As 132 páginas da 17ª edição da revista Café Espacial estão dividias em 15 histórias em quadrinhos e três textos. Criada em 2007 pelo editor Sergio Chaves e pela jornalista Lídia Basoli, a revista é uma das publicações independentes de quadrinhos mais tradicionais do país e retorna às lojas após um período de pouco mais de um ano de hiato.
“A Café Espacial segue seu papel de contracultura, apresentando narrativas sobre a vida e o mundo a partir de diversos pontos de vista e linguagens artísticas”, sintetiza Chavez em relação ao que ele acredita ser a linha editorial da publicação capitaneada por ele. “É uma maneira de se fazer política a partir do que a gente gosta e acredita”.
Eu havia conversado com o editor da Café Espacial em fevereiro, quando entrou no ar a chamada para publicação da revista e voltei a entrevistá-lo agora, com a chegada da 17ª às lojas especializadas. Conversamos sobre o processo de seleção dos trabalhos impressos na revista, sobre o recorte desse número e o futuro da publicação.
Chavez também contou um pouco sobre o álbum Entre Cegos e Invisíveis, novo trabalho do quadrinista André Diniz que será lançado pelo selo Café Espacial na Comic Con Experience 2019.
Listo a seguir os nomes dos colaboradores da Café Espacial #17 e depois compartilho a íntegra da minha entrevista com o editor da revista. Ó: Sergio Chaves, Lídia Basoli, Jefferson Cortinove, Aline Zouvi, Alberto Pessoa, Ana Vieira, André Diniz, Brian Janchez, Camila Suzuki, Carol Ito, Débora Cassolatto, Diogo Hayashi, Fabrina Martinez, Gabriela Güllich, Germana Viana, Jéssica Reinaldo, Henrique Magalhães, Laudo Ferreira, Leonardo Pascoal, Liber Paz, Lielson Zeni, Luiza Nasser, Marta Teives, Matheus Aguiar, Milton Mastabi Filho, Pablo D’Alio, Panhoca e Reno.
(na arte que abre o post, quadros de Experiência de Quase-Morte, HQ de Lielson Zeni e Milton Mastabi Filho publicada na Café Espacial #17)
“A 17ª edição deixa claro que a retomada da revista veio em boa hora”
Nós fizemos a nossa primeira entrevista em fevereiro, quando você anunciou a convocatória pra Café Espacial #17. Essa segunda entrevista tá rolando em novembro, poucas semanas após a revista chegar às lojas. Você já parou para fazer um balanço dessa edição?
Ainda não fiz um balanço tão preciso, mas durante o processo mesmo ficou claro que seria uma edição marcante na trajetória da Café Espacial, pois trata-se de uma consequência direta de várias coisas que estão acontecendo atualmente. Na minha opinião, a 17ª edição deixa claro que a retomada da revista veio em boa hora.
O que mais te surpreendeu nessa 17ª edição da Café Espacial? Há algum trabalho específico que te marcou de alguma forma em particular?
Acredito que não, na verdade. Seja direta ou indiretamente, todos os trabalhos apresentam um olhar, uma reflexão sobre o atual momento do país. Mas não há, para mim, um destaque na edição. Cada trabalho cumpre seu papel, funcionando exatamente onde está posicionado na publicação e dando o ritmo ideal da edição como um todo.
“Nosso posicionamento político nunca ficou tão evidente como agora”
Lá em fevereiro eu te perguntei “como é o processo de seleção das obras que acabam impressas na revista?”. No editorial dessa 17ª edição você falou em mais de 1500 páginas recebidas, então agora eu gostaria de saber: como foi esse processo pra esse novo número?
Muito intenso. A quantidade recebida foi surpreendente e foi necessário nos reorganizar para cumprir o lançamento no último trimestre do ano, como queríamos. A nova edição da Café Espacial conta com 15 HQs e também com três textos (um conto literário e dois textos ilustrados, sendo um sobre música e outro, cinema). E mesmo aumentando o número de páginas de 100 para 132, muitos trabalhos acabaram ficando de fora por conta de espaço, como sempre acaba acontecendo.
Lá em fevereiro você falou sobre como não está habituado a delimitar muito a linha editorial da revista. Mas imagino que cada edição tenha um perfil, uma cara, para você. Como você sintetiza essa 17ª edição?
Acredito que nosso posicionamento político nunca ficou tão evidente como agora. Nada partidário, óbvio, até porque não somos, mas esse novo número foi fundamental não nos calarmos diante desse governo medíocre.
