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Posts com a tag Mino

HQ / Matérias

Jillian Tamaki fala sobre memórias de infância, mangás e Aquele Verão

Aquele Verão é um dos quadrinhos mais premiados e aclamados dos últimos anos. O álbum das primas Jillian e Mariko Tamaki levou os prêmios Eisner e Ignatz de melhor graphic novel de 2014 e tornou suas autoras duas das artistas mais celebradas e concorridas da indústria norte-americana de HQs. A obra está finalmente saindo em português, pela editora Mino e com tradução de Dandara Palankoff. Eu entrevistei a Jillian Tamaki pra saber mais sobre a origem, o desenvolvimento e a repercussão do livro.

Nessa conversa, a quadrinista falou sobre a influência de mangás em seu estilo de desenho, a relação dela com memórias de infância e a dinâmica de suas ilustrações com o roteiro da prima Mariko. Esse papo virou matéria pra edição de hoje do jornal O Globo e você lê meu texto clicando aqui.

Página de Aquele Verão, HQ de Jillian e Mariko Tamaki publicada no Brasil pela editora Mino

HQ / Matérias

Box Brown fala sobre Cannabis, racismo e a ilegalização da maconha nos EUA

Eu entrevistei o quadrinista norte-americano Box Brown sobre o lançamento da edição brasileira de Cannabis: A Ilegalização da Maconha nos Estados Unidos e esse papo virou matéria no jornal O Globo. O livro publicado no Brasil pela editora Mino com tradução de Diego Gerlach tem como foco principal os empenhos de autoridades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário dos EUA para impedir o consumo e a difusão da erva no país, mas vai muito além disso.

Produzido a partir de extensa pesquisa bibliográfica, Cannabis defende a tese de que todo o processo de combate e proibição do consumo e da difusão da maconha nos Estados Unidos tem o racismo como ponto de partida. É dos lançamentos mais interessantes de 2019 por aqui e recomendo que você leia o quanto antes. Na minha matéria também adianto a publicação em português de Tetris, álbum de Brown sobre o joguinho precursor da indústria de games, para um futuro próximo, também pela Mino. Você lê o meu texto para O Globo clicando aqui.

Um quadro de Cannabis: A Ilegalização da Maconha nos Estados Unidos, HQ do quadrinista norte-americano Box Brown publicada no Brasil pela editora Mino
Entrevistas / HQ

Papo com Jason, autor de Eu Matei Adolf Hitler: “Sou bem pessimista em relação ao futuro. Acho que só vai piorar. Vamos nos autodestruir”

Eu Matei Adolf Hitler é o segundo álbum do quadrinista norueguês Jason publicado no Brasil. O primeiro, Sshhhh!, saiu por aqui em 2017 pela mesma editora Mino que lança a ficção científica com a presença do líder nazista. Torço para que não fique apenas nesses dois e logo mais cheguem outros trabalhos do autor em português.

Ontem eu publiquei aqui no blog uma matéria na qual falo mais sobre Eu Matei Adolf Hitler, o estilo do autor, as técnicas utilizadas por Jason e alguns dos temas mais caros a ele. Hoje eu reproduzo a íntegra da minha entrevista com o artista. Papo bom demais – assim como a entrevista dada por ele ao blog em 2017, na época do lançamento de Sshhhh!. Saca só:

“O Hitler não é realmente importante na história, ele só aparece em alguns painéis. Eu estava mais interessado nos outros personagens”

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Quais são as suas memórias mais antigas relacionadas a quadrinhos?

A leitura dos quadrinhos da minha irmã mais velha, que era uma série da Europa Ocidental chamada Silver Arrow. Tenho certeza que devo ter lido alguns Pato Donald, que eram muito populares na Escandinávia, e ocasionalmente quadrinhos de super-heróis. Depois, descobri os álbuns de Tintin na biblioteca e realmente gostei deles.

Quais técnicas você utilizou para criar Eu Matei Adolf Hitler? Você usa apenas papel e tinta?

Eu uso um pena e tinta. Eu gosto do efeito de variação na linha. Eu não faço nada no computador. Eu não tenho uma Cintiq ou algo assim. Chama-se Cintiq? Não tenho certeza. Eu não gosto de quadrinhos que tenham cara de computador. Os desenhos e as letras devem estar no mesmo ambiente, não gosto de colocar depois no Photoshop. Eu faço o letreiramento dos meus quadrinhos a mão. Para a edição brasileira eles estão utilizando uma fonte, mas pelo menos ela é baseado no meu letreiramento manual.

Você se lembra do momento em que teve a ideia de criar Eu Matei Adolf Hitler? Se sim, você poderia me dizer como isso aconteceu?

