O quadrinista Derf Backderf é honesto e impiedoso ao narrar a história de sua amizade com o serial killer Jeffrey Dahmer nas 288 páginas em preto e branco do excelente Meu Amigo Dahmer. O álbum marca a estreia do selo de quadrinhos da editora Darkside Books e constará em várias listas de melhores HQs publicadas no Brasil em 2017. Eu conversei com o autor do quadrinho e escrevi sobre a obra pra edição de agosto da revista Rolling Stone.
“Assim que o Jeff começa a matar, ele se torna apenas mais um fanático sem graça para mim e eu perco todo o interesse”, me disse Backderf. O quadrinista trabalhou como consultor na aguardada e já elogiada adaptação de seu trabalho para o cinema, dirigida por Marc Myers e ainda sem previsão de estreia por aqui. Conversamos sobre seus métodos para a produção do gibi, seu relacionamento com Dahmer e seu envolvimento na versão para o cinema. Recomendo uma lida na minha matéria pra Rolling Stone e logo em seguida a íntegra da entrevista. Ó ela aqui:
“Todo mundo fracassa: os pais dele, os professores, a direção da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff”
Meu Amigo Dahmer está saindo no Brasil cinco anos após ser publicados nos Estados Unidos. O livro conta a história de um serial killer, é protagonizado por um garoto de uma cidade pequena e muito fria de Ohio. A atmosfera do livro não poderia ser mais diferente da realidade brasileira, mas o livro está sendo lançado aqui e já saiu em outros países. Enquanto você produzia Meu Amigo Dahmer tinha em mente como essa história poderia ser tão universal?
Para ser mais preciso, ele foi publicado em nove línguas. Sim, isso foi uma imensa surpresa. Eu sabia que o livro seria um sucesso nos Estados Unidos, mas não tinha ideia que seria tão popular em tantos países.
Em todos os livros que escrevo eu busco por personagens e temas que tenham algum tipo de apelo universal, algo com que o leitor possa se relacionar. No caso de Meu Amigo Dahmer é esse garoto estranho e deslocado e como ele é tratado pelos adultos e pelas outras crianças. Eu ouço o tempo todo dos leitores, ‘Wow, eu conheci um garoto IGUAL ao Jeff quando estava no Ensino Médio’. Então mesmo alguém tão bizarro como o Dahmer se torna uma pessoa com quem um leitor pode se identificar. Acho que esse é o cerne do livro.
O foco do livro está no Dahmer e no contexto em que ele vivia. Você não parece fascinado pelos crimes cometidos por ele ou por suas ações como serial killer. Ao mesmo tempo, as pessoas são fascinadas por morte, crimes e criminosos. Qual você acredita ser a razão do fascínio por esses temas?
Eu não faço ideia! Eu não entendo especialmente fãs de serial killers, mas há VÁRIOS deles por aí. Eu suspeito que seja apenas um conceito abstrato para eles, como zumbis ou vampiros. Para mim, no entanto, é tudo muito real.
Assim que o Jeff começa a matar ele se torna apenas mais um fanático sem graça para mim e eu perco todo o meu interesse nele. O que me fascinava era a espiral descendente. Por que e como ele se torna um monstro. Eu realmente continuo sem saber o motivo dele se tornar esse monstro, mas eu documentei o processo.
No making-of do livro há essa cena extra em que você registra a sua reação ao ser informado dos crimes do Dahmer. Imagino a surpresa que você e seus amigos tiveram, mas o livro trata da sua relação com o Dahmer. Durante as suas pesquisas, houve alguma memória ou fato em particular que também te surpreendeu?
Eu fiquei surpreso como eu e meu amigo estávamos próximos daquele primeiro assassinato. Em determinado momento estávamos apenas alguns metros de distância. Isso foi um choque. Eu perdi algumas noites de sono quando conclui isso. Eu também fiquei surpreso em relação a como eram poucas as interações do Jeff com os meus colegas de sala. Eu entrevistei provavelmente 50 pessoas e a resposta mais comum foi “eu nunca falei com ele”. Nenhuma interação e algumas dessas pessoas foram pra escola com ele durante 10 anos! Isso explicitou como ele era isolado. Eu e os meus amigos eramos a única conexão social que ele tinha.
O que mais me assusta no livro é como os problemas dele pareciam explícitos e ninguém faz nada para ajudar de alguma forma. É inútil pensar “o que poderia ter acontecido se…”, mas você já pensou no que deu errado? Não me refiro apenas a você e a todos vocês ao redor do Dahmer, mas em relação à sociedade?
Com certeza. Meu Amigo Dahmer é uma história de fracassos. TODO mundo fracassa: os pais dele, os professores, os administradores da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff, que fracassa da forma mais espetacular que alguém pode fracassar.
Como pessoas como o Jeff sempre aparecem na América de tempos em tempos, sejam serial killers ou atiradores, eu diria que não aprendemos nada ao longo dos últimos 40 anos. No caso do Dahmer, eu acredito que ele poderia ter sido controlado caso pelo menos um adulto tivesse notado alguma coisa e conseguido ajuda. Ele jamais teria sido ‘normal’. Talvez ele tivesse acabado dopado de medicamentos ou em um sanatório para o resto da vida. É um destino que ele teria escolhido com prazer e 17 pessoas não teriam sido assassinadas de maneira brutal. Essas são coisas que vale a pena conversar sobre e refletir a respeito.
