Conversei com o quadrinista norte-americano Jason Lutes sobre Berlim (Veneta), obra de 592 páginas em preto e branco que narra os encontros e desencontros de artistas, jornalistas, prostitutas, músicos, funcionários e clientes de cabarés e políticos em Berlim, entre 1928 e 1933, ano em que o Partido Nacional-Socialista dos Trabalhadores Alemães, o Partido Nazista, chega ao poder. Essa entrevista com Lutes é o foco da 13ª edição da Sarjeta, minha coluna sobre histórias em quadrinhos no site do Instituto Itaú Cultural.
Berlim está entre os meus quadrinhos preferidos. Não se deixar enganar pelos designs de páginas blocados e pela rigidez superficial da arte de Lutes. Até hoje li poucas HQs com narrativa tão suave e elegante. E o momento no qual o álbum ganha edição em português não poderia ser mais conveniente, propondo reflexões necessárias para o Brasil da corja bolsonarista.
Reproduzo agora a íntegra da minha entrevista com Lutes, feita no dia 11 de maio de 2020, com ele falando de Vermont, onde vive e trabalha, como professor do Center for Cartoon Studies.
Indico a leitura prévia do meu texto para a Sarjeta antes da investida na minha conversa com o autor e recomendo que não deixe passar a HQ. Berlim está, sem dúvidas, entre os melhores e mais importantes quadrinhos lançados no Brasil nos últimos tempos. Aposto alto em sua presença nas listas de principais publicações de 2020 quando o ano chegar ao fim. A seguir, meu papo com Jason Lutes:
Eu quero começar sabendo como você está. Como você está lidando com a pandemia? A pandemia afetou de alguma forma a sua produção e a sua rotina diária?
Nós demos muita sorte. Moramos em Vermont que, de todos os estados no país, é o ante-antepenúltimo em número de contaminados. Nós usamos máscaras e seguimos todos os regulamentos. Mas, em relação ao que está rolando em outros lugares, estamos numa situação de muita, muita sorte. Já éramos uma família bem caseira. Não teve impacto, pois já moramos longe da cidade. Podemos passear na floresta. Saio para compras a cada dez dias e é o único momento em que eu tenho que me preocupar, o mínimo que seja. Temos amigos que foram afetados de forma direta. Mas, até agora, sabe… E você?
Moro em Juiz de Fora, uma cidade próxima ao Rio de Janeiro. Acabei de me mudar após 10 anos vivendo em São Paulo. Cheguei aqui logo antes disso tudo começar. Dei sorte porque São Paulo é o epicentro da pandemia no Brasil, mas tenho muitos amigos lá e a situação aqui não está tão tranquila também. O isolamento também não mudou muito a minha rotina, porque trabalho de casa. Então o que aconteceu é que tenho ficado ainda mais em casa… Mas é uma loucura isso tudo.
Pois é, eu sei. Total. Eu acho maluco quando penso que é uma coisa sem precedentes na história da humanidade. Ter grande parte da porção humana do planeta precisando lidar com uma mesma coisa?
Sim, com certeza. E como você acha que isso vai afetar o seu ambiente profissional? Imagino que você está conversando com outros autores e com seus alunos sobre isso tudo. Como você acha que isso pode mudar a forma como se produz e vende quadrinhos?
Temos tratado disso de forma direta. Acabei de terminar uma das minhas disciplinas, faz uma ou duas semanas, e todo mundo estava no fim do semestre, no fim do ano letivo, meio que focado no seu projeto final. Nossa transição para o digital foi bem fácil. O pessoal deu um jeito e estamos nessa. Funcionou muito bem. Alguns quiseram tratar da situação no próprio trabalho. E isso foi bem interessante de se ver, em tempo real. Para alguns, foi difícil fazer outra coisa que não pensar no contexto. Aí eles incorporavam direto à história ou ao raciocínio deles.
Fora isso, não conversamos especificamente sobre como vai ser o impacto. Assim como você é jornalista freelancer, nós somos quadrinistas e geralmente trabalhamos em casa, sozinhos. Eu não me sinto diferente. Eu estou no porão, onde eu faço meu trabalho, faço minhas coisas e já uso bastante o computador. Então acho que a única pecinha que faz falta é a socialização, os meus alunos. A noção de comunidade que eu tinha com eles era muito forte. E sinto que pra eles também foi uma grande perda. Mas, fora isso, todo mundo fica dizendo: ‘Ok, acabou o ano letivo. Vamos dar uma relaxada, como for possível’.
“… e o jazz tocava enquanto o mundo saía dos eixos”
Berlim será finalmente publicado aqui no Brasil e fico curioso sobre as origens dessa obra. Você se lembra de quando teve a ideia de começar a trabalhar nesse quadrinho? Houve algum ponto de partida em particular?
Olha, já contei essa história várias vezes, como você deve imaginar. E é aquele tipo de coisa que, quanto mais você conta, mais você se pergunta o quanto é verdade. Com o passar dos anos, eu contei pra mim mesmo como aconteceu e agora virou minha lembrança.
