Papo com Mariko Tamaki, vencedora do prêmio Einser de Melhor Graphic Novel em 2015 por This One Summer

Mariko e Jillian Tamaki foram as grandes vencedoras da 27ª edição do Will Eisner Comic Industry Awards, realizado no início de julho, na Comic Con de San Diego. As duas primas canadenses levaram para casa o troféu de Melhor Graphic Novel por This One Summer. A coroação da obra com o prêmio máximo da indústria de quadrinhos norte-americana não foi surpresa após o título ter sido aclamado ao longo dos últimos 12 meses como um dos grandes trabalhos publicados ano passado. A Publisher’s Weekly havia eleito a história em quadrinho um dos melhores livros de 2014. As autoras foram as primeiras quadrinistas a receberem a Medalha Caldecott entregue anualmente pela Association for Library Service to Children e também levaram o prêmio Printz, dedicado a reconhecer a excelência literária de livros para jovens adultos. Em fevereiro elas ganharam o Ignatz Award de Melhor Graphic Novel, entregue na Small Press Expo, dedicada a quadrinistas independentes.

Li This One Summer no primeiro semestre de 2014 e desde então vinha tentando entrar em contato com as duas quadrinistas. Consegui finalmente o email de Mariko, a roteirista da obra, no final do ano passado. Mandei minhas perguntas após ela topar a entrevista, mas já havia descartado qualquer possibilidade de resposta após quase oito meses de espera. O retorno veio inesperadamente, na semana que a artista recebeu o Eisner.

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Formada em literatura, Mariko também é autora dos livros Cover Me e dos quadrinhos Skim e Emiko Superstar. Publicado em 2008, Skim foi o primeiro trabalho da escritora em parceria com sua prima desenhista Jillian. Sobre a rotina de uma jovem de 16 anos descendente de japoneses em uma escola católica de Toronto, a HQ ganhou em 2009 os prêmios Ignatz, Joe Shuster e Doug Wright. Ainda assim, a obra-prima da dupla até agora foi This One Summer. O título mostra alguns dias na vida de duas amigas de férias na praia. Às vésperas do início da adolescência, as meninas testemunham e vivenciam novas experiências enquanto observam a interação entre seus pais e um grupo de adolescentes que mora no local. Além dos conflitos de seus familiares, elas observam a gravidez inesperada de um jovem casal, composto por uma garota e um rapaz que elas batizam de Dud.

Segundo os assessores da editora First Second, responsável pelo livro na América do Norte, a HQ continua com seus direitos disponíveis para o mercado brasileiro (Post atualizado: segundo dois leitores do blog, uma editora brasileira comprou os diretos e pretende lançar o quadrinho em breve. No entanto, até o anúncio oficial do livro em português, continua valendo a resposta dada pelos assessores da editora norte-americana). Por enquanto, é possível ler o quadrinho em sua edição portuguesa, lançada pela Planeta Tangerina como Finalmente o Verão. Seja como for, em português ou inglês, não perca tempo e corra atrás de This One Summer. Com uma arte linda com tons de azul que amplificam ainda mais o tom melancólico do texto de Mariko, o álbum é clássico moderno. Sua abordagem não deve em nada a outras pérolas recentes do gênero, como Fun Home, Blankets, Clumsy e Stitches. Segue a minha conversa com a Mariko Temaki:

Li que This One Summer é inspirado em algumas de suas memórias como criança. Há muitos quadrinhos biográficos sendo lançados. Você vê algum motivo particular para isso?

This One Summer foi inspirado nas memórias que tenho da minha vida no campo quando era criança. Mas definitivamente não é uma memória ou uma biografia. Não consigo explicar a razão de existirem mais dessas histórias hoje em dia. Acredito que editores, bibliotecas e professores estão dando cada vez mais atenção a graphic novels atualmente, o que vejo como algo muito bom.

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Você teve alguma influência literária em particular mais forte em This One Summer? Algum livro ou quadrinho biográfico ou de formação que tenham influenciado de forma mais intensa a produção do livro?

Sou bastante influenciada por escritores como Margaret Atwood, Alice Munro, Timothy Findley e Margaret Laurence. Eu sempre fui uma fã intensa de ficção canadense, o que continua a acontecer com minha obsessão em Lynn Coady e Emily Schultz. Não acho que nenhum desses sejam autores de romances de formação, mas todos contam histórias sobre família, relacionamentos e perdas. São trabalhos sempre complexos, com finais pouco ‘sólidos’, em que tudo fica amarrado em um lindo laço. Muito do que me levou a essa escrita foi o quanto ela me soava mais observacional do que dramática. Nunca senti, enquanto lia os livros desses autores, que eram histórias criadas por alguém. Elas soavam ‘reais’ para mim, o que quer que isso signifique. Vindas das entranhas.

Foi muito difícil para você lembrar e reproduzir a forma como você pensava e falava quando era criança para criar os textos e diálogos dos livros?

Não, sei lá por qual motivo, mas não foi muito difícil. Acho que para mim não é tanto sobre escrever como criança e mais sobre escrever o que vejo ou penso acontecendo em uma cena.

Há algum motivo particular no uso dos tons de azul no livro?

Foi uma escolha da Jillian. Eu amei.

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O livro foi um grande sucesso de crítica. Há alguma resenha ou comentário que tenham chamado a sua atenção?

Um garoto, de uns 12 anos, me disse que o Dud foi traído pela namorada. Eu tentei argumentar um pouco, mas ele parecia ter muita certeza e achei melhor deixar pra lá.

This One Summer é protagonizado por duas garotas e foi criado por você e Jillian. O quão avançado em termos de igualdade de gênero você vê o mercado de quadrinhos?

Eu acho que está melhorando. Ainda assim, na minha opinião, sempre pode ficar AINDA MELHOR.

Os quadrinhos norte-americanos têm uma grande tradição de obras indies, autorais e underground. Ainda assim, nos últimos anos, parece que esses trabalhos estão chegando a novos públicos além do leitor usual de quadrinho. Você percebe essa mudança?

Eu acho que as graphic novels estão ganhando cada vez mais relevância. Passei um tempo tentando entender a dinâmica desse mercado, mas ele é bastante complicado.

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Como é a dinâmica do seu trabalho com a Jillian? Vocês trabalham juntas no roteiro da história?

Nos nossos últimos dois trabalhos eu fui a responsável pelo conceito da história, mas o resultado final é um trabalho em colaboração a partir das minhas ideais originais, passando pelo roteiro (com as narrações e diálogos) e as criações da Jillian com ilustração. Nesse livro fizemos várias edições e tivemos muitas discussões até chegar na versão final da história para que a Jillian entrasse plenamente no modo desenhista.

Há muitos artistas independentes chegando a grandes editoras e outros tantos que continuam publicando por conta própria. Foi muito difícil para vocês conseguir uma editora para o livro?

Nós tivemos muita sorte com as nossas editoras – This One Summer foi lançado nos Estados Unidos pela First Second e no Canadá pela Groundwood. Ainda assim eu acho que com certeza há alguns benefícios para autores de quadrinhos que se autopublicam. É uma forma de publicar que não existia de forma muito forte quando eu comecei. Acho que torna um trabalho ainda mais único.

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

4 comentários

  1. Só uma correção: Os direitos já foram adquiridos para o mercado brasileiro há alguns meses e o lançamento do livro no Brasil deve ser divulgado em breve.

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