Vitralizado

high quality https://www.iapac.to/ with swiss movement.

Posts com a tag Galvão Bertazzi

HQ

Galvão Bertazzi fala sobre a arte de aniversário de 9 anos do Vitralizado

O quadrinista Galvão Bertazzi assina a arte de aniversário de nove anos do Vitralizado. Bertazzi é autor das tiras das séries Vida Besta (reunida recentemente em coletânea da editora Pé-de-Cabra) e Um Ano Inteiro, do infantil Olivia Foi Pra Lua e de quadrinhos como Manual Prático da Complexidade Adquirida e Le Monstre (Ugrito #13). As artes prévias de aniversário do blog, produzidas a partir do quinto ano, foram assinadas por Jairo Rodrigues, Shiko, Benson Chin, Giovanna Cianelli e Deborah Salles.

Fiz a encomenda do cartaz para Bertazzi tendo em vista a Chamada Serigráfica, projeto do ateliê/editora Caderno Listrado voltado para a impressão de 365 obras em serigrafia. A obra foi impressa no formato A3, com três cores. Você pode comprar uma cópia do cartaz, numerada e autografada por Bertazzi, no site dele, clicando aqui.

Bati um papo com Bertazzi para saber mais sobre o desenvolvimento do cartaz celebrando os nove anos do blog. Ele me falou sobre alguns padrões recentes dos trabalhos dele que se fazem presentes na arte de aniversário do Vitralizado, comentou sua abordagem para ilustrações impressas em serigrafia e também expôs sua avaliação sobre o que considera essencial para um bom cartaz. Papo massa, saca só:

“A primeira coisa que me veio na cabeça foi: plantas!”

Detalhe da arte de Galvão Bertazzi para o cartaz de nove anos do Vitralizado, impresso pelo ateliê Caderno Listrado (@caderno.listrado/@chamadaserigrafica)

Logo quando começamos a conversar sobre esse cartaz do Vitralizado você já falou que estava pensando em algo relacionado à “temática plantas” em que tem trabalhado. Você pode falar, por favor, um pouco sobre essa tema predominante nos seus trabalhos mais recentes?

Durante anos eu tenho desenhado e pintado temas urbanos. É comum em quase todos os meus trabalhos a presença de prédios, carros, placas de sinalização e propaganda, fumaça e fogo e destruição em meio a janelas de prédios, muros e toda miscelânea de elementos de um centro urbano.  Num dado momento, em alguma tira (não me lembro qual) brotou um ramo de folhas em algum canto do desenho, como esses matinhos que insistem em nascer no meio do asfalto. Me apaixonei por aquilo e me apropriei dessa ideia, deixando com que as plantas tomassem conta da minha produção num determinado período, especialmente nas telas que eu vinha pintando. Foi um processo legal de transmutação dos temas no meu trabalho e quando voce me convidou pra fazer a arte do cartaz, não tive dúvidas e a primeira coisa que me veio na cabeça foi: plantas!

Você fez um trabalho com o pessoal do ateliê Caderno Listrado no ano passado e eu também imprimi o cartaz do aniversário do ano passado com eles. Não foi muito difícil a nossa decisão de irmos com eles nessa nossa parceria. O que mais te interessa na impressão serigráfica? Qual você considera a maior contribuição desse tipo de impressão para o seu trabalho?

Acho que o mais importante numa serigrafia é que a coisa fique bonita, aliás, que fique algo INCRÍVEL! É muito trabalho envolvido, desde a concepção até a impressão pra que a coisa fique mais ou menos. Numa serigrafia, é comum se ter um número pequeno de cores, então pra mim a primeira coisa a se pensar é a paleta e a combinação perfeita (ou quase) dessas cores. E existe toda uma arte na coisa de se revelar uma tela, e depois na impressão um encaixe perfeito de cada uma delas. O Caderno Listrado faz tudo isso com uma maestria e paixão por todo o processo que nem passaria na minha cabeça em fazer uma impressão serigráfica se não com eles.

“Convido o observador a ‘perder um tempo’ procurando detalhes e absorvendo a mensagem depois de um tempo namorando o cartaz”

Detalhe da arte de Galvão Bertazzi para o cartaz de nove anos do Vitralizado, impresso pelo ateliê Caderno Listrado (@caderno.listrado/@chamadaserigrafica)

E você pode falar, por favor, um pouco sobre as cores que optou para o cartaz do blog? Nós escolhemos trabalhar com três cores, como você chegou nas três que acabou usando?

Na verdade são quatro cores, se contar com a cor do papel, que também faz parte da composição da arte. Eu tenho costume de trabalhar com paletas quentes, vermelho, laranja e amarelo. Gosto das referências: sangue, fogo, apavoro e fim do mundo. Porém, para a arte do Vitralizado eu queria algo mais sereno e menos agressivo. Aí eu optei por explorar um pouco uma coisa mais fria e “tranquila”: a ideia de uma garota apreciando um gibi, enquanto plantas florescem do livro, ao seu redor e das várias cabeças arrancados e que agora são vasos espalhados pela sala. Trabalhar com cores frias é sempre um desafio pra mim, parece que minha cabeça não funciona muito bem com essa gama de cores ( azul, verde, lilás, etc), então me toma muito mais tempo pensar em como resolver o desenho do que seria fazer algo no automático com vermelho e laranja. E geralmente, quando me aventuro nesses tons mais calmos acabo gostando muito do resultado, apesar de quase sempre ficar bem mais exausto mentalmente.