Acho que foi assim. Eu morava em Seattle, acho que por volta de 1994, enfim, início dos anos 1990. Me mudei pra lá depois de me formar em Artes. Eu tinha feito meu primeiro trabalho, minha primeira graphic novel, que se chama Jar of Fools, e aquele foi meu momento de aprender por conta própria. Eu estava me ensinando a fazer HQ. Tinha as tiras, que eu adorava, eu lia muito gibi, já tinha feito umas coisas menores, mas nunca algo longo. Então escrevi aquele livro, foi uma produção muito rápida, uma obra de ficção, e segui adiante. Terminei o livro e pensei: “OK, agora eu sei”. Tipo, “entendi como se faz”. Eu não dominei a arte, mas entendi que era um quadrinista e do que dava conta. E entendi como a mídia funciona pra mim. Entendi o que eu podia fazer. E era isso que eu tinha em mente. “Bom, ok, já fiz isso aqui, essa foi minha formação. E agora?”.
A única coisa que eu tinha forte na cabeça é que eu queria fazer uma coisa substanciosa. Queria que fosse do tamanho de um livro. Mas eu tinha vinte e poucos anos, e nessa idade você não sabe o que quer dizer, você tem que testar muito. Um dia eu estava lendo uma revista e tinha o anúncio de um livro de fotos da Berlim de Weimar. E um parágrafo curto, descrevendo o livro. Nunca tinha pensado naquele período. Não entendia quase nada daquele período na história da Alemanha. Claro que eu sabia que era a véspera da Segunda Guerra Mundial, mas não entendia muito do que se passava no mundo naquela época. Enfim, vi esse anúncio e tinha um parágrafo muito pitoresco, muito interessante. Acho que eu lembro de uma frase… Estou tentando achar uma referência na internet, nos arquivos da revista, e não consigo. Mas a frase era algo como “… e o jazz tocava enquanto o mundo saía dos eixos”. Eu amei essa imagem. Parecia um negócio apocalíptico, sabe? Fazendo festa enquanto tudo vai pro inferno. E eu li isso e lembro de ter pensado: taí. Esse é meu próximo trabalho. Esse vai ser o livro. Esse é o tema.
Naquele mesmo instante, eu pensei que, como já queria que fosse extenso, achei que ia ter 600 páginas. E a partir daí comecei a ler tudo que podia. Isso foi pré-internet. Então foi tudo que eu achei em Seattle, Washington, que é, veja bem, o mais longe que há da Europa. Eu consumi tudo que eu podia pegar. E era de tudo, praticamente qualquer coisa, até 1933. Eu lia história e filosofia europeia, teoria política, mas parava nessa data. Não queria ler sobre o que aconteceu depois, pra poder me imergir. E assim segui com a pesquisa por dois anos. Eu tinha meu emprego e só no tempo livre que eu lia, fazia anotações, esboços e tal. Assim foi até chegar no ponto em que podia, sentia, que tinha uma noção da situação antes de começar.
“Não quero criar uma coisa perfeita. O negócio é mais explorar”
Gosto mundo dessa imagem do mundo indo para o abismo enquanto a banda de jazz toca, é uma bela síntese do livro. Para mim, Berlim é sobre choque de realidades. Uma cidade boêmia, vanguardista e com muita diversidade e também retrógrada e niilista. Como você acha que Berlim chegou nesse ponto? Você refletiu muito sobre esse contraste durante a produção?
Sim, sim. Bem, sabe… Seattle foi a primeira cidade grande em que morei. Até ali, tinha vivido em cidadezinhas. E foi nessa época que eu comecei a escrever sobre a cidade de Berlim. Eu estava morando nessa metrópole que, nos anos 1990, tinha uma cena musical gigante. Muita gente se formava na faculdade e ia pra lá. Acho que era um lugar muito ativo, muito vivaz. Creio que me baseei em parte na experiência de estar lá, nessa cidade, que era minha casa, e relacionei com a vida dessa gente na Berlim dos anos 1920 e 30.
E o que me ocorreu foi que essas cidades costumam ser lugares… Bom, geralmente uma cidade brota em torno de um recurso natural, ou do preço dos aluguéis ou de uma oportunidade comercial. A cidade portuária cresce em torno de um lugar onde tem um porto acessível. Depois vem o comércio e vem a população. A indústria cresce e tudo mais. Mas o que acontece quando você junta um monte de gente é que invariavelmente vai ter uma população diversificada, porque cada pessoa vem de um lugar. Você precisa da mão de obra. E no início é só gente provinciana, da região. Ainda é gente que se parece e se comporta que nem você. Quando a história avança, tem gente que vem de mais longe, cada vez mais longe, e numa cidade, como a população é concentrada, essa gente vem de outras culturas, de outras referências, e fica se acotovelando por lá. Vão ocorrer atritos. É o tipo de tensão que se espera. Mas, ao mesmo tempo, você vai achar gente que é igual a você e que não ia achar em outro lugar. Os gays, os artistas, os cientistas, basicamente toda gente que cresceu isolada na sua comunidade e que calhou de se encontrar na metrópole.
