Papo com Ricardo Coimbra

Sempre fico na seca de conversar mais com alguns dos entrevistados de algumas matérias que faço. No caso do meu texto sobre os quadrinistas independentes de Sp, queria trocar mais ideia com todas as fontes. Vou tentar aos poucos postar uns papos que estou tentando ter por email com alguns deles. Comecei pelo Ricardo Coimbra, que me foi apresentado pelo Rafael Roncato – outro personagem que acho importante pra caramba nesse cenário todo. Quem quiser ver mais alguns trabalhos do Ricardo é só conferir o blog dele.

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No nosso papo pra minha matéria no jornal você disse que se considerava uma “prostituta dos quadrinhos” e que preferia não levar muito a sério sua profissão. Por que essa postura?

Na verdade, a história de prostituta dos quadrinhos foi mais uma brincadeira pra que eu pudesse me encaixar no briefing da matéria. Como eu tinha escolhido a Augusta como cenário, resolvi me colocar vendendo meu trabalho no meio das prostitutas. No início era pra ser só uma piada com o fato de que ganhar a vida como cartunista não é fácil mas acabou se adequando a essa provocação que eu gosto de fazer com esses defensores da classe, que ficam por aí exigindo respeitabilidade. Acho isso muito chato porque pra mim um dos pilares do humor é auto depreciação. Não dá pra sair por aí debochando de tudo e não se incluir. Acho que tudo é passível de virar piada. Principalmente os próprios cartunistas.

Na outra vez que conversarmos já tinha percebido isso e você voltou a falar: o seu foco é humor. Você nunca produziu algo que não fosse cômico? Nunca pensou em investir em outro gênero?

Confesso que na maioria das vezes acabo indo na direção da galhofa mesmo. Mas não é sempre. Algumas tiras, vendo depois, soam meio amargas, ressentidas, outras meio chiliquentas. Acho que o que rola é que penso as tiras como uma observação minha a respeito de um assunto qualquer, independente de ser engraçado. Gosto quando sai engraçado mas não me sinto obrigado a fazer ninguém rir. Tenho um projeto de escrever uma história mais longa que deve ser ilustrada por um amigo. A coisa está engatinhando ainda, não sabemos como vamos editar e nem temos prazo, mas, pelo andar da carruagem, não me parece que sairá uma história humorística.

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Você publica seus trabalhos no blog e vejo que você tem um retorno muito legal das tiras que posta no facebook. Para esse próximo trabalho você disse não ter prazos nem editora. Você sente falta de ter algum trabalho impresso? Você gostaria de ver esse projeto novo do papel? Pode adiantar algo mais sobre ele?

Realmente, o Facebook tem se mostrado uma ferramenta fantástica para a divulgação de quadrinho, sobretudo tirinhas. Muita gente que não conhecia meu trabalho pelo meu blog, está conhecendo pelo Facebook. Mas admito que tenho esse fetichismo pelo material impresso, vontade de ver o meu trabalho numa revista, num livro, num jornal. Esse projeto em que estou trabalhando ainda é uma coisa muito embrionária, temos uma sinopse legal mas é só isso. Provavelmente será uma história policial meio sombria no estilo graphic novel e é claro que eu gostaria de ver impresso mas ainda é muito cedo pra afirmar qualquer coisa. De projeto editorial concreto mesmo, só a revista XULA, projeto editado pela Luciana Foraciepe (dona da página Maria Nanquim no Facebook), que deve sair mês que vem. Além de mim, contará com o Bruno Maron, o Bruno Di Chico e o Calote, que são caras geniais de quem eu já era fã antes de conhecer pessoalmente. Já está quase indo pra gráfica e é a minha grande aposta pra esse ano.

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Há esse projeto seu, eventos acontecendo (como a Feira Plana), lojas que dão espaço para publicações independentes e muita gente produzindo/publicando/postando. Você acha que dá pra falar de uma cena ou de alguma movimentação fora do comum no mundo das HQs nacionais?