Na arte que fiz pro Vitralizado o vermelho ainda marca presença, mas está diluído numa massa turquesa e ambas se fundem aqui e acolá.

Já vi outros trabalhos seus para cartazes e pôsteres. Você gosta de projetos do tipo? O que você considera essencial em um bom cartaz? Como foi a experiência de desenvolver esse cartaz de aniversário do Vitralizado?

Acho que a principal função de um cartaz é comunicar, no sentido mais direto da coisa. Morro de inveja de quem consegue fazer um puta cartaz com poucas cores, a fonte certa e aquele desenho matador e enxuto pra que o observador capte tudo numa fração de segundo e PÁ!, a mágica está feita!

Meu desenho é poluído, tem sempre muita informação e eu desisti de tentar mudar isso nessa altura do campeonato! O traço e a linha preta não me dão trégua e sempre regem a composição. Então quando me solicitam algum cartaz, pra algum lançamento, evento ou shows por exemplo, eu pratico uma tal resiliência em não tentar chegar num resultado final perfeito ( pro que seria um cartaz ideal ), mas tento encontrar na bagunça dos meus traços um resultado estético bacana e que comunique, convidando o observador a “perder um tempo” procurando detalhes e absorvendo a mensagem depois de um tempo namorando o cartaz.  A mágica também acontece, mas é preciso um trabalho maior de observação e leitura.

A arte de Galvão Bertazzi para o cartaz de nove anos do Vitralizado, impresso pelo ateliê Caderno Listrado (@caderno.listrado/@chamadaserigrafica)
Cinema / HQ / Séries

Vitralizado: 9 anos!

[[O quadrinista Galvão Bertazzi assina a arte de aniversário de nove anos do Vitralizado. A obra foi impressa em serigrafia pelo ateliê Caderno Listrado. Nos próximos dias publicarei uma entrevista com Bertazzi falando sobre a produção desse trabalho. Você confere as edições prévias das artes de aniversário do Vitralizado ao final do post]]

Vitralizado: 9 anos!

O Vitralizado completa hoje, 3 de outubro de 2021, nove anos de existência. Assim como no aniversário do ano passado, não vejo motivos para muitas comemorações. Estamos às vésperas de 600 mil mortes por conta da pandemia do novo coronavírus e seguimos presididos por um genocida fascista. O contexto me leva a autoquestionamentos constantes sobre as minhas motivações por aqui, fazendo jornalismo sobre histórias em quadrinhos.

Escrevi sobre minhas práticas profissionais na Sarjeta de agosto, expondo a minha crença na construção de uma perspectiva pessoal e na prática do jornalismo como prestação de serviço público. O blog é reflexo dessas convicções. Um trabalho voltado ao jornalismo e à insistência. Um projeto que, até o momento, não diz respeito a dinheiro, mas à convicção de estar chegando em alguém e gerando alguma troca sincera de ideias e conhecimentos.

O trabalho de Galvão Bertazzi na arte de aniversário de nove anos do blog retrata uma pessoa lendo enquanto a realidade floresce ao redor dela. Acredito no Vitralizado como um espaço de florescimento de ideias, o mesmo que espero de uma boa HQ. Agradeço suas visitas ao longo desses nove anos e prometo a continuidade dos trabalhos enquanto houver fôlego. Valeu!  

A arte comemorativa de 4 anos do Vitralizado, obra de Jairo Rodrigues
A arte comemorativa de 5 anos do Vitralizado, obra de Shiko
A arte comemorativa de 6 anos do Vitralizado, obra de Benson Chin
A arte comemorativa de 7 anos do Vitralizado, obra de Giovanna Cianelli
A arte comemorativa de 8 anos do Vitralizado, obra de Deborah Salles
Entrevistas / HQ

Papo com Galvão Bertazzi, autor Olívia Foi Pra Lua: “O Galvão autor de livro infantil foi um espasmo fofo da minha natureza”

É explícito o contraste entre o Galvão Bertazzi autor da série Vida Besta e o Galvão Bertazzi autor do livro infantil Olívia Foi Pra Lua. Os traços e as cores são os mesmos, mas fica de lado o que o autor chama de sua versão “noiada-paranóica-apocalíptica”, presente nas tiras dele, e vem à tona uma personalidade mais otimista e poética do quadrinista.

Com lançamento previsto para junho de 2021 pela editora Beleleu, Olivia Foi Pra Lua está atualmente em campanha de financiamento coletivo no Catarse. O projeto já alcançou a meta estabelecida para sua publicação, mas continua no ar até o dia 22 de maio de 2021.

Inspirada em uma história contada por Bertazzi para a filha dele antes de colocá-la para dormir, o livro infantil narra o empenho da jovem Olivia em viabilizar uma viagem pessoal para a lua. A arte sempre gritante do autor talvez seja o elemento mais emblemático da obra, mas chamo atenção para a missão bem-sucedida autoimposta por Bertazzi em não subestimar seu público infantil.

