Está marcada para o próximo fim de semana, dias 12 e 13 de outubro, em Belo Horizonte, a primeira edição da Feira Canastra de publicações independentes. Com entrada gratuita, o evento será realizado no espaço CentoeQuatro (Praça Rui Barbosa, 104), nos dois dias a partir das 11h e reunindo 64 expositores entre selos, editores e artistas independentes. Você confere a lista completa com o nome dos expositores e outras informações sobre a feira na página do evento no Facebook.
“Vamos trazer feirantes de várias outras cidades, numa pequena amostra do que tá sendo produzido no país, o que até agora a gente não via muito por aqui”, explica um dos coorganizadores da Canastra e um dos editores da revista Zica, Luiz Navarro, em papo por email com o blog.
Idealizador da feira ao lado da editora Ana Rocha, responsável pela Polvilho Edições, Navarro conta no papo a seguir como foi definida a linha curatorial do evento, fala sobre a decisão de sediar a Canastra no centro de Belo Horizonte e ressalta a importância de um festival de publicações independentes em tempos de crise do mercado editorial e de conservadorismo aflorado no país. Papo massa, saca só:
“A nossa principal expectativa é que os belo-horizontinos conheçam e despertem mais a atenção para o que tá sendo produzido em publicações independentes fora daqui”
Você pode falar, por favor, um pouco sobre o ponto de partida da Feira Canastra? Como esse projeto teve início? Quem são as pessoas envolvidas na produção do evento?
A Canastra surgiu do desejo que nós, produtores de publicações de BH, sempre tivemos de realizar uma feira que estivesse dentro do circuito de feiras que já rola no Brasil há alguns anos, mas que a cidade ainda não estava inserida. Tanto eu, João [Perdigão] e Batista, pela Zica, ou a Ana Rocha, da Polvilho Edições, já participamos de várias feiras em outras cidades, mas a gente sentia que faltava uma feira em que quem é de BH pudesse conhecer o que tá sendo produzido em publicação independente e experimental em outras cidades. Do mesmo jeito, vários publicadores de outras cidades nos perguntavam sobre uma feira por aqui. As vezes a gente tem a impressão de que a cidade tava meio isolada, nesse sentido. Fizemos algumas pequenas feiras no esquema “na tora” há alguns anos atrás, como a Feira Gráfica, mas faltava realizar uma feira com uma produção um pouco melhor, com uma estrutura melhor. Pra Canastra, estamos envolvidos eu e a Ana Rocha, que idealizamos a feira e a sua identidade, o João Perdigão, que sempre esteve com a gente e tá ajudando na produção, a Isadora Moema, que tá ajudando muito com a divulgação, o Gabriel Caram e o Tarley McCartiney, que também tão ajudando na produção e vão produzir um mini doc sobre a feira, e a Renata da Matta, que tá fazendo a cenografia.
Belo Horizonte tem uma tradição de eventos relacionados a quadrinhos e publicações independentes, penso principalmente no FIQ e na Faísca. Como a Feira Canastra se diferencia desses outros eventos?
O FIQ e a Faísca são incríveis pelo público que alcançam e em como já conquistaram afetivamente os belo-horizontinos. O FIQ é um evento enorme, produzido pela própria prefeitura de BH, com vinte anos de história e um público imenso, de massa, com presença de grandes editoras do mercado. Eu mesmo lembro quando era adolescente e ficava fascinado em frequentar um evento assim, destinado só aos quadrinhos, na minha cidade. E a Faísca tem um mérito maravilhoso de agregar os produtores não só de publicações, mas também muitos jovens artistas visuais de BH. Com uma periodicidade mensal, a Helen e o Jão (os criadores) conseguiram envolver o público de um jeito muito especial. E não para por aí: BH tem vários outros eventos dedicados a literatura, como as feiras Textura e Urucum, o Festival Literário Internacional (FLI-BH), o Salão do Livro Infanto Juvenil, a Primavera Literária e o Festival Livro na Rua. Já a Canastra se difere um pouco destes todos porque tem um recorte e uma curadoria inédita que a gente considera muito importante, que são as publicações independentes e experimentais de pequenos coletivos e editoras do Brasil inteiro, seja em artes gráficas, fanzines, quadrinhos ou literatura. Não se limita a isso, mas é essencial para definir a nossa identidade. Vamos trazer feirantes de várias outras cidades, numa pequena amostra do que tá sendo produzido no país, o que até agora a gente não via muito por aqui.
“Estamos investindo no estímulo de um mercado que aparentemente é considerado agonizante, que é o mercado editorial”
Aliás, qual análise vocês fazem da cena de publicações independentes de Belo Horizonte? Há algum movimento ou alguma tendência local que chame a atenção de vocês?
