Entrevistei o quadrinista e jornalista maltês Joe Sacco. O foco da conversa foi o relançamento de seu mais conhecido e celebrado trabalho no Brasil, o clássico Palestina, pela editora Veneta. A obra retorna às livrarias nacionais às vésperas do aniversário de 30 anos da viagem do autor ao Oriente Médio que serviu de base para a produção da HQ. Transformei essa conversa com Sacco em matéria para o caderno Ilustrada da Folha de S.Paulo.
Compartilho agora a íntegra da minha entrevista com o artista. Conversamos por vídeo, com ele falando de sua casa em Portland, no estado norte-americano do Oregon.
Sacco refletiu sobre os 30 anos de Palestina; falou sobre o impacto da ascensão de líderes de extrema-direita no recrudescimento da ofensiva de Israel contra os palestinos; apontou paralelos entre o roubo de terras na Palestina, no Canadá e no Brasil; analisou os 10 anos da Primavera Árabe; e contou um pouco sobre o livro que está desenvolvendo sobre os Rolling Stones. Entre outros temas.
Recomendo a leitura de todos os títulos de Sacco. São grandes quadrinhos e excelentes reportagens. Leia (ou releia) a nova edição de Palestina, também o meu texto para a Folha e confira a íntegra da minha conversa com o autor:
“Israel serve a um propósito na dinâmica do poder, no contexto colonial”
Palestina está sendo relançado no Brasil 21 anos após sua primeira publicação e 30 anos após o início da série nos Estados Unidos. Você vê muitas mudanças no conflito entre Israel e Palestina do início dos anos 1990 até o nosso presente?
Acho que piorou. É uma coisa muito infeliz de se dizer, mas acho que o livro Palestina ainda tem sua relevância porque a ocupação continua. Mas eu diria que tudo aumentou: o nível de violência aumentou, o número de colonos aumentou, e a ocupação se fortaleceu. E temos visto muitos indícios disso. As demolições de casas estavam acontecendo quando eu estava lá e estão se intensificando. Portanto, as pessoas ainda estão sendo expulsas de suas terras, e eu acho que o projeto final de remover os palestinos ou separá-los de alguma forma de suas terras continua.
Você vê algum impacto da ascensão recente de líderes de extrema-direita nos debates e no desenrolar dos conflitos entre Israel e Palestina nos últimos anos?
Muitos destes líderes de direita também são apoiadores ferrenhos das políticas israelenses. [Donald] Trump, obviamente, fez o que muitos presidentes norte-americanos falavam… Quando se está falando sobre o contexto norte-americano, quase todos os políticos apoiam bastante Israel e vão apoiar as políticas israelenses, e vão dizer exatamente as mesmas coisas. Trump apenas empurrou a coisa para onde já estava indo de qualquer maneira. Pode-se dizer que ele foi mais grosseiro ou mais brutal ou o que seja, mas também pode-se dizer que ele representa algo que é verdadeiramente norte-americano e estava sempre indo nessa direção. Bolsonaro também é um amigo de Israel; Modi [Narendra Modi, primeiro-ministro da Índia] é um amigo de Israel; Orbán [Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria] é um amigo de Israel; talvez Erdogan [Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia] nem tanto; mas sim, é uma ascensão da direita e a ascensão de certa brutalidade na política. E isso sempre me faz pensar que, no contexto dos Estados Unidos, o período de, digamos, o início dos anos 1970 até meados dos anos 1980 foi uma espécie de bolha em que vivemos. Achamos que as coisas iam ficar mais tranquilas. Políticas públicas tendiam a ajudar mais as pessoas. E acho que estamos vendo algo diferente agora. Acho que vivíamos em uma bolha naquela época, e agora estamos apenas vendo a realidade do poder, como o poder se expressa e certamente como o poder tem se expressado no contexto de Israel e Palestina. Quero dizer, o que os palestinos têm? O que eles têm a favor deles, além da humanidade deles? A humanidade deles simplesmente não funciona neste contexto, ou certamente não funciona com aqueles que estão no poder. Israel cumpre certas funções para os Estados Unidos. Israel meio que se colocou no papel, como Biden disse, de basicamente ser nosso porta-aviões no Oriente Médio. É um aliado dos Estados Unidos. Quero dizer, não é apenas o lobby aqui, ou o forte apoio dos cristãos evangélicos. Claro, tem muito a ver com isso. Mas na verdade tem a ver com o fato de que Israel serve a um propósito na dinâmica do poder, no contexto colonial.