Tem esse contraste bem interessante desse tipo de centro industrial. Por conta da densidade populacional, dessa coisa vivaz, criativa, entendo que rola ali um atrito positivo. E acho que esse contraste foi muito interessante pra mim, o fato de que a cidade é uma coisa orgânica e crescente. Estudei isso por um tempo. Estudei planejamento urbano e a cidade para ver como cada cidade evolui e tem seu caráter com base no contexto em que cresce. Isso tudo entrou no meu raciocínio. Aí, quando comecei a criar os personagens, pensei na cidade como uma espécie de palco e deixei os personagens por lá, sem um plano específico. Acho que fica claro quando você lê o livro: eu não tinha um grande plano. A estrutura é decidida pela história, mas posso criar personagens fictícios e meio que botar eles nesse contexto e deixar que meu inconsciente descubra como eles vão interagir e como vão se comportar. Então foi mais um improviso, até onde dá para ser improviso.
Mas o quanto você estava improvisando em relação aos personagens? Cada um deles tem uma jornada muito específica até o fim o livro. O quanto você planejou essas jornadas individuais?
Eu escrevi o livro basicamente um capítulo por vez. No começo, eu terminava um capítulo e publicava. O negócio era terminar um capítulo, publicar, e aí voltar e ler todos os capítulos até ali para escrever o seguinte. Com o tempo você começa a enxergar futuros potenciais. Você começa a ver pra onde os personagens podem ir. Mas foi sempre… As coisas mudam. Por exemplo, se escrevo uma cena e penso que a cena trata de uma coisa, que vai nesse sentido e descubro outra coisa durante a escrita. Sempre opto por seguir esse impulso. Porque, penso, e isso é uma verdade, que muitos escritores já têm tudo no inconsciente. Em certo nível, meu inconsciente sabe onde esses personagens têm que ir. E, para chegar lá, eu tinha que tirar aquilo de mim e botar na página. Acho que, em alguns casos, eu fui bem suscetível. Tipo, consegui enxergar que, “ah, era pra cá que eu estava me dirigindo desde o começo”. Era o meu inconsciente sempre. E é muito gratificante ver quando isso funciona. Tem outras vezes que meu consciente vem e tenta empurrar pra lá ou pra cá e não funciona. Então, de certo modo, foi como um malabarismo. E o resultado… Não vou dizer bagunçado, mas, tipo, tem coisas que funcionam uma beleza e fico super contente. Tem outras que ficam mais bagunçadas. E tudo faz parte da experiência. Não dou bola. Não quero criar uma coisa perfeita. O negócio é mais explorar. Qual é a meta, sabe?
“Tenho certeza que você notou muita experimentação ali, sou eu tentando descobrir o que podia fazer”
E em relação à arte? Porque você pode até ter mudado os rumos e as jornadas dos personagens, mas a arte manteve um padrão ao longo do livro. Foi um desafio manter esse mesmo estilo ao longo de mais de 20 anos de produção do livro?
Acho que meu método… Olha, por um lado, faço muita coisa improvisada, impulsiva, com a trama e com os personagens. Mas aí, quando chega a hora de desenhar, era como se desenhar fosse deixar aquilo rígido, como se eu tivesse um monte de ideias, mas “agora é hora de botar no papel, de fazer existir”. Como esculpir na pedra. Quando penso uma página, ela está pronta. É muito raro eu voltar e mudar alguma coisa depois. E tem uma espécie de coisa fechada ali, que ajuda quando ainda está no meu inconsciente, quando estou tentando chegar ao nível da ideia ou do desenho. Deixar mais concreto é uma espécie de compromisso. Quando encaro esse compromisso é um esforço para me manter fiel aos meus sentimentos. E às vezes acho isso impossível. Não é bem o que acontece na maioria das vezes, mas quando faço assim chego em um ponto de partida, chego em uma estrutura sólida a partir da qual posso trabalhar. Então essa é a questão da forma.
Quanto ao meu estilo em si, meu método foi pensar que seria quase como fazer um documentário, queria deixar o mais objetivo possível. Tem momentos, claro, onde há algumas coisas expressionistas, mas o objetivo era basicamente retratar este mundo e apresentá-lo da forma mais direta possível. Queria que ficasse legal e tivesse essa atmosfera. Acho que consegui essa consistência do início ao fim.
Acho que você mantém muito dessa consistência por meio do design das páginas, dos grides e dos painéis, elementos fundamentais para o controle do ritmo do livro e do tempo de leitura. Esse controle era importante para você?
É muito importante. Como você sabe, dou aulas de quadrinhos. E tem toda uma geração nova de estudantes que está chegando e não quer saber de quadros porque pode parecer – e eu entendo que pode parecer – uma grande restrição. Você pode sentir que está numa caixa, que você só pode pensar ali dentro, o que é estressante e meio limitante. Pra mim, é uma forma de organizar informação. A meu ver tem um aspecto musical. O negócio está na virada da página. Não são só os quadros, tem as propriedades físicas do livro. Você vira a página e olha duas páginas, uma do lado da outra, e isso tem seu significado. E como você faz uso das páginas, como você avança com elas, isso impacta em como você absorve a informação. Então, sim, tenho certeza que você notou muita experimentação ali, sou eu tentando descobrir o que podia fazer.
Você fala sobre a musicalidade do livro e eu amo aquelas páginas do músico tocando saxofone. Me senti ouvindo aquelas páginas, aquelas ilustrações.