Conversei com Bertazzi sobre o ponto de partida e o desenvolvimento de Olívia Foi Pra Lua, suas inspirações por trás da obra e a experiência de ocupar o espaço de Laerte durante o período da autora se recuperando de COVID-19. Papo bem bom (assim como as conversas que tivemos em 2017 e 2019), saca só:

“Um bom livro infantil não subestima a criança”

Página de Olivia Foi Pra Lua, livro infantil do quadrinista Galvão Bertazzi (Divulgação)

Tenho perguntando para todo mundo que entrevisto desde o início do ano passado: como estão as coisas aí? Como você está lidando com a pandemia? Ela afetou de alguma forma a sua produção e a sua rotina diária?

As coisas estão loucas. Eu estou louco. Perdi a noção de tempo, de espaço. Tenho crianças em casa que pararam de ir pra escola, eu e minha companheira dividimos o tempo de home office, as contas não param, os trabalhos deram uma embananada completa, mas ainda sim consigo desenhar bastante, pintar e tocar guitarra e aos poucos essa anormalidade foi se tornando normal. Eu sou um puta privilegiado por morar numa casa com quintal, mato e espaço pra respirar e pensar. Mas essa coisa de não poder sair quando quer, fazer o que quer é um treco muito bizarro. Resumo, tá tudo louco de forma normal-anormal.

Você contou que o ponto de partida de Olivia Foi Pra Lua é uma história que você contava para a sua filha. Mas como foi o processo de transformar essa história em livro. O quanto da história original se manteve? Como foi essa adaptação de uma história oral para uma versão ilustrada e escrita?

A história original está praticamente ali, o que foi trabalhado e lapidado foi o texto. Me lembro de ter contado essa história pra Olivia, numa noite e enquanto eu estava botando ela pra dormir me veio o estalo: “Um livro infantil!”. O que até o momento era uma coisa que eu ainda não havia feito.

Me lembro dela pegar no sono e eu correr pro computador pra digitar as ideias iniciais e alguns desenhos rápidos do que logo depois seriam as ilustrações. A coisa toda deve ter durado uma semana mais ou menos. Eu tenho essa coisa de não fazer rascunhos antes de começar a desenhar, eu acabei trabalhando assim no processo do livro, tanto com os textos quanto ilustrações.

Eu ia escrevendo cada página e já desenhando o traço. Uma coisa que eu botei na cabeça foi fazer um trabalho meu, sem interferência de críticas, sugestões ou qualquer coisa externa. Eu não queria desconstruir narrativa e muito menos desenho. Foi pura diversão e a coisa fluiu rapidamente de um jeito legal. O texto foi a parte mais trabalhosa porque eu tenho uma tendência a ser verborrágico e ululante (como você pode notar nas minhas respostas). Eu gosto disso, mas tive que ir aceitando que é uma obra infantil, então precisei ser mais comedido

Essa não é a sua primeira experiência com obras infantis, certo? O que você considera mais essencial em uma obra voltada para crianças? Tem algum elemento que você acha que não pode ficar de fora de um livro ou uma HQ infantil?

Eu já ilustrei muitos livros infantis, mas nunca havia me aventurado em escrever e ilustrar. Um bom livro infantil é aquele que não subestima a criança. Eu sou pai de dois filhos, sabe? Uma das coisas que primeiro aprendi nessa maluquice de ser pai é que os moleques, desde muito cedo já estão atentos e compreendem (do jeito deles, claro) o mundo ao redor. E a gente aprende muito mais com eles do que o contrário. Então a primeira coisa que descartei foi a necessidade de passar alguma lição de moral, apresentar valores morais ou essa coisa clássica de enfrentar um grande obstáculo para se conseguir um objetivo final. MInha intenção era deixar tudo fluido e fácil. O mundo real já é chato demais!

“O mundo real é chato demais”

Página de Olivia Foi Pra Lua, livro infantil do quadrinista Galvão Bertazzi (Divulgação)

Acho que nos últimos meses, devido a todo o contexto social-político-pandêmico que estamos vivendo, as suas tiras têm ecoado sentimentos de cansaço, frustração e raiva. Fico curioso: é muito difícil para você desligar o modo Galvão-tiras para o Galvão-autor de livro infantil?

O Olivia Foi Pra Lua foi escrito em 2018, ou seja, nem em minhas previsões mais absurdas sobre o futuro eu poderia imaginar que estaríamos afundados nessa pandemia e o pior, essa pandemia no Brasil. O Galvão autor de livro infantil até o momento foi um espasmo fofo da minha natureza, coisa que ainda não se repetiu. Eu tenho trabalhado em passos lentíssimos num outro livro infantil, mas ao contrário do Olivia Foi Pra Lua que nasceu num lampejo, este está mais demorado que a encomenda.

Então, para todos os efeitos, eu sou apenas o Galvão-noiado-paranóico-apocalíptico-das-tiras-de-humor-duvidoso.

Você pode contar um pouco, por favor, sobre a concepção do projeto gráfico do Olívia Foi Para a Lua?

Os desenhos e as cores meio que já apareciam prontos na minha cabeça a medida que eu escrevia os textos. Os dois foram nascendo juntos e de certa formas resolvidos.  O que eu quis foi usar todo o repertório que eu tenho pra desenhar: linhas, cores, personagens e cenários absolutamente dentro do meu universo pictórico, então tudo surgiu naturalmente. Se eu ficasse preocupado demais em desconstruir desenhos, formas, abstrair as coisas eu teria travado e provavelmente o livro nunca ficaria pronto.