“Há aspectos do poder que sempre vão atuar contra pessoas que pensam nas coisas de uma maneira mais ampla”
Já vi o seu trabalho descrito como humanitário. E nesse contexto atual de ascensão da extrema-direita e de toda essa brutalidade que você mencionou, vejo um predomínio de tudo que compreendo como oposto de humanitário ou humanista. Enfim, você vê alguma causa em particular para a ascensão dessas lideranças de extrema direita?
Essa é uma grande questão. Não tenho certeza se estou totalmente qualificado para respondê-la, mas diria que muita gente está sendo deixada para trás, e posso falar sobre o que conheço melhor, que são os Estados Unidos. Talvez se aplique a outros contextos, como até mesmo o seu. Mas nos Estados Unidos temos esse tipo de conceito liberal de que todos serão ajudados, todos serão puxados para cima. Você vai conseguir o seu plano de saúde, você vai conseguir isso, você vai conseguir aquilo. E na verdade, não tem funcionado assim. Se você olhar para as cidades norte-americanas – eu moro em Portland, Oregon, e o establishment aqui é totalmente democrata. Não é um establishment republicano. Está muito à esquerda ou é assim que eles se representam. Muito progressista, sabe, mas eles são muito brutais com as pessoas em situação de rua ou sem moradia. A polícia aqui é muito violenta. E, sabe, muitas pessoas estão realmente excluídas desse papo liberal. Elas estão realmente do lado de fora. E acho que foi isso que aconteceu nos Estados Unidos. Se você for para o meio dos Estados Unidos, os lugares estão fechados com tábuas. Não há empregos. A única comida é fast food, fast food gorduroso. Você tem que dirigir 45 minutos até um Wal-Mart, ou uma dessas grandes redes de lojas, para conseguir vegetais de qualquer tipo, e não os melhores vegetais, sabe. Então, é como se muitos lugares tivessem ficado para trás enquanto ouvíamos coisas como a retórica elevada de Barack Obama, sabe, como se tudo estivesse ótimo.
E no meu contexto em Portland, com meus amigos progressistas, tudo parece muito bom. Mas a realidade é que, para muita gente do lado de fora, não tem sido bom e elas são ignoradas e demonizadas, eu diria, pela mídia progressista. Eu não vou justificar a direita de forma alguma, mas há muitas pessoas que, se tivessem sido ajudadas, ajudadas de verdade, e se simplesmente não tivessem ouvido tanta retórica… Talvez as coisas fossem um pouco mais fáceis, um pouco mais tranquilas neste país, mas não são, porque muitas pessoas perderam suas casas. Muitas pessoas não têm emprego. Os salários são muito baixos. E um demagogo como Trump atrai essas pessoas, porque embora ele seja um milionário e nada parecido com essas pessoas, e provavelmente as deteste a portas fechadas, ele fala a língua delas. E acho que é o que funciona agora. Sabe, sobre o contexto brasileiro, não sei. Quero dizer, você olha para alguém como Bolsonaro, você nem consegue imaginar que alguém assim conseguiria chegar ao poder. Mas se você olhar para o que aconteceu com Dilma e Lula, eles foram tirados do poder. Não sei se você quer entrar na política brasileira…
Sim, claro. E eu concordo com você.
Sim. Quer dizer, eles [políticos de direita] jogam bem pesado. E alguém como Lula obviamente atrai muita gente. Mesmo assim, você pode encontrar maneiras de, se controlar certos aspectos do poder, tirar essas pessoas de lá. E mesmo no contexto dos Estados Unidos, alguém como Bernie Sanders, sabe, não o apoio cem por cento, mas acho que ele representava algo melhor. Mas mesmo o establishment do Partido Democrata garantiu que ele nunca chegaria perto da indicação [à candidatura democrata para a Presidência dos EUA]. E parecia que ele tinha uma chance. Mas, sabe, simplesmente há aspectos do poder que sempre vão atuar contra aquelas pessoas que pensam nas coisas de uma maneira mais ampla. Quer dizer, o poder funciona para certos interesses, sabe, quais são os interesses? Acho que essa é a grande questão. Quem está realmente por trás dessas pessoas?
“Quando as pessoas dizem que não vão sair, é aí que sinto esperança”
O seu trabalho mais recente, Paying the Earth, também diz respeito a disputas territoriais. E aqui no Brasil também há um debate crescente sobre o roubo de terras indígenas. Crimes do tipo não são recentes, mas eles parecem estar sendo mais noticiados atualmente. Ou você acha que eles estão realmente se tornando mais frequentes ao redor do mundo?