Isso é sensacional. É ótimo, porque esse era um objetivo, dar ritmo ao livro. Era um experimento. Ouvi aquela música, lembro de me sentar num café e ficar ouvindo aquela música várias, várias vezes, e a decupei. No início acho que decupei apenas em quadros. Tentei transformar aquela música numa série de quadros de várias larguras diferentes. Fui pensando página a página, com os momentos da música em que faria a transição para a página seguinte, só depois fiz os desenhos. É muito bom saber que teve esse efeito.
“O que Berlim representava naquela época da história e na Europa é algo incalculável”
Mas você estava falando sobre os seus padrões estéticos e suas técnicas. O livro foi todo feito em nanquim? Qual material você utilizou? Você manteve alguma técnica ou dinâmica em particular enquanto trabalhava no livro?
O método básico começava com esboços rápidos. Faço um esboço em miniatura, uma coisa bem pequena. Tipo, cada página era um mini-diagrama com anotações. Tenho um caderno onde eu trabalhava todos os layouts bem reduzidos e escrevia o roteiro no canto da página. E era ali que acontecia tudo, eu desenhava os quadros na página. Como já disse, fiz um capítulo por vez. Então eu desenhava os quadros do capítulo inteiro, aí tenho vinte e quatro páginas só de retângulos, sem desenho. Aí geralmente eu pegava uma folha, do que a gente chama de vellum [papel vegetal], que é tipo um papel de rascunho mais pesado, colocava em cima e fazia esboços mais rápidos, de composição, dentro dos quadros. Aí botava mais uma camada em cima e redesenhava pra refinar. E assim cada quadro era desenhado várias vezes. Os mais complexos, os mais difíceis, eu redesenhei 12, 16 vezes. E isso porque eu não costumo ser bom em anatomia natural, então tentava descobrir uma pose num personagem. E aí depois fazia o lápis final, com uma caixa de luz e aí botava a prancha de papel cartão em cima. O lápis aparecia e eu fazia o nanquim na prancha. Dessa forma a arte finalizada é bem limpa. Não tem tanto lápis.
Aí eu voltava e fazia todos os preenchimentos de preto com pincel. Preenchia os pretos com pincel e muito, muito raramente, eu fazia retoque digital, e só depois de tudo produzido. Aí fazia a cópia digital e enviava. Aconteceu de eu fazer uma etapa de retoques à mão com um pincelzinho. Mas com o computador posso fazer no digital.
Voltando ao tema principal do livro, penso sobre como esse trabalho também trata do que poderia ter sido e não foi, sobre o que Berlim poderia ter se tornado. Era uma cidade cheia de jornais e intelectuais, então veio o nazismo e a guerra e tudo acabou. Você pensou muito sobre esse cenário? Em todo o potencial daquela Berlim que deixou de existir?
Sim, sim, com certeza. Acho que havia duas motivações, sentimentos, me incentivando. Por um lado, na minha vida em Seattle, havia esse sentimento de potencial e emoção. Eu tinha por volta de 20 anos, estava cercado por pessoas fazendo arte, música e escrevendo. E eu trabalhava para um jornal semanal alternativo que cobria a cena musical e esse tipo de coisa. Portanto, havia uma sensação de que as pessoas faziam arte realmente interessante e elas não se importavam com quem sabia delas. Havia uma sensação de que tudo podia acontecer, tudo era possível. E acho que vi, em tudo que lia sobre Berlim, a mesma coisa acontecendo.
É claro, Seattle com certeza era culturalmente relevante, mas o que Berlim representava naquela época da história e na Europa é algo incalculável. E realmente, existe isso, mais e mais pessoas têm esse sentimento que você descreve, do que poderia ter sido. O que foi realizado foi realmente incrível, antes de ser literalmente queimado. Isso foi definitivamente uma motivação para entrar nessa história, esse senso de possibilidade. E uma das razões pelas quais eu não li nada depois de 1933 é porque eu queria estar apenas naquele espaço e acreditar que aquilo iria continuar, que as coisas iriam continuar a melhorar… Todo mundo lá, muita gente, acreditava nisso, os comunistas acreditavam que iam alcançar seus objetivos, os líderes nazistas também, todas essas crenças existiam e todos eles viam seus respectivos futuros. E eu queria acreditar nisso enquanto me imaginava por lá.
“Acredito muito no espaço em branco, tanto do branco literal quanto dos espaços entre os quadros”
E você já foi a Berlim?
Só fui depois de já ter 200 páginas do livro.
Como foi essa primeira visita?
Eu estava com medo de ir porque tudo que havia aprendido tinha vindo de livros. Eu não falava e nem lia alemão, era tudo em inglês, e eu era pobre. Eu morava em um estúdio de um quarto, todos os meus pertences ficavam em um único quarto. Eu vivia de macarrão instantâneo, o clássico “artista morrendo de fome”. Não tinha dinheiro para viajar para a Europa. Então meu primeiro livro foi publicado por uma editora alemã e eles me levaram para Berlim. Foi incrível porque era muito mais rica e viva do que todas as fotos granuladas em preto e branco que havia visto, por isso meus desenhos eram tão frios. E a cidade real, embora tenha um número enorme de grandes edifícios cinzentos, a Berlim da primavera e do verão é uma cidade verde, realmente bonita, com árvores por todo lado.