Agora, o pulo do gato partiu da Editora Beleleu. O editor Tiago Lacerda teve uma puta sacada em resgatar aqueles bonequinhos de papel destacáveis, muito comuns em revistinhas e livros infantis dos anos 80, juntamente com um cenário que pode ser montado. É uma coisa simples e que ficou LINDO de morrer. Vai ser um materia legal de se ter em mãos!

“Quis usar todo o repertório que tenho para desenhar”

Uma arte de divulgação de Olivia Foi Pra Lua, livro ilustrado do quadrinista Galvão Bertazzi (Divulgação)

Vi algo de Space Oddity do David Bowie no seu livro, faz sentido?

SIM! Space Oddity estava realmente rolando no repeat nessa época. Aliás Bowie está sempre tocando por aqui.

Você recentemente substituiu a Laerte nas tiras diárias da Folha enquanto ela se recuperava da COVID-19. Como foi essa experiência?

Primeiro, vou usar uma frase que to usando todas as vezes que me perguntam isso. A Laerte é insubstituível! Ou seja, o que eu fiz foi quebrar um galho, enquanto ela se recuperava desse vírus maldito.

Foi uma montanha russa de emoções porque não escondo de ninguém meu desejo de publicar diariamente naquela seção de tiras da Folha, mas levando em conta as circunstâncias, tudo que eu queria era honrar aquele espaço e devolver logo o espaço pra ela. E ufa!! Tudo terminou bem, publiquei umas tiras muito legais e a Laerte voltou melhor do que antes!!

Última! Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Eu gostaria de recomendar muito os livros da Editora Pé de Cabra. Com certeza é um material pros adultos, mas na minha cabeça, é a editora mais bacana da atualidade.

Acabei de receber o último lançamento, o Tiger Fist. Uma HQ divertidíssima e cheia de ação saída da cabeça do Gabriel Góes e desenhada por um time de quadrinistas fantásticos. Conseguiram resgatar com primasia esse gênero, estilo filmes de ação! Acho que tô um pouco de saco cheio de tanta HQ filosófica-existencial, então pra mim foi um prazer ter esse gibi na mão. Recomendo!

A capa de Olivia Foi Pra Lua, livro infantil do quadrinista Galvão Bertazzi (Divulgação)
Entrevistas / HQ

Papo com Galvão Bertazzi, autor da série Vida Besta: “Minhas tiras são um catálogo dos demônios internos que perambulam ao meu lado e dentro de mim”

A coletânea de tiras da série Vida Besta chega às lojas especializadas em quadrinhos 20 anos após Galvão Bertazzi comprar o domínio www.vidabesta.com. Com exceção de alguns breves períodos de hiato, o site continua na ativa desde o final da década de 90, apresentando em tons de vermelho, amarelo e laranja um pouco dos demônios internos do autor.

A publicação lançada pelo selo Pé de Cabra tem 64 páginas, introdução do quadrinista, músico e pesquisador Marcio Paixão Jr. e reúne as tiras mais recentes de Bertazzi, produzidas entre 2018 e 2019, sendo parte delas inéditas.

“Deve ter sido o choque com essa realidade medonha em que nos metemos”, cogita o quadrinista em relação à inspiração que o levou a retomar o ritmo quase diário de produção da Vida Besta entre o final de 2018 e o início de 2019 e impulsionou a impressão da coletânea.

Apesar de apresentado pelo editor Panhoca como a reunião das tiras mais recentes de Bertazzi “focadas no ódio, na mediocridade humana e na desesperança crônica do amanhã”, o autor diz ver essa leva recente de tiras impressa no livro funcionando “numa esfera muito mais pessoal do que sócio-política”.

“Mas obviamente a coisa toma seus próprios rumos e eu não posso mais controlar a leitura que fazem do meu trabalho”, pondera Bertazzi. No papo a seguir o quadrinista fala sobre falta de esperança, hipocrisia, religião, técnicas e o uso de botas. Sim, botas. Conversa bem boa, saca só:

“O apocalipse está acontecendo bem diante dos meus olhos, mas eu fui surpreendido de chinelo. Estou estupefato e não tenho pra onde correr sem machucar os pés”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Uma pergunta constante nas entrevistas do Vitralizado diz respeito à nossa realidade. Desde o dia 1º de janeiro de 2019 o Brasil é governado por um presidente de extrema-direita, militarista, pró-tortura, fascista, misógino, machista, xenófobo, homofóbico e racista que reflete muito do que é a nossa sociedade hoje. Levando tudo isso em conta, geralmente eu pergunto pros autores se eles são otimistas em relação ao nosso futuro, mas acho que a Vida Besta deixa explícito o seu pessimismo em relação ao Brasil e ao mundo. É isso mesmo? Você tem alguma esperança de mudança e/ou melhoria para a nossa realidade?

Vejo uma esperança, sim. Esperança que um meteoro caia mês que vem na Terra e destrua logo isso aqui, porque olha… Do jeito que a coisa anda, ter algum tipo de otimismo beira a loucura.