Sim, é verdade. Temos essas fronteiras nacionais, digamos o Brasil, mas na verdade existe um projeto de colonização interna, assim como foi no Canadá. Você tem uma fronteira, Canadá, mas então você tem que realmente colonizar o Canadá e você tenta colonizar da maneira que puder. E a terra é e sempre será uma questão. Não vamos conseguir contornar a terra e o apego das pessoas à terra. E os paralelos que se podem ver entre o contexto palestino e o contexto dos povos indígenas no Canadá, no Brasil ou onde quer que seja, é que as pessoas que querem aquela terra, por qualquer motivo, seja um espaço para viver, para manter o seu próprio povo, como no contexto palestino; ou no contexto brasileiro, para derrubar florestas e plantar lavouras, soja, ou criar gado ou o que tiver lá; ou no contexto indígena no Canadá, pelos recursos, é a separação. Você tem que separar as pessoas de suas terras, e há maneiras de fazer isso: ou você as expulsa da terra ou as mata, ou faz uma combinação de ambos, ou tenta culturalmente separar as pessoas de suas terras, como fizeram no Canadá.
Não foi tanto um ataque explícito como tivemos nos Estados Unidos, ou uma série de ataques explícitos. Foi mais algo como pegar as crianças, colocá-las numa escola, quebrá-las, bater nelas quando elas falam suas próprias línguas; você corta qualquer relação delas com sua cultura. Então, quando elas voltam para suas casas, elas não podem mais falar a língua. E em um lugar onde as tradições são transmitidas oralmente, se elas não conseguem mais falar o idioma, elas não vão ouvir o que os anciãos têm a lhes dizer. Assim foi feito lá. Sabe, existem maneiras diferentes, existem maneiras mais sutis. E agora, claro, vemos no Canadá mais um reconhecimento do que aconteceu. Mas você pode passar gerações e gerações pensando “ah, bem, as pessoas indígenas estão nas escolas, isso é bom, elas vão aprender a ler e escrever”. Mas, sabe, há algo mais acontecendo. É um projeto. É um projeto para roubar a terra, obter o que está nela para seus próprios fins. Está acontecendo no Brasil, está acontecendo na Palestina, está praticamente concluído nos Estados Unidos e está acontecendo no Canadá.
E fico curioso, em meio a todos esses casos de extermínio e roubo de terra, você consegue se sentir de alguma forma otimista por um futuro melhor?
Sou otimista porque acho que as pessoas resistem. E acho que nunca podemos dizer que vamos chegar a um ponto em que vamos vencer. É uma luta constante. Você tem sorte se conseguir recuperar algo do que eles tiraram, mas eles sempre tentarão tirar mais de você. Apesar de tudo o que aconteceu com os povos indígenas do Canadá, você vê uma parte da população — algumas pessoas se sentem meio derrotadas, mas uma parte da população resiste, toma consciência, se apega à sua cultura, tenta encontrar força através da cultura. Você vê isso com os palestinos. Quero dizer, olhe o que está acontecendo [em referência aos protestos da população palestina que aconteceram em maio]. Ainda há resistência acontecendo. Os palestinos estão tentando fincar os pés na terra o máximo possível e eles basicamente estão dizendo “não vamos sair”. E quando as pessoas dizem que não vão sair, é aí que sinto esperança. Quando elas vão embora, quando elas se resignam, quando elas cedem, é aí que eu começo a perder a esperança. Mas ainda sinto que em todo o mundo as pessoas fincam os pés na terra. Até no Brasil existe uma reação. Mas é sempre uma luta, que estará sempre conosco.
“A Primavera Árabe foi uma decepção em muitos aspectos, mas ainda não sabemos as consequências dela”
Falando sobre lutas e esperança, a Primavera Árabe completou 10 anos em 2021. Como você analisa esse movimento após 10 anos? Na época, enquanto ocorria, me pareceu muito mais revolucionário e esperançoso do que acabou sendo. Você concorda?
Sim, eu fui uma das pessoas que ficaram extremamente animadas com aquilo. E [a Primavera Árabe] de fato mostrou o poder das pessoas nas ruas. Mostrou quanta força as pessoas têm. Se você olhar para o caso do Egito, por exemplo, eles se livraram de Mubarak [Hosni Mubarak, que foi presidente do Egito entre 1981 e 2011], e isso foi incrível. Mas o problema era que havia outro grupo. Havia a Irmandade Muçulmana, que por muitas décadas vinha construindo um movimento. E era um verdadeiro movimento social, eles estavam ajudando as pessoas. Eles podem ter valores com os quais eu não concordaria, mas eles eram um movimento de longo prazo e meio que sequestraram aquela vitória das pessoas nas ruas, que eram estudantes e pessoas assim. Eles meio que tomaram aquela vitória para eles. E então, é claro, eles estragaram tudo. E o exército está de volta ao poder. Mas há certos lugares que têm correntes opositoras muito fortes. O exército no Egito é muito forte. Ele controla muito da economia. O exército no Egito é uma potência manufatureira, produz geladeiras, tem muito dinheiro e poder. As pessoas meio que esperavam que o exército ficasse do lado delas. E, no fim das contas, não é assim que as coisas funcionam.