Então a primeira conclusão foi a presença de cores. Vi que a cidade real era muito mais rica, viva e cheia de possibilidades do que minha versãozinha ficcional. Há uma diferença tão grande entre essas duas coisas que em vez de achar “bem, meu esforço é inútil”, concluí “bem, essa é apenas minha versão imaginária de tudo aquilo”. Sou apenas eu imaginando e está tudo bem. Eu posso fazer isso. E eu não tinha compreendido as coisas de um jeito tão errado a ponto de ficarem inconcebíveis. Depois o livro foi publicado na Alemanha e foi muito bem recebido. E sempre que retorno as pessoas são muito, muito gentis. Errei em algumas informações factuais, mas no geral as pessoas respeitam o meu empenho.
Como jornalista me chamou muita atenção o foco que você deu para os vários jornais que existiam em Berlim naquela época. Eram muitas publicações, com várias linhas editoriais. Hoje existem menos jornais, mas temos as redes sociais e várias novas mídias… Enfim, você vê algum paralelo entre aquele cenário que você apresenta no livro e o que estamos vivendo hoje?
Sim. Poxa, há uma imensidão de paralelos… Além da quantidade de publicações que existiam, há a mesma quantidade de publicidade daquela época. Quero dizer, havia pessoas realmente comprometidas, jornalistas no verdadeiro sentido da palavra, como Carl Von Ossietsky, um personagem real do livro que eu nem sabia que existia antes de começar a escrever. Aprendi a respeitar esse cara pra valer. Ele estava completamente comprometido com a reportagem dos fatos, das coisas que aconteciam, sem jamais abrir mão desse compromisso. Isso foi algo que realmente me impressionou. E é claro que vimos muitas pessoas assim, com o mesmo tipo de comprometimento, ao longo dos anos. E elas ainda existem hoje. Acho que a principal diferença é que hoje já não existem tantas dessas pessoas.
Eu não lembro o que escrevi no livro, mas eram uns três mil jornais, um número absurdo. Hoje também somos inundados por informação toda vez que você abre seu navegador ou checa seu celular. É muito comparável em termos de alcance de informações. A pior parte agora é a facilidade com que a informação pode ser manipulada e disseminada. Existem inúmeros exemplos, a interferência russa em nossa eleição presidencial passada é um exemplo interessante disso. É tudo muito mais facilmente manipulado.
“Cresci em uma geração onde os nazistas são bandidos caricatos e estereotipados”
Também queria saber mais sobre o seu empenho em não representar a suástica. Por que essa opção?
O Partido Nacional Socialista [nazista] estava obviamente presente na história, eles estavam ativos na época e iriam fazer parte da história. E supus que assim que aquela suástica aparecesse todo tipo de percepção caricata dos nazistas que as pessoas têm viria à tona. Cresci em uma geração que assistia aos filmes de Indiana Jones, onde os nazistas são os bandidos, não são exatamente como os nazistas dos desenhos animados, mas mesmo assim são nazistas caricatos e estereotipados. E eu estava muito mais interessado em descobrir o lado humano dessas pessoas, das pessoas que escolhem esse caminho. E queria o mesmo para o leitor, que eles fossem vistos como indivíduos e não como estereótipos monolíticos.
Então concluí que a única maneira possível de fazer isso seria por meio de um experimento: “e se eu simplesmente remover a suástica?” Estou muito feliz com os resultados. É interessante quando as pessoas lêem o livro todo e não reparam nisso. Já fiz algumas sessões de autógrafos em convenções e alguém diz, “é muito interessante a maneira como você deixou de fora a suástica” e alguém atrás na fila responde “ele não deixou de fora”. E isso foi antes de o último livro ser publicado, onde na verdade há uma suástica. Mas elas leram o primeiro, o segundo, o terceiro… E então elas pegam o último e tentam encontrar a suástica e conseguem porque é um ícone tão poderoso que acaba sendo projetado.
Isso, para mim, é uma prova do poder dos quadrinhos. Eu acredito muito no espaço em branco, tanto do branco literal quanto dos espaços entre os quadros, onde o leitor pode trazer sua própria interpretação. Para mim esses são os melhores quadrinhos, aqueles que amo pra valer, aqueles que te dão esse espaços. Esse é um atestado de amor ao poder dos quadrinhos, mas também ao poder do símbolo, que pode ser visto mesmo quando não está lá.
Tenho curiosidade em relação à sua visão do mundo no momento. Vivemos numa realidade na qual Donald Trump é o presidente dos EUA e Jair Bolsonaro é o presidente do Brasil, um cara um pouco pior do que o Trump em vários aspectos…
É mesmo?
Eu acredito que sim.
Meu Deus, sinto muito (risos).
“Não tenho opção a não ser dizer que não sei se sou otimista, mas não tenho escolha a não ser ter esperança”
Enfim, o que você acha que está acontecendo com o mundo? Você é otimista em relação ao nosso futuro?