Pra começo de conversa, você precisa entender que eu sou um cara que até pouco tempo atrás ficava de botas dentro do apartamento, o dia inteiro. Eu ficava de botas porque acreditava que se algum tipo de catástrofe acontecesse, eu estaria preparado pra sair correndo ou caminhar por sobre os escombros em segurança. Pode parecer piada, mas isso é verdade! Foram anos de terapia pra dar uma aliviada nessa tensão constante de que algo muito ruim pudesse acontecer a qualquer momento. E vejam só, eu estava certo. O apocalipse está acontecendo bem diante dos meus olhos, mas eu fui surpreendido de chinelo. Estou estupefato e não tenho pra onde correr sem machucar os pés.

Resumindo. Não tem essa de “otimismo” não. Os canalhas venceram de vez! Fim.

P.S.: Mas não deixaremos eles em paz!

“Existe um quê de diversão masoquista no ato de se fazer as tiras

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

O editor da coletânea, Panhoca, me falou que esse livro é “só o ódio do Galvão”. Você acha essa uma boa síntese do que é essa obra?

Cara, não acredite nas coisas que o Panhoca fala. Ele mente pra vender livros, sabe? É praxe entre os grandes editores de livros esse tipo de coisa. Não é “só ódio” que me move. Tem o medo, o rancor, o desprezo, um sentimento de vingança latente. Mas a grande verdade é que existe um quê de diversão masoquista no ato de se fazer as tiras. É um exercício desafiador ( ou estúpido ) abrir os braços pro caos, ao invés de somente denunciar, alertar e fazer alarde. Tenho plena consciência que eu também sou , de certa forma, responsável por toda essa merda instaurada. É angustiante, mas ao mesmo tempo me faz desenhar com um pouco mais de liberdade pra criticar qualquer lado e dar risada de mim mesmo também. A chave de tudo é isso: rir de nós mesmos.

Consigo abordar esses desastres que se passam na minha cabeça e ao meu redor de forma pseudo natural, eu acho. O mais curioso é isso: não acho o Vida Besta engraçado, sabe? Eu queria fazer as pessoas chorarem. Mas sabe como é, os fracassos a gente não escolhe….

“Me divirto desenhando uma realidade onde os pensamentos mais obscuros pipocam pela boca de cada personagem sem nenhum pudor”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

O Panhoca também me falou de três alvos principais desses quadrinhos da Vida Besta: religião, política e a mediocridade da classe média. Qual desses três temas te causa mais repulsa hoje? Qual desses três tópicos mais te incomoda e você sente mais necessidade de tratar?

Aqui eu preciso pontuar um aspecto importante do meu trabalho pra que ninguém nunca me acuse de hipocrisia quando eu ganhar meu primeiro prêmio Eisner, na categoria “Quadrinhos desnecessários para a humanidade”. O Vida Besta fala muito mais sobre mim, o Galvão Ser Humano Bípede e Cretino do que sobre as pessoas ao meu redor. Minhas tiras são um catálogo dos demônios internos que perambulam ao meu lado e dentro de mim.  

Eu tenho um apreço especial pelo tema religião. Só pra resumir: fui criado no berço de uma família católica que aos poucos foi, sorrateiramente, se debandando pra igreja evangélica. Os rituais da igreja católica eram demasiado apáticos naquela época, chatos e insuportáveis e o espetáculo circense e pirotécnico dos evangélicos levou todo mundo pra uma alegria demente e duma hora pra outra estavam todos falando na língua dos anjos e recebendo recados secretos do próprio Jesus.  Esse movimento foi muito esquisito e, graças a deus (ou ao capeta ), fui salvo pela maconha, o vinho barato e o rock vagabundo na hora certa, e aí consegui me abortar da família nesse aspecto.

Você precisa entender que brincar com Jesus, Deus e o Diabo é algo muito pessoal. Tem um peso muito forte pra mim, pois durante muito tempo foi desafiador fazer piada ou deboche com algo tão “sério”, sabe?  Hoje eu tenho a plena consciência que, tendo me libertado desses receios há muito tempo, eu acumulei muita munição pra usar nos dias atuais, quando parece que estamos caminhando de volta aos tempos sombrios da idade média inquisitória. Então ainda teremos muito capeta e piroca, sim senhor.

Por outro lado, deve dar pra contar nos dedos o número de tiras pontuais sobre política. O lance é que eu não gosto de desenhar sobre política. A verdade é que eu não entendo NADA de política. Nunca entendi e meus esforços pra ter alguma clareza só me deixam mais confuso. Eu sou o sujeito na mesa de bar que fala bobagens sem sentido e é repreendido, tanto pelos amiguinhos da esquerda quanto pelos amiguinhos da direita ( é, eu tenho amiguinhos de direita ).  Se você acompanha meu trabalho, vai perceber que quando o assunto é política a análise é rasa e quase sempre termina em algo como “vai tomar no cu, ( coloque aqui o nome do seu político preferido )”, ou com algum personagem tacando fogo ou explodindo tudo. A fórmula que eu achei pra falar sobre política é focar no inconsciente coletivo, no que as pessoas comuns pensam, fingem não pensar e sintetizo isso tudo num desabafo quase sempre fatalista. Parece funcionar.  