Acho que a Primavera Árabe foi uma decepção em muitos aspectos, mas ainda não sabemos as consequências dela. É como se você pudesse falar sobre o Occupy Wall Street, que se inspirou muito na Primavera Árabe. Você pode dizer que [o Occupy] foi derrotado também. Mas quais são as implicações? [O Occupy] ainda mantém algumas brasas acesas de algo vivo? E sim, ainda há ditadores no poder, mas por outro lado, você vê o poder das pessoas nas ruas tentando formular suas ideias. Sabe, é sempre um projeto contínuo. Se você olhar para um período, você pode dizer “ah, foi derrotado”. Mas, em outro sentido, o que disso ainda veremos no futuro? O que isso vai inspirar no futuro? Não podemos realmente dizer.
O foco dos seus trabalhos costuma ser na perspectiva civil em cenários de conflito. Você evita, por exemplo, expor vozes oficiais. Por que essa sua opção em tratar de conflitos globais pelo ponto de vista de civis e de pessoas que costumam não ser ouvidas por grandes meios de comunicação?
Para ser honesto, é algo meio acidental, porque quem sabe o que eu teria sido se tivesse saído imediatamente, quando me formei em jornalismo, quem sabe que tipo de jornalista eu seria, se tivesse ido direto para a grande mídia. Digamos que eu trabalhasse para a NBC News. Eu provavelmente teria me tornado um jornalista que estaria nos corredores do poder falando com os poderosos. E eu provavelmente teria aceitado muitas das opiniões deles e teria reportado a um chefe da grande mídia que queria certas histórias. Felizmente, eu não tinha dinheiro, nada por trás de mim, nenhuma grande instituição me dando apoio. Então, sempre que eu ia aos lugares, eu meio que encontrava meu próprio caminho. E a única maneira de encontrar meu próprio caminho foi viver com muito pouco. Nunca pude pagar para me hospedar em hotéis com os outros jornalistas; eu tive que morar ou ficar em albergues, ou tive que alugar um quarto na casa das pessoas, como na Bósnia, em que morei com uma pessoa idosa que estava alugando um quarto. Então você começa a ver as pessoas nesse nível. Eu não estava passando meu tempo com outros jornalistas. E não tenho nada contra isso necessariamente, mas eu simplesmente via uma perspectiva diferente, e essa se tornou minha perspectiva. E sou muito grato por isso. Honestamente, sou grato por não ter começado a trabalhar com uma grande instituição por trás de mim. Isso me faz pensar que talvez… Não sei, não me dou tanto crédito, eu poderia ter me tornado um tipo de pensador muito convencional. Mas quando você está se misturando com as pessoas, quando você está frequentando os cafés delas, quando você não tem grana para tomar um drinque no Holiday Inn ou seja lá o que for, você está em uma seara diferente. E esta seara meio que se torna aquilo em que você se interessa, aquilo a que tem acesso. E isso se torna uma história sobre os civis, sobre as pessoas que não têm nada, porque você meio que não tem nada. Sabe, você está meio que nessa mistura. Agora, tudo isso dito, não sou necessariamente contra estar com as forças militares. Estou interessado em como eles percebem as coisas. Não passei muito tempo com as Forças de Defesa de Israel, mas passei alguns dias com elas em Rafa [cidade palestina na Faixa de Gaza]. E passei algumas semanas com fuzileiros navais norte-americanos no Iraque. Sabe, eu sou um jornalista. Estou interessado em tudo.