Eu queria fazer uma história com máquina do tempo e matar o Hitler é uma ideia meio óbvia. Ao mesmo tempo, o Hitler não é realmente importante na história, ele só aparece em alguns painéis. Eu estava mais interessado nos outros personagens, no casal principal que faz a viagem no tempo e em como todos esses acontecimentos da história os afetam.

“Você só precisa olhar para o que está acontecendo na sociedade hoje. Os sinais não são nada bons”

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Você já pensou sobre a ideia de matar Adolf Hitler? Você faria isso se tivesse uma máquina do tempo?

Não, eu nunca pensei sobre isso. Eu não sei o que faria com uma máquina do tempo. O Louis CK tem uma piada ótima sobre isso, que ele não a usaria, ou talvez apenas colocasse uma bebida nela.

Seu personagem principal chega no passado antes da Segunda Guerra Mundial, quando Hitler era apenas uma sombra do que ele se tornaria. Há muitos políticos de extrema-direita em posições de liderança no mundo agora – Trump nos EUA, Bolsonaro aqui no Brasil e Marine Le Pen na França, por exemplo. Você está preocupado com o nosso futuro? Você é otimista?

Não, não, sou bem pessimista em relação ao futuro. Acho que só vai piorar. Vamos nos autodestruir. A América tem um presidente que não acredita em mudanças climáticas. A indústria de combustíveis fósseis gasta milhões subornando políticos. As abelhas estão morrendo. As coisas só serão feitas quando for tarde demais. Eu estarei morto em talvez 30 anos. Felizmente. Eu sinto muito pelas crianças de hoje que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’.

Eu sou um leitor do seu blog e vi que você tem lido muito Philip K. Dick. Muitos dos romances dele não são muito otimistas em relação ao nosso futuro. Você acha que deveríamos levar nossas ficções – e refiro-me não apenas à ficção científica – mais a sério?

Eu acho. Dick tem sido muito bom para prever o futuro. Mas realmente, você só precisa olhar para o que está acontecendo na sociedade hoje. Os sinais não são nada bons.

“O leitor não deveria notar a narrativa. Nada é pior do que apontar qual deve ser o próximo painel ou causar uma confusão na ordem de leitura”

Quadros de Sshhh!, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Quando eu te entrevistei pela primeira vez, você me falou como quadrinhos sem texto exigem um pouco mais de clareza no narrativa. Eu Matei Adolf Hitler tem texto, mas eles são muito objetivos e breves. Você tem alguma preferência para escrever quadrinhos mudos ou quadrinhos com textos?

Eu fiz quadrinhos mudos porque eu achava difícil trabalhar com texto. Agora eu acho que é a parte mais interessante de fazer quadrinhos. O desenho é a parte chata. Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais.

Você poderia me falar um pouco sobre a sua abordagem em relação a cores? Você tem alguma técnica para definir uma paleta específica para um livro?

Eu não faço a colorização. Para os álbuns coloridos, como Eu Matei Adolf Hitler, eu trabalho com o Hubert. Estou muito feliz com o que ele faz, então não interfiro.

Eu gosto muito do ritmo dos seus quadrinhos. O uso dos grids fixos é a sua maneira de determinar o ritmo de uma história?

Eu gosto do grid. Ele me agrada esteticamente. E cada painel tem a mesma importância. Cabe ao leitor decidir se este é mais importante que o próximo. Dessa forma a história acaba sendo a coisa mais importante, não a forma como ela é contada. O leitor não deveria notar a narrativa. Nada é pior do que apontar qual deve ser o próximo painel ou causar uma confusão na ordem de leitura dos painéis.

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Eu gostaria de saber o que são quadrinhos para você. Você tem uma definição pessoal do que são quadrinhos?

Não, isso é algo que cabe a vocês críticos decidir ou debater. Pessoalmente, eu não penso nisso. Existe mais de um painel? Existe diálogo em balões? Ok, isso é quadrinhos!

Eu gostaria de saber sobre sua relação com a crítica. Como você se sente quando vê a análise ou as interpretações de alguém sobre seu trabalho?

Bem, eu prefiro receber críticas positivas! Comentários negativos são ok, caso o autor da crítica tenha um ponto e possa expressar seus problemas com o livro. Se ele percebe algo que eu não vi, isso é uma coisa boa. Mas na maior parte das vezes eu acabo tendo uma ideia se o livro funciona ou não. Se estou feliz com o livro, não me importo com críticas negativas ocasionais. Se tenho dúvidas em relação ao livro, aí é outra história.