O meu foco sempre esteve nas relações humanas e suas nuances. Me divirto desenhando uma realidade onde os pensamentos mais obscuros pipocam pela boca de cada personagem sem nenhum pudor, e todos eles se resolvem de forma natural e patética, porque sabem que são todos iguais em seus medos, preconceitos, ganâncias e etc. Meus personagens são seres perdidos e sem rumo, como eu e você.  

A gente sabe que depois de 2013 a caixa de pandora foi aberta. Desde então eu nem me esforço muito pra tentar desvendar o que se passa na cabeça de mais ninguém. Já ficou tudo escancarado e meu único trabalho vem se tornando quase que obsoleto. Tudo que preciso fazer é repetir o que dizem e desenhar na tira ou no cartum. Nunca foi tão fácil! E é por isso que a classe média é um prato cheio pra me lambuzar. O fomento pra bizarrice é infinito.

De vez em quando acontece de conhecer pessoalmente alguém que já segue meu trabalho há um tempo e ouvir um “ah, você é assim, mas eu achei que era mais…”. Acho que pelo teor das tiras, muita gente tem uma imagem fictícia de mim. Algo como um revolucionário anarquista com coquetel molotov na mão ou coisa parecida. Mas não… Eu sou esse cara sem graça das tiras. Só isso. Puf!

“Tem dia em que eu desenho uma única tira e tem dia em que produzo umas 10 ou 15 de uma só vez”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Te faz bem dar vazão ao pessimismo e à repulsa que você dá a entender que sente pelo mundo e pelo Brasil? É saudável pra você criar em torno desses temas?

Não é bem uma questão de fazer bem ou não. Eu simplesmente faço e é um pouco difícil discorrer sobre como funciona esse processo. Tem dias em que eu desenho uma única tira e tem outros em que produzo umas 10, 15 tiras de uma só vez. Isso me cansa, sim. A cabeça fica exaurida, a mão dói. Mas quando isso acontece é muito bom. Me sinto útil em minha inutilidade. Eu tenho esse compromisso com minha produção e isso me deixa em paz com o mundo em volta, porque no final do processo, parece que eu descobri algo novo! O que estou querendo dizer é que fazer as tiras ( desenhar de modo geral)  me ajuda a entender a mim mesmo e o mundo a minha volta. É um movimento constante de troca, que vai do micro pro macro e vice versa, tipo uma pulsação que funciona com mais intensidade quando estou desenhando (ficou bonito isso, hei? Vou usar na minha palestra de Coaching). E olha, eu desenho o tempo inteiro.

“Acho visualmente sedutor o vermelho do ladinho do alaranjado indo pro amarelinho e páááá, acontece a mágica”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Eu gosto muito das paletas de cores com as quais você trabalha. No caso da Vida Besta há esse predomínio de laranja e amarelo que dialoga com os ares infernais que você aborda. Como você pensa as suas cores? Como você define as paletas de cada trabalho?

Tenho essa tendência pros tons quentes. Acho visualmente sedutor o vermelho do ladinho do alaranjado indo pro amarelinho e páááá, acontece a mágica.  Essas cores foram escolhidas conscientemente em algum momento da minha pesquisa e fui lapidando e refinando a paleta.

Na minha cabeça parece mesmo que tudo está em chamas e essas cores me passam essa sensação no desenho. Parece que está tudo inserido num inferninho frenético, sabe?  Eu usei esse conceito descaradamente na capa desse novo livro. Gostei do resultado.

Mas tenho que admitir que morro de inveja de quem sabe usar o azul. Eu tenho uma dificuldade tremenda de usar cores frias. A VERDADE É QUE EU NÃO SEI USAR A PORRA DO AZUL!

“O capeta senta no meu colo e vai dando as ideias erradas”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Você pode me falar um pouco sobre as técnicas que utilizou nessas tiras da Vida Besta? Esses trabalhos foram feitos com tinta e papel ou é tudo digital? Você tem alguma preferência em relação às estruturas e materiais nos quais produz os seus trabalhos?

Faz uns anos que já aceitei que as tiras Vida Besta funcionam perfeitamente no formato digital. O Marcio Jr. captou muito bem no prefácio do livro essa minha urgência em desenhar e resolver a parada. Não tem muita firula, sabe? Eu desenho muito rápido no tablet e consigo manter um traço relativamente fiel ao traço no papel. Geralmente as tiras nascem no período da manhã, nas primeira horas de trabalho do dia. Acordo, passo um cafezão, ligo um som qualquer e sento na frente do computador e a coisa vai fluindo. É muito raro eu já ter uma ideia do que vou fazer antes de sentar. É praxe eu começar desenhando um bonequinho sem antes ter planejado o que ele vai dizer, com quem vai interagir e nem mesmo o cenário. E aí as ideias vão aparecendo.  O capeta senta no meu colo e vai dando as ideias erradas.