“Para mim, entreter é, na verdade, fazer alguém querer continuar lendo”
Palestina foi muito importante para a minha formação como leitor de quadrinhos, li o seu livro quando tinha 15 anos. E uma coisa que me impressionou muito na época eram os seus designs de página e como você mesclava os textos com a arte. Depois, quando estudei jornalismo tive várias aulas tratando de hierarquização de informação. Enfim, como você pensa e constrói uma página? Como você administra a relação entre textos, ilustrações e as informações que você quer passar? Não sei se faz sentido, talvez eu esteja querendo saber o grande segredo por trás dos seus trabalhos…
Esta é uma pergunta interessante… Não é uma questão de design, não se trata de pensar em desenhar uma página. Obviamente, desenhar [a página] é importante e é divertido e tudo mais. Mas, na verdade, é uma questão de atitude. Eu estudei jornalismo, assim como você, mas os livros que realmente me cativaram, no que diz respeito a livros de jornalismo, foram as obras de pessoas como Hunter S. Thompson ou Michael Herr, que escreveu um livro chamado Dispatches, sobre a Guerra do Vietnã. Eles tinham uma atmosfera. E eu li outros livros sobre a Guerra do Vietnã escritos por jornalistas realmente bons. Eles me deram informações realmente boas, mas não me deram esse gosto na boca de como era estar ali. E se você leu Michael Herr ou leu Hunter S. Thompson, talvez Fear and Loathing [in Las Vegas] no contexto da campanha eleitoral da eleição de 1972 nos Estados Unidos, é um livro incrivelmente apaixonante, incrivelmente engraçado, ele vai removendo as camadas de baboseira e está realmente entrando nisso. Mas, por outro lado, Hunter S. Thompson realmente entendia o projeto eleitoral norte-americano e realmente se importava com os Estados Unidos. E toda aquela paixão, você pode sentir na página.
Então, de certa forma, é meio que pegar essa atitude e colocá-la nos desenhos. Não se trata apenas de informações secas. Na verdade, é tão fácil entediar as pessoas com jornalismo. É tão fácil transformar um tema muito interessante como a Palestina em um trabalho longo e arrastado. E toda a minha ideia era que [o quadrinho] não seria um trabalho longo e arrastado. Seria algo que alguém vai continuar virando a página. E eu não uso essa palavra levianamente, mas tem que ter algo de entretenimento. E não digo isso de maneira frívola; para mim, entreter é, na verdade, fazer alguém querer continuar lendo. Isso é entretenimento para mim. Como se você estivesse muito envolvido naquilo. É atraente. E foi isso que tentei fazer, e por isso não é tanto uma questão de como eu desenho uma página. É mais sobre qual estética estou trazendo para esse desenho.
“[O livro sobre os Rolling Stones] É sobre muitas coisas que sempre estiveram na minha mente, mas que não se enquadram bem nos limites do jornalismo”
Falando sobre entretenimento, li que você está trabalhando em um livro sobre os Rolling Stones. Você tem reportagens sobre artes e música, mas é conhecido principalmente sobre suas obras tratando de conflitos. O que você pode contar sobre esse próximo projeto? O que difere entre a produção de um trabalho político e uma obra sobre artes e cultura?
Bem, o livro dos Rolling Stones meio que começou como um livro sobre os Rolling Stones, mas realmente se tornou algo que, não sei como dizer exatamente, mas ainda é sobre um conflito. É sobre muitas coisas que sempre estiveram na minha mente, mas que não se enquadram bem nos limites do jornalismo. Porque, com jornalismo, você se interessa pelo fato, pelo que aconteceu aqui, quem fez o quê a quem. É disso que se trata Palestina. É sobre tentar chegar a um conjunto de coisas que podemos dizer que são fatos e descobrir o que está acontecendo, o que está ligado a isso. Mas há muitas coisas que um escritor de ficção pode fazer que um jornalista nunca pode fazer. Porque se um jornalista não consegue provar… Um jornalista pode descobrir isso e descobrir aquilo, mas não pode realmente ligar esses pontos. Mesmo que o jornalista saiba que eles estão conectados, ele não pode provar isso. Enquanto um escritor de ficção pode fazer isso. Estou me movendo em um espaço que não vou chamar de ficção, mas um espaço de uma espécie de ensaio onde estou pensando mais sobre a psicologia humana, por que as coisas são como são, em lugar de pensar quem fez o quê a quem. É disso que se trata o livro dos Stones. Além disso, espero que seja muito divertido. Estou curtindo muito, mas é mais profundo do que inicialmente pensei que seria. Tornou-se algo realmente muito maior. É muito difícil para mim descrever o que ele é.
E você já tem alguma previsão de lançamento?
Bem, se eu continuar trabalhando nele nesse ritmo, provavelmente você o veria em três anos. Mas a questão é que tenho um livro de jornalismo estrito que tenho que terminar, então tenho que interromper [o trabalho no livro dos Stones]. E esse livro é sobre uma revolta que ocorreu na Índia. Então eu ainda tenho meus projetos de jornalismo, mas eu meio que preciso desse livro [dos Stones] porque os diários e projetos, depois de um tempo, ficam muito pesados, o jornalismo rigoroso é muito pesado, então eu preciso do livro dos Stones também.
adorei ler a sua entrevista, me deixou com vontade de conhecer mais sobre Sacco e sobre o seu trabalho, obrigada.