerman. Quando você começou já tinha clara esse linha editorial do seu trabalho?
Desde que comecei até agora, não vejo uma grande mudança em relação à estética e ao conteúdo das tirinhas, espero que tenham melhorado, mas não consigo enxergar claramente isso. Acho que tem a ver com o fato de tentar experimentar formatos diferentes na composição e tal, nem sempre dá certo mas a gente vai aprendendo.
Sem dúvida o trabalho de alguns autores nacionais influencia, acho fudido e sou fã de muitos.
Já o Kioskerman, conheci a pouco tempo os quadrinhos dele, e ainda vi pouca coisa. Vi que ele tem um lance poético que me agrada, mas no meu caso não consigo ter um desenho tão “limpinho”, então acabo ficando com esse estilo meio tosqueira mesmo, poesia de bar rsrs
A Luciana Foraciepe conta na abertura do livro como você entrou em contato com ela pouco depois do lançamento do Maria Nanquim, em 2012, quando você estava começando. De 2012 para 2015, quando você lançou o livro, é muito pouco tempo. Seus traços, temas e cores são muito característicos. Você acha que já dá pra falar em um estilo próprio? Você cogita ir além das tiras, em histórias mais longas?
Poxa, eu sempre achei muito massa quem tem uma linguagem própria forte, e sempre tive dificuldade com isso. Hoje em dia meio que desencanei de tentar achar um estilo. E na real acho que se acabei desenvolvendo um traço um pouco característico, talvez tenha sido por um caminho inverso, por exemplo, não conseguir imitar direito os caras que admiro, dificuldade técnica mesmo. Sobre histórias maiores, tenho algumas publicadas na revista independente O Miolo Frito, mas ainda são histórias curtas,com poucas páginas. Estou arriscando escrever algo maior sim, mas, como é algo que nunca fiz, estou tendo uma certa dificuldade e acredito que o processo será longo, ainda não tenho previsão pra publicar.
E eu gosto muito das suas cores. Como você faz esse trabalho de colorização? É tudo no computador? Como você define a paleta de cada tira?
Praticamente todas as tiras são coloridas digitalmente, mais pela praticidade mesmo. Costumo usar cores chapadas, isso porque o formato é pequeno, não acho que cabe muito floreio. Algumas combinações eu já meio que tenho na cabeça, geralmente tento definir uma cor base, que vai ser usada na maior parte do desenho e na seqüência vou adicionando e testando o resto.
Acho que dá pra ler um pouco das suas crenças e posicionamentos políticos a partir de suas tiras. Estamos vivendo em um contexto de bastante extremismo ideológico. É importante pra você se posicionar nas suas tiras?
Sim, o posicionamento em relação à certos assuntos acaba ficando evidente. Mas de fato, o contexto atual, onde tudo é sempre dualista não me agrada, acaba enfraquecendo a discussão, na minha opinião.
A discussão que me refiro é aquela com interesse de possivelmente resolver alguma coisa, já a discussão pela discórdia, essa está muito bem alimentada nesse contexto.
E apesar de todo esse lirismo do seu trabalho, tem hora que é perceptível um certo desânimo/desencanto em relação ao mundo. Em relação ao nosso futuro, você é otimista ou pessimista?
Caramba, pergunta complicada. As vezes me acho bem pessimista, mas como já fui mais, então talvez eu esteja otimista. Mas não é minha intenção passar qualquer ideia descrença em relação ao futuro da humanidade, algo como ostentar tristezas e negatividades. Acho isso inocente e mesquinho. Muito pelo contrário, acho que falar ou descrever as coisas evidenciando as características que incomodam pode ser uma forma de fazer pensar mais sobre elas. Mas isso pode ser otimismo meu também…
Você chamou atenção pro seu trabalho e ganhou público pela divulgação das suas tiras pela internet. Agora você está tendo a sua primeira experiência em um trabalho solo impresso. O que representa pra você essa ida pro papel?
Eu sou de uma geração onde o papel era um material importante no dia a dia, e é um tesão ver o trabalho publicado nesse formato. Na minha opinião, a relação com a informação muda muito quando vai pro impresso. Tem cheiro, tato, você se propõe a olhar com mais cuidado e mais tempo. Eu fiquei bem feliz com essa oportunidade, não achava que isso ia acontecer agora, até porque tem um custo, um processo a mais que a publicação na internet não exige.
Você esteve no FIQ, certo? Teve algum trabalho por lá que te chamou a atenção?
O FIQ, foi bem legal, principalmente para conhecer e trocar ideia com uma galera que está fazendo um trabalho bom pra caralho. Admito que não consegui pesquisar muita coisa, O horário do evento é bem puxado e eu estava lançando além do Cabuloso Suco Gástrico, a revista O Miolo Frito 3, que é uma publicação independente que faço junto com Adriano Rampazzo, Benson Chin e Thiago A.M.S, e mais alguns amigos convidados, por isso não dava muito tempo pra dar um rolê. Mas algumas publicações me chamaram atenção sim. Tem o livro novo do Gus Morais, o Teto Quadro Chão que está bem bom. O Mute, do Marco de Oliveira, também está foda, e o lindíssimo livro do Lelis, o Goela Negra, que ainda não comprei, mas já deixei na agulha, esse está demais.
Prezado, bom dia!
Gostaria de entrar em contato com Breno poderia me fornecer o contato?
Obrigado,
Ricardo Macedo.