A Café Espacial não é um produto, mas sim um processo que vai além da publicação impressa. Em meio a essa cultura de restrições e desumanização do outro, a Café Espacial segue seu papel de contracultura, apresentando narrativas sobre a vida e o mundo a partir de diversos pontos de vista e linguagens artísticas. É uma maneira de se fazer política a partir do que a gente gosta e acredita. Então a 17ª edição compartilha dessa lógica.
“Nunca vi tantas coisas interessantes acontecendo no cenário de HQs no Brasil”
A primeira edição da Café Espacial é datada de 2007. Nesses seus mais de 12 anos trabalhando como editor e curador de quadrinhos no Brasil, quais você considera as principais mudanças e transformações que viu rolando na cena nacional de HQs?
Acho que eu nunca vi tantas coisas interessantes acontecendo no cenário de HQs no Brasil. Antigamente, tinha uma coisa aqui, outra ali. Hoje em dia, é até difícil de acompanhar mesmo que parcialmente a produção nacional.
E o que você vê de mais interessante rolando hoje nos quadrinhos brasileiros?
Sem dúvida, a diversidade, tanto em temática, gênero ou mesmo soluções gráficas. Vejo um maior número de pessoas pensando e se expressando por meio das histórias em quadrinhos e indo muito além do próprio meio. E isso contribui para inspirar outras pessoas a se organizar e somar ao cenário atual. Isso é fundamental.
“Entre Cegos e Invisíveis é uma ficção que tem como cenário a ditadura militar brasileira”
Aliás, você esteve em Portugal e há toda uma leva de publicações brasileiras chegando lá – em alguns casos, obras de autores brasileiros que saem até antes lá do que aqui. Como você vê a percepção do quadrinho brasileiro em Portugal?
Parece que sempre houve boa abertura por parte dos leitores portugueses para as produções brasileiras, mas hoje há um espaço muito maior para os autores daqui. Boa parte dessa ampliação se deve ao trabalho do editor Rui Brito, da editora Polvo, que conta com muitos autores brasileiros em seu catálogo, mas de modo geral a diversidade dos quadrinhos brasileiros é vista com muito interesse. Conhecer o Festival de Amadora neste ano só deixou isso muito mais claro. A produção portuguesa é também muito interessante e seria muito bom se tivéssemos no Brasil uma abertura maior para essa troca. Já faz um bom tempo que a Café Espacial publica autores portugueses e mantém uma boa relação com Portugal. A ideia agora é estreitar essas relações cada vez.
O que você pode adiantar sobre a edição brasileira de Entre Cegos e Invisíveis? Como foi o processo para trazer essa edição para o Brasil?
Foi uma ideia que surgiu naturalmente diante da retomada da Café Espacial e também da longa amizade que tenho com André Diniz, autor do álbum. Do ano passado para cá, acompanhei o processo de criação da HQ que André lançaria em maio deste ano pela editora Polvo, em Portugal, e programamos seu lançamento no Brasil logo após a revista Café Espacial 17.
Entre Cegos e Invisíveis é uma ficção que tem como cenário a ditadura militar brasileira e trata de questões sociais e existenciais por meio de uma família marcada pela ausência do pai, um herói militar, que acabara de falecer. A HQ é contada pela perspectiva dos filhos e aborda uma série de acontecimentos em plena estrada após o funeral. O traço já conhecido de André Diniz dá o ritmo ideal à HQ, que vai ganhando densidade conforme a narrativa avança. Trata-se de uma obra que me deixa particularmente realizado ao compor o catálogo da Café Espacial.
“Temos muitos planos para a Café Espacial, muitos deles para 2020”
O que o futuro reserva para a Café Espacial?
Num país onde arte e cultura são vistas como desnecessárias ou até mesmo criminosas, é um grande desafio planejar qualquer coisa hoje em dia. Por exemplo, a Secretaria da Cultura acabou de ser transferida para a pasta do Turismo e a Lei Rouanet, grande mau no imaginário dos ignorantes, agora poderá subsidiar eventos religiosos, num oportunismo escancarado dessa onda evangélica que contribui para a desconstrução do país. Desse ponto de vista e diante dos absurdos do atual desgoverno, qualquer planejamento é uma incógnita, mas é necessário enxergar além. Fazer arte é ato político e revolucionário. E é cada vez mais necessário.
Temos muitos planos para a Café Espacial, muitos deles para 2020. E é como sempre digo, se conseguirmos concretizar 20% do que desejamos, teremos muita coisa em breve. Seguiremos produzindo.
Excelente entrevista. A Café Espacial e todo o trabalho de Sérgio Chaves devem ser apoiados pela qualidade que detêm.
Henrique Magalhães
Obrigado, Henrique! Muito feliz de ter um comentário seu por aqui. Abraço!