Não sei se dá pra falar de uma cena mas é indiscutível que a internet e as possibilidades de auto-publicação e financiamento coletivo deram um gás na produção de quadrinhos. Tem muito projeto rolando, muitos coletivos, a variedade de gêneros e estilos é grande e tenho visto cada vez mais gente interessada pela coisa, seja produzindo, seja consumindo. Acho que tá rolando um frissonzinho que talvez se transforme em algo maior. Não dá pra saber o que vai acontecer. Sempre que as pessoas abordam esse assunto vejo a coisa cair na questão de mercado, como ganhar dinheiro com isso e tal, mas o que eu acho fascinante mesmo é a chance de mostrar um trabalho autoral, uma coisa honesta, verdadeira e sabendo que vai ter público, que tem gente lendo, comentando. Não apenas como um produto, mas também como a expressão do pensamento de uma geração, quem sabe. Outro dia, conversando com um amigo ele disse uma coisa que achei interessante, que talvez blog de tirinha seja a banda de garagem da molecada de hoje.

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Suas tiras têm alguns alvos muito bem definidos né? Coxinhas, burocratas, militares, pessoas proativas, religiosos e ateus xiitas,…você consegue pensar num padrão ou algum termo que defina todas essas pessoas?

Acho que todos eles padecem do mesmo mal que é o excesso de motivação. Essa coisa de estar sempre acelerado, empolgado, pilhado, realizando, interferindo, construindo, empreendendo, essa coisa bem do nosso tempo. Seja o religioso que se acha no direito de lhe dizer como viver sua própria vida, seja o funcionário de almoxarifado que veste a camisa da empresa, seja o ateu catequizador, seja o coxinha que idolatra uma marca de cerveja importada, seja o militar protegendo a “ordem”, o que eu vejo em todos eles é aquela perseverança típica do imbecil que tem uma certeza. E pior: existe a mistura dessa cultura da proatividade com a cultura da alta performance. Ou seja, o cara não é simplesmente um chato que não sossega e não deixa as pessoas em paz, ele é tudo isso e em altíssima rotação. Hoje em dia até o chato tem que ser eficiente. Me lembro que uma vez li uma frase do Arnaldo Branco em que, se não me engano, ele dizia que o que estava faltando no mundo era as pessoas cultivarem mais o desencorajamento como um valor. Acho que é por aí.

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Ramon Vitral

Meu nome é Ramon Vitral, sou jornalista e nasci em Juiz de Fora (MG). Edito o Vitralizado desde 2012 e sou autor do livro Vitralizado - HQs e o Mundo, publicado pela editora MMarte.

16 comentários

  1. Nunca fui muito fã de quadrinhos e não entendo do assunto. Mas desde que passei a acompanhar mais blogs do que jornais, dois sites de quadrinhos entraram meu bookmark: este do Ricardo e o “Dinâmica de Bruto”. Vocês poderiam me indicar outros site legais na mesma linha?

  2. Muito boa a entrevista.
    Percebe-se que ambos estão à vontade. Deu-se uma geral nas idéias do Ricardo que, numa boa, ampliou nosso conhecimento sobre este (bom), autor.
    Parabéns a (graciosa!!), entrevistadora.
    Vida longa aos quadrinistas e, às jornalistas.

    Abraços!

    • Ramon, não tenho como apagar a bagaça.
      Me confundi achando que a entrevista era da Wila.
      Assim que, tirando o “à (graciosa!!), entrevistadora”, e trocando pelo ‘excelente entrevistador’ e o ‘às jornalistas’ por um ‘os jornalistas’, mantenho minha opinião sobre a ótima qualidade da entrevista.
      Abraços, e desculpe-me a gentil senhora Coimbra.

  3. “[…] o cara não é simplesmente um chato que não sossega e não deixa as pessoas em paz, ele é tudo isso e em altíssima rotação.[…]”

    Demais, nada mais a declarar, ótima entrevista!

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