Não tenho opção a não ser dizer que não sei se sou otimista, mas não tenho escolha a não ser ter esperança. Porque tenho dois filhos, mas antes mesmo de ter filhos… Não sou alguém sem esperança. É difícil imaginar o que vai acontecer no futuro, mas infelizmente o meu coração encolheu com tudo isso que está acontecendo. Hoje em dia sou o professor particular dos meus filhos e estamos nos isolando do mundo. Então é como se, literalmente, a esperança residisse em um pássaro em uma árvore ou em qualquer pequeno prazer que possamos obter apenas por estarmos juntos. Nós temos uns aos outros. E isso é ótimo. E, novamente, é sobre olhar para fora de nossa pequena unidade familiar e encarar o mundo lá fora da mesma maneira. Nós podemos ajudar pessoas menos afortunadas do que nós?
Vivemos em uma época incrivelmente interessante, estamos vendo o colapso do capitalismo diante de nossos olhos. É muito claro: este é o ponto final óbvio de uma cultura capitalista consumista que está sucumbindo ao nosso redor. A esperança que encontro dentro de mim está nas pessoas e nas organizações que agem para criar um tipo de existência sustentável.
Por aqui nós temos os estados vermelhos e azuis, os estados republicanos e os estados democratas. E Trump é um cara simplesmente mau. Ele não esconde o fato de que todos os estados azuis [democratas] são ruins para ele e ele não vai ajudá-los em nada. Então essa ideia de Estados Unidos da América realmente unidos é uma construção para que as coisas se mantenham como sempre foram. Era uma mentira muito legal que contávamos para nós mesmos, mas ele mostrou o que realmente somos. Acho que as pessoas são realmente capazes de se conectar e colaborar entre si, mas quando são puxadas as cordas do ódio e do medo, nós nos dividimos.
Não sei se você conhece a Alexandria Ocasio-Cortez, ela fez algo realmente incrível recentemente. Ela estava em uma reunião com alguns de seus constituintes e entrou em uma discussão com alguém realmente insatisfeito com ela que começou reclamar. Ela disse, ‘opa, opa, opa, espere um segundo, isso não é uma luta’. E ela apontou ao redor e disse, ‘esta é a luta’. E é isso. É um belo resumo. Os poderosos querem que todos se odeiem e estejam preocupados. Todos aqueles com empregos de merda, pagando preços absurdos por um plano de saúde. Querem que continuemos a brigar entre nós para extrair o máximo possível de riqueza. É tão obviamente explícito. Trump tem recomendado medicamentos que podem fazer mal às pessoas. Seria engraçado caso não fosse uma imensa tragédia.
Mas é isso aí, o lado positivo do colapso total da civilização ocidental, caso ele não venha por uma guerra nuclear, é que teremos um ponto de partida para a reconstrução (risos). Talvez o meu país se divida em estados, não sei. Enfim, o que quero dizer é que o que está acontecendo já vinha sendo cultivado. Podemos fazer algo a partir disso, exigir um novo modelo. É isso que seremos forçados a fazer, então vamos lidar com isso.
Ao mesmo tempo não é tão difícil ver os paralelos entre a Berlim do seu livro e o nosso mundo hoje. Ontem (10/05/2020) a Secretaria de Comunicação da Presidência da República do Brasil tuitou uma mensagem dizendo que “o trabalho, a união e a verdade nos libertará”, bastante semelhante à inscrição presente em um dos portões do campo de concentração de Auschwitz (“O trabalho liberta”).
Acho que algumas dessas pessoas não têm a menor ideia desse fato. E elas não compreendem que essa linha de raciocínio é uma coisa terrível. Quem tuitou isso aí? (risos)
Foi a conta oficial da Secom, o órgão responsável pela comunicação da Presidência da República.
Caramba… As pessoas obviamente me perguntam isso o tempo todo, “você vê paralelos entre…?”. Sim, há toneladas de problemas. Hoje há menos do que antes, quando Trump foi eleito havia muito mais. Houve marchas nacionalistas brancas nas ruas e agora estamos em um cenário novo. Mas Trump é como uma criança de 10 anos. É apenas um menino sem educação que nunca recebeu amor na vida. Ele é desesperado por atenção, é muito triste. Então as comparações relacionadas a ele estão fora de questão, são ridículas. Mas Steven Miller, conselheiro dele, me dá calafrios, é como uma reencarnação do Joseph Goebbels [Ministro da Propaganda na Alemanha Nazista entre 1933 e 1945], como se Goebbels tivesse voltado. Então há esse paralelo entre pessoas e paralelos entre as filosofias que estão sendo colocadas em prática.
“Muitas pessoas se sentiram legitimadas pelo livro”
Falando no Brasil, o que você pensa ao ver o seu trabalho sendo publicado em um país como o Brasil? Você fica curioso em relação à forma como seu trabalho é lido e interpretado em uma realidade tão distinta da sua?
Ah, sim, totalmente. Quero dizer, nunca imaginei que seria lido na Alemanha. E é fascinante ir lá e ouvir como as pessoas respondem a ele, independentemente do contexto. Foi publicado na Coreia do Sul. Como assim?! Sim, fico bastante interessado.
Como foi a resposta ao livro na Alemanha?
Muito, mas muito positiva.