O que você acha quando seu trabalho é publicado no Brasil? Nós somos todos ocidentais, mas estamos falando de culturas muito diferentes. Você tem alguma curiosidade sobre como o seu livro será lido?

Sim, isso é interessante. Eu fui traduzido para o coreano. Como eles veem os meus quadrinhos? Existe uma diferença entre isso e como os meus quadrinhos são lidos na França? Eu não sei. A universalidade vem de ser específico e local. As pessoas às vezes mencionam uma qualidade escandinava em meus quadrinhos, talvez fazendo referência a uma espécie de objetividade ou melancolia. Que talvez até estejam lá. Se eu tivesse nascido na Austrália ou na Ásia, meus quadrinhos teriam sido diferentes? Provavelmente. Mas quem sabe?

“Estou trabalhando em um novo livro, um romance gráfico de pequeno porte. É uma coleção de três histórias. Hemingway é um personagem”

Quadros de Sshhh!, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Você está trabalhando em algum novo projeto em particular agora?

Estou trabalhando em um novo livro, um romance gráfico de pequeno porte. É uma coleção de três histórias. Hemingway é um personagem. Eu também já fiz alguns rascunhos e algumas anotações para o livro seguinte, que será um álbum com o clássico formato francês e de 48 páginas.

Você poderia me falar sobre o seu espaço de trabalho?

Eu não tenho um local de trabalho espaçoso. É uma mesa simples, parte da sala de estar. Há um tocador de CD, que eu não uso muito mais, um scanner e um laptop. Há uma janela do outro lado da sala, com vista para o telhado do outro lado da rua.

Você poderia recomendar alguma coisa que tenha lido, assistido ou escutado recentemente?

Você mencionou Philip K. Dick. Eu li alguns dos livros dele recentemente. Eu comprei mais uns livros do John Fante, eu sou um grande fã de Pergunte ao Pó. Eu comecei a ler as histórias curtas dele e também romances como 1933 Foi um Ano Ruim. Eu tenho escutado muito Pentangle nos últimos dois anos. Eles fizeram vários discos folk nos anos 60 e 70. E também álbuns solo de John Renbourn. O Lagosta foi o último filme que eu realmente gostei. Mas devo admitir que também assisto a muitos filmes do James Bond, Missão: Impossível e John Wick.

A capa da edição brasileira de Eu Matei Adolf Hitler, do quadrinista norueguês Jason
HQ

Especial Vitralizado: Jason fala sobre Eu Matei Adolf Hitler, viagens no tempo e casais em crise

Os quadrinhos do artista norueguês Jason são habitualmente protagonizados por personagens antropomorfizados, as páginas são geralmente compostas por um número fixo de quadros e os balões de fala são raros. Eu Matei Adolf Hitler (Mino) segue este padrão. Apenas duas das 48 páginas do álbum não são compostas por oito quadros e o personagem principal é um assassino profissional de poucas palavras com feições de cachorro e problemas de comunicação com a namorada.  

O que foge à regra é a trama da obra: o protagonista é contratado por um cientista para viajar no tempo, matar o líder nazista e impedir o Holocausto e a Segunda Guerra Mundial.

“Eu sinto muito pelas crianças de hoje, que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’”

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Hoje aos 53 anos e morando desde 2007 na cidade francesa de Montpellier, Jason é dono de dois Eisner Awards, prêmio máximo da indústria norte-americana de quadrinhos. Ambos os troféus foram vencidos na categoria de Melhor Edição Americana de Obra Internacional, um deles conquistado em 2008 por Eu Matei Adolf Hitler – traduzido para o português por Dandara Palankof.

Segundo quadrinho do autor publicado no Brasil – o primeiro foi Sshhh!, em 2017 -, a obra teve como ponto de partida a vontade de Jason de desenvolver uma ficção científica que contasse com uma máquina do tempo. A presença de Hitler é um acaso. “Hitler não é realmente importante na história. Eu estava mais interessado nos outros personagens, no casal principal e em como eles são afetados por todos os acontecimentos da história”, conta.

Habitantes de uma realidade sombria na qual assassinatos por encomenda ocorrem rotineiramente, o matador de aluguel está entediado com sua rotina profissional e sua companheira lamenta a falta de perspectiva do relacionamento dos dois. A encomenda da morte de Hitler e suas consequências afetam em definitivo a vida amorosa da dupla.

“Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais”

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

“As pessoas às vezes mencionam uma qualidade escandinava em meus quadrinhos, talvez em referência a uma espécie de simplicidade ou melancolia, e ela pode até estar lá”, pondera o autor sobre as reações pouco emotivas e as decisões práticas adotadas pelo casal para lidar com os ocorridos extraordinários ao seu redor.