Um exercício que eu sempre faço é me imaginar entrando num ambiente novo, uma sala, num escritório, enfim…  E aí começo a ouvir as conversas aleatórias entre aqueles desconhecidos que estão ali. Do que estão falando, de quem estão reclamando e as ideias surgem. Eu digito tudo muito rápido, pra não perder a ideia. Acho que demoro mais tempo apagando e reescrevendo os balões do que no desenho em si. Eu sou meio afoito. Gosto de já terminar a tira e postar na web, e isso é um grande defeito. Se você reparar, as tiras da internet estão sempre cheias de erros de digitação, erros ortográficos horrorosos. Tudo isso por causa de uma dislexia bizarra e desse afobamento em terminar a parada e já mostrar pro mundo. Tive que pedir pro Panhoca, que é o editor do livro revisar UM MILHÃO DE VEZES cada tira antes de mandar o livro pra gráfica. E olha… até o último minuto ele ainda estava catando erro. 

É comum eu ficar MUITO tempo enfurnado na frente do computador e isso me deixa exausto também. Nos últimos anos consegui fugir um pouco do digital e voltar às raizes. Ando desenhando muito com caneta e aquarela, além de produzir uma penca de telas em formatos bem maiores que um papel. A tinta acrílica me responde à essa urgência de ter um trabalho pronto num curto espaço de tempo e me solta um pouco mais as mãos e as idéias. Tento fugir completamente dos “temas Vida Besta” quando pinto uma tela ou aquarela por exemplo. A coisa fica um tanto mais lúdica e é ótimo pra refrescar as idéias.

“Dei de presente pro mundo o meu bem mais precioso e o que eu ganhei em troca? Só desgosto”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Você publica seus quadrinhos na internet há um bom tempo, talvez esteja na leva inicial de quadrinistas e cartunistas brasileiros que investiu na internet para publicar seus trabalhos. Você consegue fazer um balanço de como era a internet no início dos anos 2000 para difusão de quadrinhos e tiras e como é hoje? Melhorou ou piorou? As redes sociais ajudaram ou atrapalharam?

Eu faço tiras de forma constante desde 1996. A internet tava tomando forma e eu achei nela uma forma de mostrar minha produção. Eu fritava nessa ideia, sabe? Ninguém me conhecia, eu não conhecia ninguém. E teve essa troca mágica e avassaladora. A internet era um mundo desconhecido e acho até que era mais legal antes, mesmo com suas limitações. Difícil não parecer nostálgico. Mas o que eu pensava era: “Estou aqui em Goiânia, ninguém me conhece, muito menos meu trabalho. Então vou comprar um domínio e divulgar meu trabalho”. E foi basicamente isso.

Fiquei pensando com meus botões, enquanto respondia essa entrevista e me liguei que eu despejei quase toda minha produção de tiras, desenhos e cartuns na internet esse tempo todo. Bicho, se a gente começar a contar desde 1999, que foi quando comprei o domínio www.vidabesta.com, vai fazer 20 anos, cara!  Eu não tinha feito essa conta ainda. Dei de presente pro mundo o meu bem mais precioso e o que eu ganhei em troca? Só desgosto.

Sabe que lá pelos idos de 2016, mais ou menos, eu havia decidido nunca mais desenhar tiras. Sei lá. Me deu uma daquelas broxadas homéricas e quase abri mão do domínio www.vidabesta.com. Mas aí, 2019 chegou e com ele veio essa vontade  enorme de fazer o Vida Besta de novo. Deve ter sido o choque com essa realidade medonha em que nos metemos. Pois bem, aqui estou.

“Faz um tempo que ando pesquisando um monte de coisas sobre ocultismo”

Uma das tiras de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra

Você também tem um histórico de trabalhos editoriais para veículos impressos tradicionais, principalmente a Folha de São Paulo. Há uma crise crescente no mercado editorial. Essa crise impacta a sua vida profissional? 

Impacta sim. E eu não entendo muito bem, também. Sei que a maioria dos jornais impressos não publicam tiras em suas páginas, por exemplo. Eu tive a sorte de publicar tiras diárias por mais de uma década em dois veículos de circulação grande, em diferentes regiões do país. Era sempre legal. Eu ainda sonho em publicar tiras diárias num grande jornal, em especial na Folha. Quem sabe um dia.

Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo no momento?

Olha… eu posso recomendar o que não ler: as notícias de jornais ou redes sociais, por exemplo! Hahahha

Na verdade, ando lendo coisas bem fora do mundo dos quadrinhos ou qualquer coisa que remeta ao “mundo real”. Faz um tempo que ando pesquisando um monte de coisas sobre ocultismo, por exemplo. Lendo textos antigos, procurando coisas sobre alquimia e rituais de magia. Acho que tem a ver com uma busca interna por algum tipo de resposta, que o mundo real e as cosias racionais não conseguem me dar mais pistas. Cara… Eu ando de saco cheio do mundo real e acho que já teve gente que endoidou bem mais pesado sobre esses temas “místicos”. 

Na verdade, eu não sou uma pessoa de gosto refinado pra literatura, cinema e música, sabe? E aí eu coloco a culpa nos filhos pequenos pelo cansaço e confesso que a noite, eu e minha companheira sentamos no sofá e dormimos vendo qualquer bobagem em algum serviço de streaming qualquer.

Música pra mim é basicamente Rock Alternativo e Barulhento. Minha playlist orbita em volta de Sepultura com o Max ( SEMPRE COM O MAX ) e Pixies, indo de vez em quando pra Cartola, pegando a curva pra The Clash e the Who e aceitando de bom coração as Descobertas da Semana do Spotify.