Belo Horizonte é uma cidade com um cenário cultural muito rico. É impressionante a quantidade de artistas, seja das artes visuais, música, literatura, teatro e etc, que estão produzindo – e produzindo com muita qualidade. Nas publicações independentes não é diferente. Temos muito boas pequenas editoras, como a Relicário e a Chão da Feira, que estão produzindo livros com um apuro editorial excelente. Temos alguns coletivos de criação gráfica muito bons também, como a Entrecampo, que tá investindo muito na pesquisa em risografia, ou a Tipografia do Zé e a 62 Pontos, que têm um trabalho incrível também. Ao mesmo tempo a gente tem a Polvilho, com livros de artista, ou A Zica, uma publicação underground. E mais um monte de artistas e coletivos surgindo e fazendo coisas diferentes. Daí, não dá pra falar numa tendência única. A gente tem é diversidade mesmo e isso é muito bom.
Por que fazer a Feira Canastra na Praça Rui Barbosa? Por que essa opção pelo centro de Belo Horizonte?
O centro de BH é uma região que passou por uma ressignificação muito importante nos últimos anos. Houve um movimento de reocupação do espaço público pela juventude e pela periferia que começou ali do lado, na Praça da Estação, com eventos como a Praia da Estação, o Duelo de MCs e o carnaval de rua. É um lugar democrático, de relativo fácil acesso a diversos pontos da cidade e isso é muito importante. Além disso, o espaço do Centoequatro é um lugar ideal para receber um evento como uma feira de publicações por se tratar de um prédio histórico, amplo e confortável.
“Talvez agora seja o caso de pensar um pouco mais alto, de como popularizar a leitura e o acesso ao livro”
Qual a expectativa de vocês para essa primeira edição da Feira Canastra?
A nossa principal expectativa é que os belo-horizontinos conheçam e despertem mais a atenção para o que tá sendo produzido em publicações independentes fora daqui. E que esse momento sirva também como uma oportunidade para que os produtores de outras cidade conheçam melhor o que tá sendo produzido aqui – e vice-versa, que o pessoal daqui se inspire com o que vem de fora também – e assim surjam amizades, parcerias e intercâmbios criativos, que é das coisas mais legais em feiras de publicação.
Desde o dia 1º de janeiro de 2019 o Brasil é governado por um presidente de extrema-direita, militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista que reflete muito do que é a nossa sociedade hoje. Qual vocês consideram o papel de uma feira independente como a Canastra dentro desse contexto?
Produzir uma feira de publicações independentes, além do esforço quase heróico de se produzir cultura no Brasil, é um ato político por vários motivos. Estamos produzindo uma feira de publicações com recursos públicos e dando espaço para uma curadoria bem democrática e diversificada: diversas editoras e publicações enfocam conteúdo relacionado à temática LGBT, protagonismo feminino ou inclusão racial, por exemplo. Vários são jovens artistas que vêm da periferia. É muito importante que a gente crie estes espaços de produção. E, além disso, há a micropolítica. Estamos investindo no estímulo de um mercado que aparentemente é considerado agonizante, que é o mercado editorial. Isso tem uma complexidade interessante: o mercado editorial tradicional realmente está em crise, mas a produção independente é efervescente. Ela segue forte e cada vez mais rica e diversificada, com produções muito sofisticadas ou experimentações muito boas. O público está atento a isso e responde muito bem, a gente vê isso claramente nas feiras. E estamos falando de produções em papel, produções impressas, que estavam teoricamente condenadas a desaparecer. Mas, pelo contrário, as pessoas tem um apreço muito especial ao que é feito com apuro gráfico e editorial, com uma materialidade física, que se pode tocar. As pessoas gostam disso. É um contraponto à ditadura hipnótica do conteúdo digital onipresente que a gente vive. Isso, pra mim, é micropolítica no melhor sentido. Sem contar que em uma feira o público tem contato direto com o artista, o autor ou o editor. Isso é muito relevante. É verdade que o público ainda é muito restrito. Infelizmente, no Brasil, o hábito de leitura é muito pequeno. Isso acontece não porque um livro é caro: não se lê porque nunca houve estímulo real ao hábito de leitura. É uma questão cultural, fruto de décadas de precarização da educação básica, e sem perspectivas de boas mudanças por enquanto. Mas, se estamos aqui investindo em publicação independente, podemos ser um pouco loucos mas estamos tentando fazer a nossa parte. Talvez agora seja o caso de pensar um pouco mais alto, de como popularizar a leitura e o acesso ao livro. Desconfio que já tem gente pensando nisso. Os quadrinhos, por exemplo, são uma ótima alternativa nesse sentido, pois têm um apelo e uma aceitação pelo público muito bons e um potencial de narrativas e experimentações gráficas incríveis