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Já a opção quase obsessiva pelo número fixo de quadros é influência declarada do belga Hergé (1907-1983), criador do jornalista Tintim: “Cabe ao leitor decidir se um painel é mais importante que o seguinte. Dessa forma a história acaba sendo a coisa mais importante, não a forma como ela é contada. O leitor não deveria notar a narrativa”.

Hoje mais habituado com a presença de texto em seu trabalho, Jason prefere atualmente escrever do que desenhar. “O desenho é a parte chata. Eu ainda gosto de painéis silenciosos e gosto de usá-los entre painéis que tenham mais textos. Às vezes o silêncio acaba dizendo mais”, afirma

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino

Jason diz não ter pensado sobre como faria uso de uma máquina do tempo e se mataria Hitler caso tivesse a oportunidade de voltar ao passado. Já em relação ao futuro, ele é pessimista. O autor crê na autodestruição da humanidade.

“As coisas só serão feitas quando for tarde demais. Eu estarei morto em talvez 30 anos. Felizmente. Eu sinto muito pelas crianças de hoje, que terão que viver no futuro. Se houver algo como reencarnação, eu diria ‘não, obrigado’”.

Quadros de Eu Matei Adolf Hitler, álbum do norueguês Jason publicado pela editora Mino
HQ / Matérias

A saída de Mike Deodato Jr. da Marvel e a parceria com Jeff Lemire no épico de ação e feitiçaria Berserker Unbound

O quadrinista brasileiro Mike Deodato Jr. anunciou o término do período de 24 anos de parceria entre ele e a Marvel Comics. Após tornar público o fim de mais de duas décadas de colaborações para a Casa das Ideias, ele revelou seu novo projeto, a série Berserker Unbound. Com roteiro de Jeff Lemire, o quadrinho começará a sair nos Estados Unidos em agosto de 2019, pela editora Dark Horse – a capa da primeira edição é essa aqui em cima. O título chega ao Brasil pela Mino, com previsão de lançamento para o início de 2020, simultaneamente à publicação do primeiro encadernado da série na América do Norte.

Eu entrevistei Deodato sobre essa decisão de sair da Marvel e também falamos sobre o desenvolvimento do projeto com Lemire e a trama da obra – sobre a chegada a uma metrópole moderna de um bárbaro com capa, espada, escudo e machado presos às costas tendo um bruxo em seu encalço. Transformei essa conversa em matéria pro UOL e você lê o meu texto clicando aqui.

Entrevistas / HQ

Papo com Manuele Fior, o autor de A Entrevista e Cinco Mil Quilômetros Por Segundo: “Tento investigar todas as possíveis ramificações do conceito que quero trabalhar”

O quadrinista italiano Manuele Fior teve duas obras lançadas quase simultaneamente no Brasil, os álbuns A Entrevista (Mino) e Cinco Mil Quilômetros Por Segundo (Devir). As publicações são distintas em diversos aspectos, relacionados principalmente às diferenças de técnicas e estilos dos quadrinhos, mas também aos momentos destoantes da carreira do autor quando foram produzidos. Ainda desconhecido e em início de carreira na época do lançamento de Cinco Mil, Fior ganhou fama após o livro vencer o prêmio de melhor álbum do Festival de Angoulême de 2011. A Entrevista foi lançado em 2014, com o autor já reconhecido internacionalmente e com a proposta de produzir uma história de ficção científica, em nada relacionada às tramas quase autobiográficas de seus trabalhos prévios.

Eu escrevi para o jornal O Globo sobre o lançamento das duas HQs no país. Entrevistei o autor das duas obras e conversei com ele sobre a origem de cada trabalho, as técnicas utilizadas em cada HQ, suas inspirações e seus próximos projetos. Recomendo a leitura dos dois quadrinhos, uma conferida no meu texto e depois o papo a seguir, a íntegra da minha troca de emails com Fior. Saca só:

“Eu acho que tentei com esse livro colocar um pouco de ordem nos meus pensamentos, eu tinha uma vida muito nômade na época e as coisas acabaram um pouco bagunçadas”

Cinco Mil Quilômetros Por Segundo e A Entrevista foram lançados aqui no Brasil quase simultaneamente, por duas editoras diferentes. Você fica curioso em relação a esse interesse repentino no seu trabalho aqui no Brasil e na recepção das duas obras?

É claro que fico curioso. Em Portugal eu conheci alguns leitores que já conheciam o meu trabalho antes do lançamento de Cinco Mil Quilômetros Por Segundo por lá. Eu honestamente não faço ideia do que possa ter motivado que os livros tenham sido lançados em um intervalo tão curto de tempo, a única coisa que sei é que a Devir queria que o livro já estivesse publicado para o festival de Beja.