Você ficou tenso de alguma forma quando ele foi publicado lá?
Ah sim, muito mesmo. Fiquei muito, muito preocupado, mas principalmente quando fui à Alemanha para divulgar o lançamento, em algum momento de 2019, entre janeiro e março de 2019. Passei por seis ou sete cidades por lá. O que me pegou desprevenido foi a sensação de que as pessoas estavam gratas. Não foi apenas, “nós lemos seu livro”, foi mais, “é realmente ótimo, nós adoramos”. As pessoas me agradeciam e elas me agradeciam por terem vivido em uma geração alemã que cresceu sem poder falar sobre essas coisas, porque os pais delas não falavam sobre isso, assim como os avós delas não tratavam desses temas. Era uma vergonha imensa e todos preferiam não falar sobre isso. Então eles estavam me agradecendo por chamar a atenção para isso tudo e mostrar que vale a pena falar sobre esses temas. Tenho certeza que essa resposta vem do conteúdo e da história do livro, mas principalmente da escolha de ter esses temas como foco. Muitas pessoas se sentiram legitimadas. Por causa de algo que elas estavam lendo a partir dos olhos de alguém que cresceu em um país diferente, nos Estados Unidos, e decidiu que aquele era um tema que valia a pena abordar. As pessoas realmente valorizam isso.
No geral foi uma resposta muito positiva. Tem esse cara, um escritor chamado Holker Kutscher, autor dos livros que inspiraram a série Babylon Berlin, do Netflix. E nós fizemos dois eventos juntos, participamos desses painéis. Ele é alemão e escreveu essas histórias de assassinato e mistério ambientadas no mesmo período de Berlim, na mesma época. E eu sou um americano. Foi muito interessante conversar com ele sobre as nossas perspectivas diferentes sobre tudo aquilo. Então sim, foi ótimo, me senti muito tocado por toda essa experiência.
“Minhas memórias mais antigas são de quadrinhos americanos de super-heróis”
Você pode me falar um pouco sobre o ambiente no qual você criou Berlim? Você se mudou bastante ao longo dos anos, então acredito que o lugar no qual começou não foi o mesmo no qual acabou, certo? Esses ambientes impactaram de alguma forma o desenvolvimento do livro?
Sim, no geral vivi em vários porões de Seattle por um longo tempo. Cheguei a morar em cinco apartamentos diferentes, em alguns deles trabalhava na mesa da cozinha. Me mudei para a casa da minha namorada, trabalhei no porão também. Nos mudamos para Vermont há 13 anos e estou no porão enquanto falo com você. E isso impactou o meu trabalho, o hábito era ficar no porão quando podia trabalhar e nos outros cômodos quando precisava fazer todo o resto que pagava as contas. Essa é uma das razões pelas quais demorei tanto para acabar o livro.
Nos dias de estúdio eu me levantava de manhã, pegava uma xícara de café, me despedia das pessoas, antes da minha namorada e hoje da minha família, e descia as escadas. Quando desço essas escadas, eventualmente é quando tudo começa. Sinto que toda vez que desço essas escadas estou viajando no tempo, porque eu entrava nesse ambiente cercado pelas minhas pesquisas, com um mapa de Berlim na minha parede. Todos os desenhos estavam por perto para referência, para entrar naquele mundo. Então acontece essa espécie de viagem no tempo e também um outro efeito, muito comum para artistas que têm espaços de trabalho, que é como entrar dentro da própria mente, no seu inconsciente. Isso foi muito constante para mim em todos os lugares diferentes em que morei.
A diferença daqui para Seattle é que Seattle é uma cidade grande, eu via mais coisa lá fora e tinha mais interações com outros seres humanos, e isso impactou diretamente enquanto eu escrevia sobre os personagens do quadrinho. Não diálogos, mas a natureza de estar em meio a pessoas, cercado por pessoas empolgadas e que meio que compunham uma comunidade artística. Então nos mudamos para Vermont, muito mais no interior, e vejo os meus alunos. Além dos meus alunos não tenho muito uma vida social. Eu jogo RPG alguns dias, uma noite por semana, e é isso. Acho que isso é muito importante para mim. Até assisto filmes e televisão, leio livros, mas jogar RPG é a coisa que mais me satisfaz em termos de entretenimento.
Então, o livro foi todo feito aqui a partir de seu segundo terço. E acho que que o efeito disso no meu trabalho foi me deixar muito mais consciente. Passei mais tempo pensando no cenário maior da história, em vez de absorver aquela energia que estava vindo da cidade. É um ambiente mais reflexivo. Do lado de fora da minha casa é uma floresta. Tento sair de casa o mínimo possível. Então vejo isso tendo um efeito sutil na parte final da história. É mais focado nas interações individuais entre as pessoas e no contexto filosófico maior.
Qual é a memória mais antiga da presença de quadrinhos na sua vida?