A capa de Vida Besta, coletânea da série homônima de Galvão Bertazzi publicada pelo selo Pé de Cabra
HQ

Galvão Bertazzi e a missão de produzir uma HQ por dia na série Um Ano Inteiro

Hoje é o 39º dia de 2017 e o quadinista Galvão Bertazzi pretende publicar ainda nas próximas horas a 39ª atualização da série Um Ano Inteiro. Por mais que o autor afirme que o projeto tenha começado sem maiores pretensões no dia 1º de janeiro, caso ele chegue completo em sua 365ª atualização no dia 31 de dezembro de 2017 será um dos grandes épicos dos quadrinhos nacionais no ano. Estou na torcida pra ver a série chegar ao fim com sucesso e não deixei passar nenhuma das atualizações (tanto pelo Facebook quanto pelo Instagram). Procurei Bertazzi para que ele falasse um pouco sobre a empreitada. Ó:

“Eu acho que a levada vai ser sempre por aí, pegar coisas do dia a dia, tristezas, alegrias, bobagens e até algumas abordagens sérias e extrapolar, exagerar”

No dia 1º de janeiro entrou no ar o projeto. Quando surgiu a ideia da série?

Era dia 1º de janeiro, a virada de ano tinha sido relax e sem qualquer excessos. Eu estava estirado no sofá, completamente de bobeira e fiz a primeira HQ da série ali mesmo, numa prancheta sobre o colo. Foi nessa hora que pensei que poderia me propor esse desafio, de fazer essa saga quase contínua, todos os dias, durante o ano todo. Nada muito sério, nem sofrido. Apenas fazer e pronto.

gb1

Você tem um método de produção pra esse projeto? Está pensando em arcos fechados ou trabalhando com algumas obras na gaveta?

Eu não tenho método pra nada na minha vida. Sei lá o que diabos sejam arcos fechados (hahahah), mas tenho ideias perdidas sim, que vão sendo estocadas em algum canto do meu cérebro e sendo usadas à medida que vou desenhando “cada dia” da história. Geralmente desenho um primeiro quadrinho ou cena e desenrolo o resto da narrativa dali, sem nada prévio. O lance todo é que eu desenho rápido, sem rascunho, desenho os quadros e escaneio, e ali no computador eu acabo acertando alguns detalhes na arte e fecho o texto todo.

O que está valendo nessa série é a liberdade que me dei, pra desenhar e escrever. Tem sido bacana até então. Agora, por exemplo, é domingo, o dia 36 da série. Já é noite e eu havia me esquecido de desenhar a história do dia, lembrei agora e comecei, ao mesmo tempo em que estou digitando as respostas dessa entrevista.

gb6

E as tiras tão tratando de temas muito cotidianos, dos absurdos do nosso dia a dia, de como a banalidade ao nosso redor pode ser claustrofóbica e meio enlouquecedora. Você pretende manter esses temas até o fim ou eles estão em aberto?

Eu acho que a levada vai ser sempre por aí, pegar coisas do dia a dia, tristezas, alegrias, bobagens e até algumas abordagens sérias e extrapolar, exagerar. É mais ou menos o tipo de coisa que sempre fiz na minha série Vida Besta só que transplantada pra essa série em especial.

gb4

Eu lembrei daquele comentário que diz que se alguém escrever uma página por dia no final de um ano tem um livro de 365 páginas. O que você pretende com a Um Ano Inteiro? Pra você é um livro em potencial?

Pode ser que vire um livro sim, mas é provável que não, também. Eu devo ter pelo menos uns 10 livros fechados aqui comigo, de HQs sequenciais, outras não lineares e experimentais, tiras e etc… A coisa toda é que eu produzo muito, não sei se em excesso, mas é uma produção em massa, e eu não posto nem mostro tudo que tenho aqui. Essa série Um Ano Inteiro vem me deixando feliz. Eu não me cobro quanto ao desenho nem acabamento da tira.

gb3

Pra você é mais difícil dar continuidade a essa periodicidade diária ou limitar as publicações a apenas um dia?

Com certeza é mais difícil pra mim não postar tudo que eu faço aqui. E olha que eu posto bastante coisa. Mas acabo me segurando bastante. Eu sou exibicionista, no sentido de que gosto muito de mostrar as coisas que produzo, muitas vezes posto parte do processo de desenho ou pintura de alguma obra, seja hq, ou uma tela. Mas tenho um breque mental pra organizar tudo da forma certa e publicar coisas impressas, palpáveis. Mas, vamos ver o que acontece, um dia de cada vez!

gb2

HQ

Uma tarde de autógrafos com Pedro D’Apremont, Galvão Bertazzi e Batista

Amanhã rola uma tarde de autógrafos inspirada na loja da Ugra, tá sabendo? A partir das 15h, o Pedro D’Apremont vai estar por lá para o lançamento de O Retorno, novo número da coleção Ugritos – já falei um monte por aqui como gosto dessa série, né? O Galvão Bertazzi estará autografando Manual Prático da Complexidade Adquirida e Desatrem e o Batista também comparecerá com suas duas publicações mais recentes, Cutucando a Onça Com Vara Longa e Do Alto da Minha Sabedoria. Programão, viu? Eu vou, vamos?

ugra-sabado