Os dois livros são muito diferentes, tantos as histórias quanto os estilos que você desenvolve em cada um. Você poderia falar um pouco da origem de cada trabalho?

Cinco Mil Quilômetros Por Segundo teve uma gestação muito problemática, eu estava morando na Noruega na época e fazendo vários trabalhos ao mesmo tempo. Eu acho que tentei com esse livro colocar um pouco de ordem nos meus pensamentos, eu tinha uma vida muito nômade na época e as coisas acabaram um pouco bagunçadas, me refiro a relacionamentos, ambições profissionais e por aí vai.

Já A Entrevista foi bem diferente, eu o fiz logo após vencer o prêmio em Angoulême, então eu estava me sentindo um pouco mais confiante com o meu trabalho. Ele foi a minha primeira tentativa de abandonar temas autobiográficos e mergulhar na ficção, na verdade ficção científica, da minha forma é claro, de maneira muito íntima.

“Não há nenhuma razão racional para o uso de cada técnica, normalmente quando a ideia de um livro vem à mente também tenho um vislumbre de como ele será”

Você utiliza técnicas muito distintas nos dois livros. Como você decide a técnica e o material que utiliza em cada obra?

A Entrevista foi feito com carvão e nanquim, já o Cinco Mil Quilômetros por Segundo em tinta acrílica. Não há nenhuma razão racional para o uso de cada técnica, normalmente quando a ideia de um livro vem à mente também tenho um vislumbre de como ele será. Depois eu busco alguma técnica que me permita chegar o mais próximo possível a essa imagem mental, é um processo que vai se definindo à medida que vou criando o quadrinho.

Da mesma forma, os dois livros são visualmente muito diferentes. Como você define a estética de cada trabalho?

Essa é uma pergunta muito complexa e abrangente, eu honestamente não tenho nenhuma resposta para ela. Eu nunca tenho um conceito estético definido, eu apenas preciso de algum esforço pessoal e a forma final acaba sendo resultado desse empenho. Eu não acho a palavra ‘estilo’ seja aplicada nesse caso.

“Eu não sou um grande admirador de histórias como apenas uma única interpretação, com apenas uma única solução no fim”

Eu fiquei fascinado com a ambientação de A Entrevista e queria saber mais sobre a sociedade futurística que você concebeu pra esse livro. Você chegou a desenvolver mais sobre esse universo que acabou ficando de fora da HQ?

Normalmente eu escrevo muito durante a criação do quadrinho, tento investigar todas as possíveis ramificações do conceito que quero trabalhar. Mas no final das contas o que você lê é o que realmente existe, não há ideias ou sequências que eu tenha desenvolvido e não estão presentes no livro.

A minha sensação lendo A Entrevista foi semelhante a de assistir a um filme dos irmãos Coen. Tudo soa como uma enorme conspiração, há muitas ideias não desenvolvidas e implícitas, mas a trama principal é focada nesse sujeito ordinário lidando com pequenos ocorridos extraordinários. Isso faz sentido para você?

Na verdade, a minha referência cinematográfica foi a Trilogia da Incomunicabilidade – A Aventura, A Noite, O Eclipse -, do Michelangelo Antonioni. Se você é familiarizado com esses filmes, encontrará o mesmo fascínio pelo desconhecido, pela psicologia distorcida de personagens agindo enquanto refletem sobre suas existências e suas motivações. Eu não sou um grande admirador de histórias como apenas uma única interpretação, com apenas uma única solução no fim.

Sobre Cinco Mil Quilômetros por Segundo: quais eram os principais sentimentos que você tinha intenção de transmitir enquanto criava a HQ?

Os meus próprios sentimentos na verdade, os meus medos e o meu deboche pelo período que estava vivendo. Foi uma forma de exorcizar alguns dos medos e dos arrependimentos que eu tinha, e impus toda essa carga para os meus pobres três personagens, que vivem, sofrem e perdem exatamente como aconteceu comigo.

No que você está trabalhando atualmente? Tem mais diálogo com o Cinco Mil Quilômetros por Segundo ou com A Entrevista?

Estou no meio de uma graphic novel longa chamada Celestia, uma história de ficção científica ambientada em Veneza. É uma trama totalmente nova na qual eu decidi usar a personagem Dora, que já apareceu em A Entrevista.

Você pode recomendar algo que esteja lendo, assistindo ou ouvindo atualmente?

Definitivamente The World of Edena, a edição completa. Eu já havia lido alguns capítulos dessa obra prima do Moebius, mas reler na íntegra está explodindo a minha cabeça, é uma inspiração eterna.