Deve ser… Bem, eu estava morando em Montana, diria que tinha uns sete, oito ou nove anos. Havia Tintim e super-heróis da Marvel, como os Vingadores. Eu era um grande fã do Capitão América. Lembro de um livro chamado The Great Comic Book Heroes, acho que era esse o nome, do Jules Feiffer. Reunia quadrinhos do Super-Homem, do Batman, do Flash… Tinha as primeiras histórias de cada um desses personagens. Por alguma razão eu tenho uma memória muito forte da história do Homem-Borracha. Acho que até tinha uma cópia por aqui… Enfim, as minhas memórias mais antigas são de quadrinhos americanos de super-heróis. Tintim também entrou no meio, mas deve ter sido mais para frente.
“Não que os seus quadrinhos devam ser desenhados com clareza, mas qualquer que seja sua intenção, clareza é o que vai te ajudar a chegar lá”
Você é autor, leitor e professor de histórias em quadrinhos. Você tem alguma definição pessoal do que são histórias em quadrinhos?
Cursei uma faculdade de arte em que os professores meio que ensinavam para você a forma como eles faziam as coisas, as técnicas específicas. Eles estavam basicamente cultivando pupilos adestrados. Muito parecido com o professor do livro. O professor do livro é inspirado diretamente em um professor de desenho que tive. Então a minha abordagem para o ensino está em me relacionar com cada indivíduo para compreender o que eles querem dizer, quais são suas capacidades artísticas e então entender o que vai funcionar melhor para cada um deles. Não apenas em termos de produção prática, mas o que vai funcionar melhor para eles emocionalmente. Qual vai ser a história mais satisfatória para cada um.
Algumas pessoas chegam dizendo “eu quero fazer algo com relevância social” e vejo o que elas estão fazendo, quem elas são e penso “talvez uma história de fantasia sobre goblins seja o que você deva fazer”. Então é bastante como uma experiência sob medida. Dito isso, o principal para mim, o que mais me esforço para passar nas aulas, é clareza. Insisto muito nisso. Não que os seus quadrinhos devam ser desenhados com clareza, mas qualquer que seja sua intenção, o que quer que você esteja tentando comunicar, clareza é o que vai te ajudar a chegar lá. Alguém como o Gary Panther, ou qualquer um que seja um quadrinista expressionista, isso é parte do que eles estão tentando comunicar. É o oposto do espectro de alguém como o Chris Ware, que faz tudo pequeno, todos os pedacinhos de cada impressão são ocupados por vários elementos. Acho que essa é a minha forma de descrever isso. É claro, o espectro é muito vasto e parte da diversão dessa linguagem está aí. Mas tento explicar isso para todos os meus alunos. A maior parte das nossas conversas quando analisamos o trabalho de alguém diz respeito a “era essa a sua intenção? Porque eu estou entendendo dessa forma e não desse jeito e quero ter certeza de que você está fazendo certo”. Então, para mim diz respeito a esse aspecto principal: o que você está querendo dizer? Está expressando isso bem? Para além disso, diz respeito a cada indivíduo.
Você está trabalhando em alguma coisa nova no momento?
Sim, tenho três livros que quero fazer. Quero dizer, tive muito tempo para pensar sobre isso. O bom é que não faltam ideias. Estou em um ponto da minha vida onde há cem histórias que posso contar. Então meu plano é fazer três livros diferentes, cada um diferente e independente. Um seria faroeste, outro uma espécie de história de mistério noir nos dias modernos e o terceiro uma espécie de história de fantasia para jovens adultos. Esse último seria com outro artista, um ex-aluno meu. Os outros dois eu daria um jeito de ficar comigo. Um dos meus projetos paralelos é um jogo de RPG independente, publicado por mim. Esse é o projeto que deixei de lado nos últimos cinco ou seis anos. Não avancei muito com ele. Então é nele que tenho tentado focar. O meu tempo no estúdio está ocupado por ele. Assim que ele deixar a minha mesa, em algum momento do próximo ano, vou focar nos outros, preciso arrecadar dinheiro para publicá-los. Vai ser isso. Nesse meio tempo vou pensando no que fazer com os quadrinhos, mas não vou conseguir investir para valer neles por provavelmente mais um ano. Mas tudo bem, é bom dar uma pausa. Eu preciso de uma folga.
Você pode recomendar algo que tenha visto, ouvido ou lido nos últimos tempos? Você falou sobre a sua paixão por RPG, o que você gosta de jogar?
No momento estou jogando dois jogos. Um deles é um RPG das antigas, uma fantasia tradicional. A diferença é que é tudo muito improvisado, nós jogadores fomos criando o universo enquanto jogávamos. É das antigas no sentido de ser esse ambiente de sandbox no qual todo mundo pode ir onde quiser e fazer o que quiser. Não há nenhuma trama pré-determinada e estamos vendo no que vai dar. Essas sessões estão no YouTube, o jogo chama Freebooters on the Frontier. São regras que escrevi baseadas em um jogo pré-existente chamado Dungeon World. E também estamos jogando um RPG inspirado em Alien, o filme do Ridley Scott, com as regras de outra pessoa. É essa ficção científica sombria de horror e a outra, das antigas.
Em termos de outras mídias, tenho lido a Late Anderson Browser, incrível, muito boa. Também tenho assistido algumas coisinhas aqui e ali, não tenho tido muito tempo para assistir a um filme inteiro, o que é péssimo porque se não fosse um quadrinista seria um cineasta. Assisti Parasita, o filme sul-coreano. É ótimo.