“Desde o começo eu sentia que precisava escrever essa história com uma honestidade brutal”
A maior parte do livro é ambientada dentro da sua escola. É um lugar com muita gente, muitos grupos, muitos bullies e muitas vítimas de bullying. Apesar de você deixar claro os motivos que fizeram do período retratado no livro uma exceção em termos de quantidade de alunos, não sei se é tão diferente assim da maior parte das escolas públicas dos dias de hoje. Você ainda vê o sistema educacional muito problemático no nosso presente?
Era uma escola de cidade pequena. Não acho que recebi uma educação muito boa lá, mas também não foi uma educação ruim. Lembre-se que estamos falando de 45 anos atrás, então muita coisa mudou. No geral, eu diria que os americanos hoje são ainda menos educados. Isso é bem óbvio.
Algo singular de Meu Amigo Dahmer é que todo mundo sabe como termina a jornada do protagonista. O seu principal trabalho era de desconstruir o Dahmer. Foi difícil pra você não cair em possíveis armadilhas maniqueístas em relação à personalidade do Dahmer?
É verdade, todo mundo sabe como a história acaba. Mas Meu Amigo Dahmer é uma história surpreendente porque nunca chegamos nesse final. A história para no dia que ele mata sua primeira vítima. Quando os leitores chegam naquela última página eles descobrem que leram uma história muito diferente daquela que achavam que iriam ler. Esse era o objetivo. Eu gosto de surpreender as pessoas. Não é uma luta do bem contra o mal. É a luta do Dahmer tentando desesperadamente se prender à sua humanidade contra uma loucura crescente.
É impressionante como você é impiedoso com você e seus amigos ao retratar a relação de vocês com o Dahmer. Como todo mundo no livro, vocês também fracassaram em perceber como era problemática a vida dele e como ele precisava de ajuda. Foi difícil se colocar nessa posição?
Na verdade não. Desde o começo eu sentia que precisava escrever essa história com uma honestidade brutal. Eu e os meus amigos com certeza não éramos heróis, mas não conheço muitas pessoas de 17 anos que sejam. Éramos apenas garotos ingênuos de uma cidade pequena. Todo nós temos arrependimentos, claro. SE soubéssemos o que realmente acontecia na cabeça do Jeff e toda a carnificina que estava para acontecer, é claro que teríamos agido. Mas não sabíamos, então há arrependimento, mas não há culpa. A pergunta que sempre faço é: onde estavam os adultos?
Como você definiu a estética do livro? Li alguns dos seus outros trabalhos e Meu Amigo Dahmer parece de alguma forma mais limpo e objetivo, com pouco espaço para liberdades criativas, sendo tudo mais focado no storytelling. Foi difícil pra você chegar nesse formato?
Eu levei 18 anos para acabar o livro, então diria que sim, foi difícil! Eu comecei a fazer livros muito tarde na minha carreira. Eu tinha 50 anos quando concluí o meu primeiro. Antes disso eu tinha feito uma série de tiras e cartoons políticos, que exigem habilidades muito diferentes. Demorei um pouco para aprender como fazer histórias longas e desenvolver as habilidades necessárias de desenho.
Como foi seu envolvimento na produção do filme? Você já assistiu?
Eu tive pouco envolvimento. Eu escolhi o diretor e servi como um consultor, foi só isso. Inclui alguns detalhes no roteiro. O filme é muito bom. As performances, especialmente a do Ross Lynch como Jeff, são maravilhosas. Eu diria que cerca de 80% do filme vem diretamente do livro. É uma adaptação muito fiel e, obviamente, esse era o combinado. Caso não fosse assim eu não teria concordado em fazer. Está recebendo ótimas resenhas em festivais de cinema pelo mundo e será lançado nos Estados Unidos no outono e acredito que logo depois em outros países.
Você está trabalhando em algo novo?
Estou sempre trabalhando em um livro novo! Na verdade já publiquei dois livros depois de Meu Amigo Dahmer. O meu trabalho mais recente foi Trashed, lançado em 2015, vencedor do Prêmio Eisner e nomeado Livro do Ano pelo Partido Verde da França. É uma comédia maluca sobre um lixeiro que também mostra a realidade chocante da quantidade insana de lixo que nós humanos produzimos e o que ele se torna. É uma ficção, mas inspirado nas minhas próprias experiências como lixeiro na minha cidade natal com um pouco de jornalismo em quadrinhos. No momento estou terminando um livro sobre estar na estrada…com os Ramones!
A última! Você pode recomendar alguma coisa que está lendo, assistindo ou escutando no momento?
Ih cara, há TANTOS quadrinhos bons sendo lançados! Estamos em uma era de ouro dos quadrinhos, tirando essa besteira chata mainstream de super-heróis, óbvio. Essa semana eu li a linha All-Time Comics do Josh Bayer pela Fantagraphics. Gostei muito. O Kevin Huizenga lançou a última edição de Ganges, uma série incrível. E o Hamid Sulaiman finalmente me enviou uma cópia em inglês de Freedom Hospital. Um sucesso na França.
[…] a direção da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff”, explicou o quadrinista em entrevista, que também foi consultor do filme dirigido pelo cineasta Marc […]
[…] a direção da escola, os policiais, os amigos dele e o próprio Jeff”, explicou o quadrinista em entrevista, que também foi consultor do filme dirigido pelo cineasta Marc Myers.Derf Backderf ainda disse que […]